sábado, 11 de setembro de 2010

Minha árdua semana da pátria

Vários dias ausente do blog e por razões justificadas. Enquanto outros gozavam os doces prazeres da semana da pátria, eu suava a camisa e consumia os parcos neurônios diuturnamente (esclareço este exagero logo abaixo) num congresso de História.
Já fazia algum tempo que, por falta de saco, eu não frequentava um evento acadêmico desse tipo. Mas voltei, como todo filho um dia volta ao seio materno e o criminoso à cena original do crime.
E simplesmente para concluir que quase nada mudou no palco científico, a não ser o fato de que os congressos proliferam cada vez mais. Os interessados não precisam gastar muito tempo para encontrar centenas de anúncios de simpósios, encontros, seminários, semanas, sejam regionais, nacionais ou internacionais.
Há de tudo um pouco: jornadas para médicos, físicos, químicos, biólogos, sociólogos, comunicólogos, cientistas políticos, antropólogos e, claro, históriadores. Os humanistas moles não precisam mais ficar ressentidos com os cientistas duros, uma vez que também têm à disposição seus próprios supermercados, shoppings e fashion weeks.
A diferença é que as barracas dos historiadores parecem mais pobres, talvez porque nossos produtos não tenham grande importância no comércio global. Nossas tendas estão mais para os camelódromos do que para os iguatemis luxuosos. A disparidade entre os congressos daqueles profissionais e os nossos é demonstrada já na distribuição dos badulaques do evento aos participantes. Enquanto eles recebem elegantes pastas de couro ou modernas mochilas para notebooks, nós ganhamos de entrada umas pastinhas baratas de plástico, equipadas com canetinha de ambulantes e um bloco de anotações comprado na gráfica da esquina.
Sei que isso é bobagem. O que importa é o conteúdo das conferências, das mesas redondas, dos seminários. Mas sobre tal não direi nada. Quem sou eu para julgar as centenas de trabalhos apresentados, que vão da análise dos escritos de Clarice Lispector às confissões íntimas do Padre Feijó? Como poderia discernir alguma coisa nessa massa de novas informações, metodologias e temas históricos culturais expostos pela multidão de novos especialistas, geralmente estudantes de pós-graduação, cada vez mais abundantes no mercado acadêmico?
Profissional velho de guerra, de um tempo em que se discutiam grandes teses acerca da realidade histórica, é difícil para mim opinar sobre esse verdadeiro turbilhão de pequenas dissertações culturalistas sobre não sei o quê e para quê. E não vai aqui qualquer crítica.
Ainda bem que não sou o único a falar dessa perplexidade. Lá mesmo no congresso, ao perambular pelas inevitáveis bancas de livreiros desejosos de algum consumidor de letras, comprei um livrinho de autoajuda acadêmica, no qual o autor - o best seller Zigmunt Bauman - trata da massa informe de conhecimentos em nossos dias:

"Essa massa de conhecimento acumulado transformou-se no epítome contemporâneo da desordem e do caos. Nela mergulharam e dissolveram-se pouco a pouco todos os critérios ortodoxos de ordenamento: tópicos de pertinência, atribuição de importância, necessidades determinantes de utilidade e autoridades determinantes de valor. A massa faz esses conteúdos parecerem uniformemente descoloridos. Pode-se dizer que, nela, todas as informações fluem com o mesmo peso específico; portanto, para aqueles a quem se nega o direito de reivindicar a competência de seu próprio julgamento, embora sejam expostos às correntes de teses contraditórias dos especialistas, não há como separar o joio do trigo. Na massa, a parcela de conhecimento retirada para uso e consumo pessoal só pode ser avaliada com base na quantidade, não é possível comparar sua qualidade com o restante. Todas as informações se equivalem".

Por isso, embora tenha frequentado as sessões do congresso, gostei mais de perambular pelos corredores e conviver com os amigos: antigos e novos alunos, orientandos, colegas e gente recém-conhecida. Nos corredores e nos botecos é que aprendemos a, pelo menos, saber como são realmente as pessoas, o que pensam e se vivem apaixonadamente como pensam, não como meros profissionais-mercadorias de supermercado. Semprei achei que esse é o melhor método de conhecimento.
E assim esclareço como foi minha árdua jornada na semana da pátria. Acho até que aprendi alguma coisa.

3 comentários:

  1. Admirável. Não vai aí nenhuma crítica? Elegantíssima ironia. Adorei saber da "contenda" entre humanista mole e cientista duro. E o critério final sobre o método do conhecimento parece justíssimo.

    Abraço.

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  2. Heraldo Márcio Galvão Júnior11 de setembro de 2010 às 21:01

    "Acho que até aprendi alguma coisa"

    Totalmente relevantes suas palavras, mesmo para um praticamente iniciado nesta "esfera" acadêmica como eu.

    Nos encontros informais e nos botecos tive verdadeiras aulas de "ciências humanas", se é que se pode chamá-las assim, e da arte do fazer história. Mas aulas não no sentido tradicional. Discussões sérias, risadas, ironias, enfim, conversas transparentes que conseguem atrair e prender os integrantes da mesa (e esta retangular), sem o relativo tédio e rigor científico da leitura pública de um texto formal e acadêmico (embora tenha aprendido coisas importantes em certas sessões de comunicações).

    Com este método do conhecimento, eu "Tenho certeza que aprendi muita coisa".

    Valeu..

    Abraços

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  3. A. Celso,
    Lembro de você ter me dito no fim da graduação "vai viver". Eu fui. Passei a semana da pátria acompanhando com muito entusiamo o MIRADA - festival ibero-americano de artes cênicas - que rolou aqui em Santos. Acho que estou aprendendo a aprender. Valeu pelo toque!

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