quinta-feira, 1 de julho de 2010

O circo eletrônico dos horrores

Madrugada adentro, o sono que não vem, a televisão ligada, nenhum documentário ou filme interessante, assassinatos cansados de superexposição, gols reprisados em infinitos ângulos, sexo semiexplícito em todas as posições, só os padres, os pastores e as pastoras eletrônicas gritam medonhamente no ar para a multidão de crédulos medonhos, os miseráveis da cultura. No ziguezague da tv aberta, canal por canal, craqueiros seguem Jesus, a água abençoada dissolve o câncer, a obra de deus opera milagres na boca de estômago da velha, na hérnia de disco do pedreiro, no casal em pé de guerra. A palavra persevera, tira do fundo do poço, cura depressão e síndrome do pânico, desfaz encosto, a bispa fajuta vende terapia por cartão de crédito, o ex-desempregado testemunha o carro novo, a casa própria, a tv digital, a cantora gospel cobra pelo divino ridículo, as páginas do antigo testamento guardam milhões de notas dizimais. O homem de batina reza vinte vezes a mesma oração ao pé da virgem de barro, benze o copo dágua  que duplica na mão do bispo de terno-e-gravata do canal vizinho, o obreiro e a pastora comercializam o barro e o líquido do rio jordão. O mais primitivo, o mais anímico, o mais supersticioso, o mais ignorante, o mais abjeto do homem ressurge do fundo humano, brota no eterno grotão da ignorância brasileira. Sem fundamentalismo teocrático, não!, sem transcendência prolifera como as baratas crescem no esgoto do país que nunca se completou como república laica ou positivista,  que vestido de moderno, teima em permanecer na treva da anticivilização, antes das luzes da ciência, da revolução e da laicidade. E que se perpetuará evangelicamente pelas novas gerações, como o tumor malcurado dos pastores, enquanto os ares, as ondas e os satélites  estiverem nas mãos dos criminosos da religião. Pois não bastam novos postes de eletricidade, nem mais escolas ou computadores, não! Nenhum ensino, por mais equipado e valorizado será capaz de competir com esse circo eletrônico de horrores, patrocinado por concessões públicas e justificado pelas alianças políticas assinadas sob narizes tapados e olhos vendados. Pois nenhuma cidadania ou consciência poderá se erguer nessa anticultura oficializada. Pois nenhuma potência nascerá desse impulso mortífero do mercado religioso. Não adianta ocultar: o centro do dilema brasileiro não é a questão educacional, esse discurso fácil e inexequível nas condições em que vivemos. A questão nacional é a reforma política, a verdadeira reforma republicana!

4 comentários:

  1. não entendo muito sobre o assunto mas concordo.
    acho q a jogatina de interesses de politicos e grandes empresários é o que trava o desenvolvimento d melhores condições d vida para o povo.

    sei lá.

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  2. Isto nos dá uma pequena idéia de onde surgirá o verdadeiro anticristo.

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  3. É por essas e outras que parei de assistir à TV. Simplesmente não vejo mais televisão. E (quer saber?) estou achando ótimo: tem me sobrado mais tempo pra ler, escrever, ouvir música, assistir DVD's, namorar... Os indivíduos estão se tornando apáticos telespectadores da vida. Por que não desligarmos essa máquina de fazer doido, hein? Aí, aliás, sobraria mais tempro pras pessoas visitarem meu blog Expressão Liberta (www.expressaoliberta.blogspot.com). Inclusive muita gente poderia estar usando seu tempo livre para fazer fanzines, criar blogs e veículos de comunicação alternativos, semeando consciências críticas e escapando da alienação televisiva.

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  4. Caro Antônio,
    Muito bom seu texto e o tema escolhido. Adorei a heresia e a crítica aberta e corajosa feita por você. Hoje em dia é quase um crime dizer-se agnóstico ou ateu. Como dizia Saramago: "A Bíblia está cheia de maus exemplos" (não sei se nestas exatas palavras). A proliferação de pastores "milagrosos" cujas fortunas coadunam com as fortunas dos políticos é um mal tão difícil de combater quanto os ratos ou as baratas ou a AIDS. A necessidade humana por um "amparo maior" as cega. Há pessoas com fé e bom senso, sim, felizmente, mas não é o que mais reina. É difícil encarar a vida de frente, admitir que o mundo é extremamente imperfeito e que, se houve uma criação, ela falhou. Parabéns pelo blog e pelo tema. Sigo seguindo e espero vê-lo também lá pelo meu.
    Grande abraço,

    Ivan Bueno
    blog: Empirismo Vernacular
    www.eng-ivanbueno.blogspot.com

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