Não sei se isso ocorre com vocês, mas a mim, um simpático chato, causa irritação. Falo do uso frequente e massificado de certas palavras em nosso meio. Palavras que se tornaram clichês, cuja origem é inútil buscar, se é que algum vocábulo nasce com identidade própria.
O fato é que, assim como as bugigangas do mercado global, copiamos, reproduzimos e consumimos termos-bugiganga das universidades da 25 de março, da zona franca de Manaus, do Paraguai, da China, de Miami e, principalmente, de Paris.
O que mais me incomoda é representação. Tanto que desde já proibo que meus alunos e orientandos empreguem esta expressão. A não ser que saibam exatamente o que pretendem dizer ao usá-lo. Significa ideologia? Sim, porque tem gente que o emprega nesse sentido marxista, embora de maneira ignorante. Para outros é simulação ou reflexo de algo (que também ignoram) e para a maioria não significa nada. Trata-se de apenas uma banalidade, um vazio de sentido.
Representação é um desses conceitos já criados no processo contemporâneo de esfriamento intelectual, que vão murchando quanto mais usados. De tal maneira que tudo passa a ser objeto de representação. Só os seus enunciadores não se dão conta que eles mesmos também já se transformaram em pastiches.
Há, ainda, muitos mais conceitos a exorcizar. Mas, por enquanto, a necessidade de uma limpeza urgente me obriga a citar apenas dois ou três vocábulos que saem pelas bocas intelectuais como verdadeiras pragas do Egito.
Virou moda, por exemplo, entre gente ligada à educação, usar o neologismo dialogismo (me perdoem pela rima). Quando o ouço, dói-me o ouvido, sinto pena de Bakhtin, coitado, que tinha um propósito tão alto ao empregá-lo como noção literária! Agora a coisa é mais baixa, mais chão. Dialogismo quer dizer diálogo adocidado entre desiguais: professores e alunos, orientadores e orientandos, chefes e subordinados e assim por diante. Emprega-se o termo não para caracterizar vozes em confronto, e sim para mascarar a diferença. O que representa (olha aqui o malfadado) uma espécie de arrependimento da condição real do sujeito enunciador. Pura hipocrisia inconsciente.
E a idéia de lugar, extraída do pobre Michel de Certeau, que anda a ser utilizada como lugar quase físico? Já vi membro de banca examinadora dizer ao candidato defensor de tese que sua arguição saía de um lugar determinado. Eu, companheiro de banca, logo pensei que era da cadeira onde o sujeito estava sentado. Lugar passou a ser um pedido de desculpa. Falo do lugar de professor, do lugar de juiz, e ao me desmascarar, sou igual a você! Ora, que se assumam no seu lugar verdadeiro, porra!
Tem mais coisas do gênero (ops, mais uma palavra para um dia demolir), hoje deixo apenas uma última, que não pode passar ilesa: olhar. O povo acadêmico pegou a mania de que tudo é olhar. O historiador olha o passado, fulano olha a fonte, beltrana olha o objeto, sicrana olha a bibliografia, e todos nos olhamos, reciprocamente, com falsa benevolência.
Ninguém mais analisa ou investiga, pois é politicamente incorreto se servir do vocabulário médico ou jurídico na produção (já pensaram neste?) humanística. Prefere-se abusar de termos complacentes, de aparência democrática, neutra, generosa - na verdade, hipócritas.
No meu caso, se continuar assim, terei de inventar um dicionário próprio.