sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Sobre o amor, o desejo e o desassossego

Reimaginei o blog. Agora as impertinências não são minhas mas do próprio mundo. E o abri com outra imagem - que dispensa apresentação, imaginando que Asas do desejo, de Win Wenders, já seja obra universal. As impertinências do mundo são a causa de toda arte e de toda ciência. Melhor, de todo desassossego, de todo desejo, de todas paixões, de todo amor. Lacan chamou essa coisa de buraco. Com outras palavras, Saramago, o mais recente falecido na investigação da natureza humana, disse o mesmo: Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos. E para reiniciar a vocação deste blog, vou mais longe nessa procura do inexplicável. Com vocês o comediante Aristófanes:

"Tentarei eu portanto iniciar-vos (...) e vós ensinareis aos outros. Mas é peciso primeiro aprendertes a natureza humana e as vicissitudes. Com efeito, nossa natureza outrora não era a mesma que a de agora, mas diferente. Em primeiro lugar, três eram os gêneros da humanidade, não dois como agora, o masculino e o feminino, comum a estes dois, do qual resta agora um nome, desaparecida a coisa; andrógino era então um gênero distinto (...). Depois, inteiriça era a forma de cada homem (...) Eram por conseguinte de uma força e de um vigor terríveis, e uma grande presunção eles tinham; mas voltaram-se contra os deuses (...). Depois de laboriosa reflexão, diz Zeus: 'Acho que tenho um meio de fazer com que os homens possam existir, mas parem com a intemperança, tornados mais fracos. Agora (...) eu os cortarei a cada um em dois, e ao mesmo tempo eles serão mais fracos e também mais úteis para nós, pelo fato de terem se tornado mais numerosos (...). Por conseguinte, desde que a nossa natureza se mutilou em duas, ansiava cada um por sua própria metade e a ela se unia (...) no ardor de se confundirem, morriam de fome e de inércia em geral, por nada quererem fazer longe um do outro (...). Tomado de compaixão, Zeus consegue outro expediente, e lhes muda o sexo para frente - pois até então eles o tinham para fora e geravam e reproduziam não um no outro, mas na terra, como as cigarras. ; pondo-se assim o sexo na frente deles fez com que através dele se processasse a geração um no outro, o macho na fêmea, pelo seguinte, para que no enlace, se fosse um homem a encontrar uma mulher, que ao mesmo tempo gerassem e se fosse constituindo a raça, mas se fosse um homem com um homem, que pelo menos houvesse saciedade em seu convívio e pudessem repousar, voltar ao trabalho e ocupar-se pelo resto da vida. É então de há tanto tempo que o amor de um pelo outro está implantado nos homens, restaurador da nossa antiga natureza, em sua tentativa de fazer um só de dois e de curar a natureza humana. Cada um de nós portanto é uma téssera complementar de um homem, porque cortado como os linguados, de um só em dois; e procura então cada um o seu próprio complemento. Por conseguinte, todos os homens que são um corte do tipo comum, o que então se chamava andrógino, gostam de mulheres, e a maioria dos adultérios provém deste tipo, assim como também todas as mulheres que gostam de homens e são adúlteras, é deste tipo que provêm. Todas as mulheres que são o corte de uma mulher não dirigem muito sua atenção aos homens, mas antes estão voltadas para as mulheres e as amiguinhas provêm deste tipo".

Aristófanes no Banquete de Platão.

3 comentários:

  1. toda a Filosofia do mundo
    dentro da alma humana
    (e de outro seres).

    forte abraço.

    ResponderExcluir
  2. Seu post me trouxe à recoração o dia em que lemos o texto do Aristófanes em sala de aula, ficamos encantados entre risos, os andrógenos rendeu comentários durante meses e recordações pra toda a vida.
    Beijos.

    ResponderExcluir
  3. http://www.youtube.com/watch?v=KZTydgcrmbw&feature=player_embedded

    ResponderExcluir