segunda-feira, 14 de junho de 2010

Ainda sobre livros e e-books

Dois livros essenciais sobre livros, lançados originalmente no ano passado, acabam de ser publicados no Brasil. O primeiro, Não contem com o fim do livro, reúne uma jornada de entrevistas concedidas a Jean-Philippe de Tonnac por Umberto Eco e Jean-Claude Carrière. O segundo, intitulado A questão dos livros: passado, presente e futuro, é assinado por Robert Darnton.
Trata-se de um trio cultor de livros, cada qual à sua maneira. Umberto Eco, o mais conhecido deles, além de romancista, filósofo e semiólogo, é um inveterado colecionador desse tipo de bem cultural. Carrière é tambem bibliófilo de carteirinha, além de escritor, dramaturgo e roteirista. Robert Darnton, que já conquistou um lugar na historiografia internacional com uma série de trabalhos a respeito da história da leitura, ocupa hoje o prestigioso cargo de diretor da Biblioteca da Universidade Harvard. Vale a pena, portanto, saber o que eles pensam sobre a situação do livro na era dita da informação.
Nas respostas dadas ao entrevistador, os dois primeiros transitam com grande desenvoltura, erudição e bom humor por temas complexos do passado e do presente: as mudanças no hábito de leitura provocadas pela velocidade das transformações técnicas; a rápida e sucessiva obsolescência das novas tecnologias da informação; a memória incontrolável da internet, desprovida de instrumentos condiáveis de filtragem; a tendência atual ao desaparecimento das especialidades ligadas ao estudo dos manuscritos; o papel do livro, dos livreiros e das bibliotecas na história - entre outros assuntos.
Mas o que os inflama mesmo é uma certa aposta na perenidade do livro tal qual o conhecemos desde a Idade Média, ou ainda, desde Gutenberg. Diante da efemeridade de inúmeras tecnologias modernas, segundo o eloquente escritor italiano:
"Das duas uma: ou o livro permanecerá o suporte da leitura, ou existirá alguma coisa similar ao que o livro nunca deixou de ser, mesmo antes da invenção da tipografia. As variações em torno do objeto livro não modificaram sua função, nem sua sintaxe, em mais de quinhentos anos. O livro é como a colher, o martelo, a roda ou a tesoura. Uma vez inventados, não podem ser aprimorados. Você não pode fazer uma colher melhor que uma colher".
Por sua vez, Robert Darnton também faz uma descarada apologia do livro, nas suas próprias palavras. Ainda assim, mostra-se um pouco mais ousado como autor de alguns projetos de cunho digital, já que supõe seu inevitável predomínio na era em que ingressamos ou estamos às vésperas de ingressar. É por essa razão que seus ensaios foram organizados em três partes, dedicadas, pela ordem, do futuro ao passado. Inicia o livro com algumas conjecturas, justificadas por indícios do presente, a respeito do futuro do livro, da informação e das bibliotecas no ciberespaço. Na segunda parte, trata da convivência entre livros impressos e e-books, dos planos que desenvolveu para a publicação de livros virtuais e defende com veemência o acesso livre ao conhecimento e à cultura, conforme os princípios da república iluminista das letras. A última parte versa sobre questões ligadas aos seus trabalhos de historiador da leitura.
Convém ler com atenção o capítulo O Google e o futuro do livro, em que Darnton analisa os problemas envolvidos no grande projeto, encabeçado por essa empresa, de digitalização das bibliotecas. De acordo com ele, a iniciativa nos coloca diante do imponderável: o monopólio quase absoluto do patrimônio universal da cultura letrada pela iniciativa privada ou o triunfo do sonho enciclopédico iluminista. Nas entrelinhas, talvez se possa ler um Darnton um tanto desalentado.
Quanto ao e-book, experimentado na própria pele pelo historiador durante a década de 1990, quando ele liderou a edição de uma série de teses acadêmicas em formato digital, nota-se que suas informações não permitem conclusões definitivas. Tal empreendimento foi apenas parcialmente bem-sucedido, mas já se interrompeu. As evidências demonstram, contudo, que as dificuldades de publicações acadêmicas ainda não foram solucionadas nos Estados Unidos. O que também ocorre no Brasil, diga-se de passagem. 
As ponderações de Robert Darnton, tanto quanto de Eco e Carrière, deveriam ser lidas com cuidado, especialmente nos meios novidadeiros nacionais. Das duas obras ainda resta um cheirinho sagrado de livro.

2 comentários:

  1. Bela definição do Umberto Eco acerca do livro. As novas midías não substituem o prazer que a leitura do livro propicia. E o livro é um objeto de desejo dos leitores que contém um apelo sensual aos sentidos. A racionalidade e a transformação constante das novas midías não é capaz de produzir o prazer deste objeto fascinante.

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  2. Eu tenho algumas poucas práticas com livros digitais, norteadas pela minha própria e de algumas pessoas próximas.
    Concordo com o comentário do Moacir, acima, mas vejo por alguns lados. Um problema é quem lê, que são poucos, e as inovações chegam sempre a esse grupo. Questionei hoje, a minutos antes e depois de ler o artigo do Antonio Celso, meus alunos do Ensino Médio: quem lê? quem conhece os livros digitalizados disponiveis na internet? a resposta foi única e desanimadora. Uma que ninguém tem a leitura como prática, nem quando obrigatória. Quanto aos meios digitais, nem tem conhecimento de que existem.
    É de fundo um problema grave do próprio sistema de educação e social para a fuga da alienação. Apesar do prazer do livro, os digitais, mesmo que de forma um pouco utilitária oferecem recursos interessantes, mas que concordo, não irão substituir o livro tal como o conhecemos, pelo menos para nossas gerações, não sei como será quando as próximas gerações, caso ocorra, não conhecerem o livro de papel...

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