Sou um cara invocado com algumas palavras. Volta e meia me irritam a falsa de senso crítico e o verdadeiro ridículo da repetição nauseante de uma série de termos-clichês, banalizados ao extremo. Um deles é representação, moda desde os anos 80 na academia. Seu aparecimento coincidiu com o declínio do vocábulo ideologia, corriqueiro no velho marxismo. Pois bem: buscaram lá na teoria estética a tal da representação, que já não significa absolutamente mais nada. Tudo virou representação e ainda insistem em empregá-la, principalmente as novas filas de epígonos. Mas há um monte de outras palavras acadêmicas desse tipo que pretendo de vez em quando mostrar aqui. Dará um imenso dicionário de bobagens intelectuais.
Há também aqueles termos e modos estúpidos de falar que foram tão rapidamente incorporados na linguagem cotidiana. Quase todos vieram dos business statianos, como os gerundimos que ainda se propagam como verdadeiras pragas: vamos estar fazendo, vou estar transferindo a ligação e similares. Tem ainda o com certeza, um tipo de resposta-padrão sempre dado em entrevistas de televisão, que nos traz a incerteza de viver num mundo inteligente. E muitos outros de idêntico calão por ai afora.
Durante sua viagem ao Brasil para assumir um posto na USP, na década de 1930, Lévi-Strauss disse que a terra se tornava uma imensa monocultura. Segundo o antropólogo, todos os recantos de diversidade ou policultura iam desaparecendo com a diminuição das distâncias. Não sei o que ele pensou a respeito do mesmo assunto nos seus últimos anos de vida, quando a globalização e o incremento monopolístico e acelerado das informações levaram ao paroxismo aquela tendência. No Brasil, então, a monocultura yankee vem de longe e abrange todas as classes.
Mas hoje quero falar do vocabulário sexy, uma dessas invariantes coloniais. Aliás, não sei porque o termo sexo tem a força que tem. Nem vou recorrer a Jurandir Costa Freire para alertar que até o século XVIII o referido não era tratado desse modo separado dos afetos, sentimentos, espíritos e outras partes da carne. Tampouco a Foucault para lembrar que é exatamente desde então que a sociedade ocidental nos constrange a falar de sexo. O sexo tornou-se falado, em vez de reprimido como um tabu. Passou a ser controlado pela fala e não pelo falo. E muito menos recorrer ao maluco do Baudrillard para concluir que o sexo adquiriu essa dimensão falada e específica exatamente porque já desapareceu, se desprendeu do real, transformou-se em virtual.
Não chego a tanto, embora tenha de admitir que a expressão sexo, biologicamente superlativa, representa (olha aqui o lapso) entre nós uma função, uma mecânica, um processo. Os norte-americanos adoram incluir tudo na semântica da produção capitalista com suas eficiências e produtividades. To have sex é bem a expressão desse puro comércio. Melhor é o vocabulário puro e inocentemente debochado dos inferninhos da prostituição: trepar é um dos verbos correntes, aliás, magnífico, preciso, erótico, ecológico. E que saudades do make love, not war, tão romântico!
Experimentem assistir ao programa Talk sex, da Sue Johansen, e verão que estou certo. A mulher até que é safadinha como uma panela velha, só que ao jeito dos irmãos puritanos do norte. Ensina a art of sucking dick e coisas que tais, mas de um jeito tão técnico e natural que tira qualquer tesão. O tesão gosta de um pouco de secreto, de escuro, de proibido. Iluminá-lo e clarificá-lo é brochante. Por isso é que, no âmbito dessa mesma pedagogia do sexo, o antigo programa Ponto P era muito mais interessante, sacana e nacionalista. Tinha duplo sentido.
Sei que a lingua yankee é muito prática e eficiente, mas francamente, há vocábulo mais feio que relationship? Não sei nem quero saber sua origem etimológica ou histórica, nem por isso gosto desse negócio de relação e transação. Por isso me incomoda ouvir um relacionamento por minuto nas conversas de metrô, pelo celular, nas lojas, nas igrejas, no programa da Lucianta, de bocas populares ou célebres: terminei recentemente um relacionamento, comecei um novo relacionamento. Ou seja (como diria Lula), ninguém mais é gente, e sim agente de relações. Bons tempos eram aqueles em que as pessoas tinham casos, paralelos ou não ao casamento institucional. Fulana tinha um caso com sicrano. Ou eram amigadas (que linda expressão!).
O imperialismo se expande também pelo território homoerótico, e não poderia ser diferente. Tem uns vinte anos que os viados brasileiros passaram a ser gays tipo norte-americanos. A expressão gay (homossexual não pode ser contido ou mesmo triste?)nos Estados Unidos, só ganhou conotação sexual em meados do século XX e se mundializou com o movimento do politicamente correto. Tinha o propósito de combater os preconceitos implícitos em termos como viado, bambi (nenhuma alusão a um clube de futebol) bicha e outros. Alguns dizem que viado vinha de transviado (termo classificatório inaceitável), outros afirmam que era simplesmente uma corruptela de veado, o bicho. Acredito mais nesta segunda alternativa.
O fato é que tenho dúvidas a respeito do poder purificador e racionalizador das palavras. No caso de gay, creio que é mais um termo para usar na televisão e na academia do que qualquer outra coisa. Socialmente aceito e legitimado, aparenta cientificidade, racionalidade, modernidade e neutralidade. Mas não é o que os gays usam cotidianamente para se referir aos pares e a si próprios: em ambiente próprio eles se dizem bichas e viados. E não vêem nenhum mal nisso.