terça-feira, 29 de setembro de 2009

Vagas para mestrado e doutorado

Professor com larga experiência no mercado acadêmico, interessado em dar um up grade em sua carreira, seleciona candidat(a)os para orientar. Poderão inscrever-se pessoas que apresentem e comprovem, pelo menos, uma das seguintes condições:

  • traumas graves na infância ou na adolescência, com potencial para sublimá-los artística ou cientificamente;
  • estágio de meditação em montanhas do Tibet de, no mínimo, um ano de duração;
  • experiência de trabalho de dois anos em fazendas, fábricas ou minas de carvão; 
  • permanência (indeterminada) na Fundação Casa (antiga FEBEM) ou em penitenciárias;
  • revoltados de toda espécie
Serão dispensados, a priori, caxias, repetidores de fórmulas ou teorias, dependentes do uso de celular, leitores de Veja, Caras e Crepúsculo, bombados e bombadas, aspirantes a modelo, direitistas empedernidos.
Os canditados deverão apresentar, no ato de inscrição, um paper a propósito do seguinte trecho musical de Adriana Calcanhoto:

"Gosto dos quem tem sede
dos que morrem de vontade,
dos que secam de desejo,
dos que ardem".


segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Agrupamento de partículas




"Agora o braço não é mais o braço erguido num grito de gol.
Agora o braço é uma linha, um traço, um rastro espelhado e brilhante. E todas as figuras são assim: desenhos de luz, agrupamentos de pontos, de partículas, um quadro de impulsos, um processamento de sinais.
E assim - dizem - recontam a vida.
Agora retiram de mim a cobertura de carne, escorrem todo o sangue, afinam os ossos em fios luminosos e ai estou pelo salão, pelas casas, pelas cidades, parecida comigo.
Um rascunho.
Uma forma nebulosa, feita de luz e sombra. Como uma estrela.
Agora eu sou uma estrela"

Com esse trecho declamado por Elis no show Falso Brilhante (não tenho a referência exata, mas acho que foi nele, mas não sei se a autoria é dela ou de outra pessoa, tanto faz), encerro provisioriamente o capítulo da ilusão de celebridade em nossa cultura (Hannh Arendt fala disso com propriedade ao analisar o mundo antigo). O show foi em 1976. Cinco anos depois a cantora morreu. O sangue já havia escoado de suas veias, ela estava esbelta de cocaína. Elis se rebelou contra tudo e todos. Tinha plena consciência de que sua arte era a única coisa que valia a pena, mas que sua figura era consumida, tanto que também acabou consumindo droga para sobreviver.
Gostaria de ter postado a imagem do show, mas não consegui descobrir na rede. Na minha sala tenho o poster com a foto e o texto: Elis de braço levantado, soberbamente terminal. Sempre quando passo diante dele presto minha homenagem.
Para Moacir, Camila e todos aqueles que suportam ler estes rascunhos sem sentido e sem luz.

sábado, 26 de setembro de 2009

Na voz de Elis

Por um acaso que veio a calhar, ouvi hoje, na límpida e emocionada voz de Elis Regina, a canção No dia em que vim embora, composta por Caetano nos anos 60, antes dele se tornar famoso. Apesar da originalidade e da beleza da letra, seus versos falam de uma experiência que foi comum na sua geração em quase todo o globo: a ruptura com os modos de vida do passado e a procura de melhores oportunidades de vida, representadas pela partida de casa em busca da capital, numa época em que ainda não havia o celular como substituto do cordão umbilical. O mesmo tema se encontra em outras mil canções da época, seja no folk renovado, no rock e nas músicas de protesto das três Américas ou da Europa.

Assim encontrei o mote para apreciar as imagens que deixei na postagem anterior. Velhas imagens do fim da década de sessenta e do início da seguinte, que inseri na página não por nostalgia, mas para retomar um fio de meada que venho prometendo há muito. Volta e meia aparecem aqui, nos meus textos e nos comentários dos amigos e amigas, alusões variadas à cultura virtual contemporânea e seus impactos sobre nossos condicionamentos intelectuais.
Pois bem: foi exatamente naqueles idos que se deu a grande virada que originou a sociedade atual. Hobsbawm caracterizou magistralmente as radicais transformações tecnológicas, econômicas e culturais ocorridas nos modos de vida das populações, em escala planetária, que não só forneceram as condições para uma nova expansão capitalista, como também estiveram na base  dos movimentos jovens do período, no ocidente e no oriente: a agitação estudantil, o pacifismo hippie, as organizações dos negros e das mulheres, a luta anticolonial e as manifestações pró-democracia no socialismo.  Eles significaram uma brecha (conforme Morin, Lefort e Guattary) de utopia cavada por setores da classe média emergente, e ao mesmo tempo, o último sopro de rebeldia em face do capitalismo triunfante.

Mas este rapidamente se apoderou dos conteúdos rebeldes, descarnando-os e transformando-os em produtos para um mercado cada vez mais cultural. (Coincidência ou não, é nesses mesmos idos que surge a História Cultural, tema para um capítulo próximo). A publicidade encarregou-se de esvaziar de sentido a energia jovem e a idéia de revolução social ou dos costumes. Houve intensa repressão sobre os líderes mais notórios, é verdade, mas quem debelou de fato os movimentos rebeldes foi a sociedade de consumo.

Dois pensadores de ponta, que ainda apostavam nas grandes narrativas explicativas hoje execradas entre nós, acertaram na mosca com suas teorias construídas no calor da hora sobre a sociedade nascente. Um deles foi Herbert Marcuse, que buscou pressupostos marxistas e freudianos para diagnosticar a emergência de um tipo novo e inteiramente alienado da vida: o homem unidimensional. Guru dos rebeldes nos anos sessenta, hoje é praticamente ignorado. O outro foi Guy Debord, conhecido apenas em alguns círculos reduzidos de militância neoanarquista, que concebeu o modelo analítico da sociedade do espetáculo. Suas idéias, igualmente sustentadas no conceito de alienação, seriam inteiramente confirmadas nas décadas seguintes, embora ele também permanecesse desprezado pela intelectualidade.

Dentre as inúmeras analogias e metáforas criadas por Debord para delinear a imagem-mercadoria do capitalismo atual, aparecia o termo vedette (em francês, originalmente, sentinela) então usado para definir o indivíduo despojado de vida real, mas que servia de espelho para a humanidade contemporânea, despojada de figuras míticas valorosas. Um dos seus exemplos favoritos de vedete era Brigitte Bardot, antes da atriz se desvencilhar desse invólucro para se dedicar à defesa das focas. Ela se antecipou às celebridades e às modelos de hoje, cujo papel é também o de representar os cadáveres humanos.

A canção me deixou com certo gosto de amargura, eu, que não gosto nenhum pouco de cultuar o passado, embora tenha me tornado historiador. Caetano Veloso saiu de Santo Amaro, Elis Regina veio do Rio Grande do Sul. Ambos se tornaram imagens na aldeia global, até mesmo com significado trágico, no segundo caso, mas que é também útil para alimentar a roda da fortuna.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Enquête


Aqui vão algumas imagens, sem os devidos créditos e com poucas referências textuais, que servirão como mote para meu próximo artigo. Vejam e pensem um pouco a respeito. Convido todos a esse exercício.



terça-feira, 22 de setembro de 2009

Interessantes tempos virtuais

Tauamg me provoca com suas tiradas inteligentes, irônicas e quase céticas. Me desvia do caminho, eu que tenho o vício didático, que me comunico como se estivesse numa sala de aula. Planejo meus assuntos de cabeça, recorrendo à lógica mental de um normalista: primeiro vou escrever sobre isso, depois sobre aquilo, ao final pretendo concluir do seguinte modo... Mas a vida não é linear, muito menos a comunicação da nossa época. Portanto, deixo mais uma vez de lado a continuidade dos exorcismos historiográficos para falar de coisa paralela, embora urgente: a autoria nos meios virtuais.
Não tenho dúvida de que as formas de autoria já estão mudando desde o impacto da rede. As possibilidades de apropriação, modificação e difusão do pensamento alheio ampliam-se cada vez mais. Não se assiste apenas a uma pirataria de idéias, imagens, sons e textos como também a progressiva desintegração das obras. Os especialistas, principalmente editores e negociantes de livros, já debatem o assunto e sabem que acontece no domínio da escrita (sobretudo com os livros) algo semelhante ao que se deu no mercado musical, cujas obras são hoje vendidas a céu aberto por todos os camelôs do vasto mundão de deus.
Isso é bom ou ruim? Não devemos responder com juízos morais imaginados fora do tempo. Foucault já demonstrou, se não me engano em 1966, que as noções de autor e obra são tardias na história. O modo atual de conceituar uma obra é parente das hagiografias católicas que tinham o objetivo de circunscrever a vida e a obra dos santos, distinguindo-os dos homens comuns pecadores. A noção de autor emerge plenamente como direito de propriedade intelectual no início da era moderna em substituição às práticas e aos conceitos de autoria da época clássica e medieval. Quem foi o autor de Ilíada e de Odisséia? Ou dos Antigos e Novos Testamentos? E dos romances medievais? Ou mesmo dos textos filosóficos gregos, transmitidos por discípulos num mundo em que predominava a oralidade? Quem conta um conto, acrescenta um ponto, diz o ditado.
Democratização da cultura? Nem tanto. Como você mesmo diz, Tauamg, as hierarquias permanecem ou se debatem tenazmente pela sobrevivência. Uma rápida olhadela no twitter revela quem são os twiteiros mais seguidos: os jornalistas já conhecidos da televisão ou da grande imprensa escrita. Por enquanto, para firmar-se na web continua valendo o velho capital simbólico obtido nos meios "tradicionais". E antes que você me provoque outra vez, tenho consciência de que meu pequeno público também é garantido pelo capital simbólico da universidade (argh, Bourdieu, gosto das suas idéias, mas não gosto de seguí-las ortodoxamente, de citar seu nome ou de outros, esse vício horripilante da academia, que leio diariamente nas teses).
Outro dos seus argumentos lembra o meu autor preferido por tanto tempo: Baudrillard (mas, chega de franceses, pensemos antropofagicamente como Oswald de Andrade). Nenhuma potência de vida poderá surgir do excesso de palavras, de imagens e de sons lançados vertiginosamente pelos satélites planetários. A profusão de matérias simbólicas leva e levará ao vazio de sentido, dizia o filósofo inaceitável. Iludem-se os narcisos anônimos ou públicos.
Apesar disso, sonho que há e haverá a possiblidade de algo escapar desse vazio onipresente: uma frase lapidar, um poema leve, belo e despretencioso, uma fotografia sensível, um deslize da alma... Como li um dia num livro de Terry Eagleton: viver em tempos interessantes não é apenas uma dádiva ... No centro do nosso pensar há sempre um vórtice que o tira do prumo.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Freud: setenta anos de vida

O caderno Cultura, do Estadão deste domingo, publicou um dossiê sobre os 70 anos da morte de Freud, com artigos de psicanalistas brasileiros como Joel Birman, Maria Rita Kehl, Renato Mezan e Luiz Alberto Hanz, além de uma entrevista com Elisabeth Roudinesco, historiadora e psicanalista francesa sempre instigante.
As matérias fazem justiça ao pensador de maior audácia e originalidade do século XX, cuja obra os teóricos conservadores tentaram demolir em avalanches sucessivas, sobretudo, nas três últimas décadas. Sob distintos pontos de vista, os articulistas conseguem demonstrar os fundamentos mais do que nunca vivos do explorador do inconsciente, a despeito da crescente biologização de todos os saberes atuais - da psiquiatria às humanidades. E a despeito ainda da formatação de um novo tipo humano, não mais sujeito às interdições e repressões da época de Freud, mas constrangido a viver em estado permanente de gozo na sociedade dos narcisos, e que constitui o desafio da psicanálise contemporânea.
Roudinesco, especialmente, ressalta a força das idéias de Freud no cenário atual, ao contrário do que se costuma imaginar em nosso tempo de desconstrução avassaladora. Para ela, o pensamento da rebelião, representado tanto pelo criador da psicanálise quanto por Marx, retornará como uma via incontornável de combate à sociedade de consumo (incluindo o consumo do ego), depurado dos dogmatismos paralizantes. Oxalá a historiadora esteja certa, e que seja possível reflorestar a terra queimada da nossa cultura universitária, tecnocientífica e midiática.
Hanif Kureisch, um dos raros representantes do que ainda poderia ser chamado hoje de literatura, confessa no seu livro Tenho algo a te dizer, que a psicanálise o salvou dos processos dissolventes vividos por sua geração (que é a minha), lhe propiciando o caminho da criatividade. Eu, que passei os dois últimos anos mergulhado no estudo de textos psicanalíticos, também tenho o mesmo sentimento.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Enquanto tomo fôlego...

faço um pequeno balanço desta experiência de pouco mais de um mês do blog. Até pouco tempo atrás, quase nada entendia das possibilidades do mundo virtual. Não quero me tornar um navegador compulsivo nem um otimista irrecuperável, mas a coisa vicia e ilude.
Ainda nos anos de 1970, creio eu, antes da internet ser conhecida no planeta, e quando a principal novidade internacional era a televisão, Umberto Eco já falava de duas posturas intelectuais diante dos modernos meios de comunicação: os apocalípticos viam neles o prenúncio do fim da cultura; os integrados deixavam-se levar por suas ondas sem qualquer reflexão crítica. Qual a saída? Nem uma nem outra, mas aceitar o que vem e fazer dele bom uso.
Estou na fase de certo encantamento, um tanto integrado, especialmente porque posso ter contato quase instantâneo com os amigos que cada vez mais chegam. Gostaria de responder a todos, debater, criar um forum nesta página. Mas acontece que os comentários são prá lá de bons: Diogo, Camila, Moacir, Tauamg, outros aos quais me referi antes, aqueles que me enviam emails, enfim, sintam-se à vontade, esta página é também de vocês.
Para mim o blog ganhou um significado especial. De um lado ele me proporciona algo que sempre persegui: gosto de descarregar rapidamente as idéias e as emoções, não me agrada carregá-las anos a fio. É, portanto, diferente da experiência do pesquisador e do autor de livro. Claro que não diria o que aqui falo exatamente da mesma maneira se estivesse escrevendo um trabalho como historiador.
Mas esse satisfação imediata é também interessante, as idéias fluem, jorram, tentam se conectar com outras vindas do saco sem fundo virtual . É uma espécie de satisfação ((gozo) distinta do trabalho intelectual propriamente dito. Parece mais com a situação em sala de aula (da qual estou momentaneamente afastado). Aliás, penso que a educação daqui para frente terá de ser em parte virtual, não evidentemente para economizar custo com professores, mas para ampliar as possibilidades de contato para além dos muros da escola (falando nisso, vocês viram Entre os muros da escola? Excelente filme).
Gosto também das idéias articuladas às práticas - assim respondo ao Tauamg. Gosto de entrar e sair das estruturas, explorar seus meandros, ir até os limites e depois deixá-las à procura de outras. Não me deixo seduzir por elas, nem a elas me subordino. Sendo um pouco otimista, blogs talvez sejam novas estruturas com virtualidades e impossibilidades. Temos de estar dentro e ao mesmo tempo fora. Integração e distanciamento.
Tenho mil temas já engatilhados para tratar. O próximo será a respeito das origens da nossa sociedade do espetáculo, conforme Debord, ou da cultura do narcisismo, conforme Lasch, ou do homem unidimensional, todos estas definições apropriadas, cada uma contendo uma parte do que somos hoje. Mas não abandonarei assuntos mais urgentes, como o da educação, ou aqueles do meio historiográfico, anunciados como exorcismos - ou ainda processos catárticos, no sentido grego. Antes, tenho de tomar fôlego como faço agora.
Vejo no alto da página os logos dos meus seguidores. Que palavra imprópria. Ou melhor, tão característica do agora humano. Tenho explorado o twitter. Lá, as pessoas seguem as outras à procura de que? Sei que umas seguem celebridades, em busca de alguma idenficação perdida ou nunca auto-construída. Numa pesquisa a esmo, digitei as palavras educação, historiografia, debate intelectual, filosofia. Nada encontrei. Pensei em algum nome conhecido e respeitado de intelectual: escrevi Marilena Chaui, mas ela nunca foi mencionada no twitter. Que droga! Tirante os seguidores de celebridades, a palavra se refere aos discípulos de líderes messiânicos. Talvez esta seja uma saída, pois a lógica é a mesma. Além do mais, as novas seitas são extremamente modernas porque também oferecem essa espécie de auto-ajuda, que é seguir o Cristo espetacular. Outro assunto engatilhado, aguardem!
Apesar disso, confesso que fiquei um tanto entusiasmado em ter seguidores, embora eu os conheça um por um e saiba que nenhum deles tem o perfil de identidade atrofiada acima descrito. Cada um tem idéias próprias e me orgulho de tê-los nesta página.
Li outro dia uma crônica bem-humorada de Zeca Baleiro sobre a internet. Ao terminar seu escrito, depois de descrever sua experiência como blogueiro, ele fechou com esta máxima: Não me sigam que não sou novela. Meu lado crítico diria o mesmo. Esqueço-o rapidamente e me rendo ao lado emocional e militante, que reclama a presença dos outros comigo, sem distinção. Eu também sou seu follower.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O novo ensino médio não nos diz respeito

Dentre o quase nada publicado na imprensa sobre a educação brasileira, merece atenção a matéria Revolução na Escola, encontrada no último número de Isto É, com direito à chamada principal na capa da revista. A reportagem traz algumas informações esclarecedoras sobre as mudanças projetadas para o ensino médio pelo MEC, principalmente com o novo ENEM e a reforma curricular das escolas.
O primeiro exame do ENEM  sob esse formato já está ai, com muitas adesões das universidades e grande expectativa dos alunos. Desde a reforma universitária de 1969, que assentou as bases para o perverso sistema de vestibular ainda vigente e para a enorme capitalização do setor privado do ensino, trata-se da primeira iniciativa consistente de mudança (veja neste mesmo blog matéria sobre o assunto: O show milionário da educação).
Da mesma maneira, o projeto de mudança curricular para o ensino médio, tem como objetivo superar a atual fragmentação das disciplinas e a sobreposição dos programas de vestibular que desestimulam a reflexão e a formação integral do estudante. Quem diz isso, aliás, é o próprio Ministro da Educação Fernando Haddad, em entrevista reproduzida na revista.
É sintomático, no entanto, que a matéria também contenha vários depoimentos de diretores e proprietários das mais afamadas escolas privadas em favor das medidas governamentais. Já se nota que o setor educacional privado, o mesmo que formatou o vestibular, tenta sair na frente e se mostrar como aquele que possui as melhores condições para enfrentar os desafios de uma educação para o futuro, transdisciplinar e reflexiva. Será? Até mesmo os velhos cursinhos, com seus macetes, dicas e decorebas também tentam parecer vanguardistas, pelo menos nos outdoors.
Vale conferir o que virá daqui em diante. Terá o governo federal condições para implementar reformas profundas no ensino público, que valorizem realmente o professor, promovam sua formação e atualização e ainda melhorem o ambiente das escolas? Em tese, é o que se projeta alcançar até 2022.
Nesse interim, porém, há o fator 2010 que nos coloca diante de duas alternativas: a continuidade de um projeto que, apesar de tímido, tocou em alguns pontos essenciais do nosso dilema educacional, ou a indigência da política tucana para a área, exemplificada pela deterioração completa do ensino público paulista.
No que nos diz respeito, os professores universitários passam ao largo do assunto, concentrados como estão no seu mundo fake. A mesma coisa ocorre na nossa mais importante associação profissional, hoje transformada em supermercado do miserável mercado acadêmico. Mas, se a esperança é a última que morre, que nessa treva surja alguma luz!

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Exorcismos historiográficos: nosso ofício

Para Camila Matheus


É curioso como continuamos a chamar de ofício a atividade atual do historiador, do mesmo modo que há cem anos o faziam os mestres-fundadores da historiografia profissional. Nas conferências, nos textos acadêmicos e nos manuais didáticos, isso é dito com a boca cheia para estabelecer uma distinção entre a nossa e as outras profissões.
Na época de Marc Bloch e Lucien Febvre o uso do termo também vinha carregado de simbolismo. Tratava-se de demarcar o espaço do historiador diante do crescente prestígio dos cientistas, sem subordiná-lo, contudo, ao lugar ainda assegurado pelo filósofo, que o via como um intelectual de segundo plano, aprisionado pela realidade empírica.
A palavra ofício, extraída lá dos confins medievais, remetia a uma espécie de arte que só alguns sabiam praticar, portanto, também diferente das formas mecânicas e fabris de produção, e que era transmitida aos aprendizes pelos mestres. Carregava um forte princípio hierárquico, mas também um valor educativo já que se enraizava na missão pedagógica nacional. Não é à toa que, pelo menos entre os franceses até pouco tempo atrás, a consagração do historiador pleno exigia um tempo de exercício do magistério nos liceus.
Nos dias de hoje, o ofício de historiador, particularmente no Brasil, quase nada tem a ver com esse tempo primordial. Suprimir o termo para designar nossa atividade atual seria, obviamente, grande tolice. Mas não custa refletir sobre as condições em que é usado.
Antes de tudo, nosso trabalho se localiza na sociedade pós-industrial, embora não saibamos identificar claramente que funções nela desempenhamos. Certamente, não mais o papel de mestres transmissores dos valores cívicos nacionais. Aliás, temos até um pouco de vergonha de nos autodefinir como professores, quanto mais de sermos parentes daqueles que lecionam no segundo grau. Nem mesmo o estudante universitário do primeiro ano quer se ver nesse espelho: ele já se classifica de imediato como historiador entranhado nesse mítico ofício.
Os jargões falados, os tipos humanos e as práticas cotidianas podem lançar alguma luz sobre tal universo obscuro. As figuras do nosso círculo se parecem cada vez mais com a fauna operadora da máquina empresarial, ainda que sob controle do Estado. No topo se encontram os executivos (em nosso meio, principalmente, as) que projetam as formas de produtos a serem fabricados, que distribuem os recursos pecuniários das agências de fomento e das universidades, que estabelecem as normas reguladoras das concessões, que formulam e aplicam os critérios de avaliação dos resultados esperados. Uma escala abaixo estão os gerentes dos programas e grupos de pesquisa com seus séqüitos de operadores, todos almejando logo ocupar o posto principal. Abaixo ficam os estudantes de pós-graduação, mas nem um pouco disso ressentidos, uma vez que sabem que poderão rapidamente alçar escalas superiores, dependendo da sua eficiência e dos contatos feitos. Na base da pirâmide, enfim, localizam-se os alunos de graduação, eles que também já disputam entre si um lugar ao sol do ofício.
Não quero ser um estraga-prazeres, mas nem por isso fico à vontade nesse mundo (que é não é só nosso, mas também de vários outros profissionais das humanidades e das ciências). Sei que o antigo modelo de intelectual já fez água, assim como o do cientista puro e do professor. Sei também que não somos nem operários nem datilógrafos do velho Mappin, o que significa dizer que não me passa pela cabeça qualquer imagem socialista auspiciosa. Apesar disso, creio que vale a pena indagar: o que somos?
Parafraseando Mário de Andrade de cabeça (não sei se ele usou exatamente estas palavras, e caso o tenha feito, basta substituir passado por ofício), eu diria: esse ofício não é mais meu ofício, eu desconfio do meu ofício.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Exorcismos historiográficos

De hoje à próxima semana - não sei bem o dia em que postarei a primeira matéria - iniciarei uma série de pequenas notas com o título acima.
De que se trata? Exatamente do que o termo significa: exorcismo como ato de expulsão dos demônios, de purificação ou limpeza do corpo e da alma. E por que historiográficos? Creio que é necessário, periodicamente, tirar o entulho que parasita nossas idéias, nossos conceitos, nosso trabalho. Como já atingi o grau de professor titular, depois de anos estudando, lecionando (várias vezes Teoria da História), pesquisando, orientando, já me sinto à vontade para esse tipo de ritual.
Cada matéria envolverá um tipo de reflexão sobre coisas da historiografia: ofício, identidade profissional, temas, fontes, teoria, método, conceitos, finalidade e assim por diante. Mas não esperem repetições do que já está mais do que dito, nem um novo momento de celebração corporativa. Qualquer manual traduzido do francês dá conta disso. Tampouco imaginem grandes idéias originais.
Nosso tempo intelectual é de entresafra. Pouquíssimo do que leio (sobretudo em História) me surpreende. Não serei eu a produzir a exceção.
Apesar disso, acredito que posso, ao menos, lançar alguma luz sobre as trevas do excesso e da repetição.  

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

O lamento das tecnociências humanas

Muita água já passou debaixo da ponte desde que Marilena Chauí analisou a emergência da universidade operacional ou de resultados e o simultâneo desmantelamento da instituição universitária estabelecida de acordo com o princípio da autonomia do saber humanístico e científico. Desde então tal modelo se consolidou no Brasil, assim como em muitas outras partes do globo, tendo como diretrizes o incentivo às ciências aplicadas – ou tecnociências – e a gestão empresarial da universidade.
Se disso resultou a rápida subordinação das ciências da natureza aos ditames da tecnologia, cabe perguntar o que ocorreu no âmbito das ciências humanas? Isto porque vez ou outra ainda se ouvem os lamentos dos defensores destas últimas, sempre prontos a denunciar a inadequação das humanidades ao modelo de subordinação do saber ao mercado. Segundo tais expoentes, elas experimentam atualmente um flagrante mal-estar.
Tenho dúvidas a respeito dessa leitura algo generosa, que ainda atribui aos profissionais da área de humanidades, entre os quais me incluo, uma reserva crítica às tecnociências hegemônicas. O que acompanho não é bem isso, mas uma prática que revela a obstinada busca de inserção aos padrões de operacionalidade universitária. Seja nos domínios da História, das Ciências Sociais, da Filosofia, seja da Psicologia, da Geografia, das Letras ou das Artes, o que está hoje em jogo é apresentar a melhor perfomance de cada subárea específica, do que resulta uma competição desenfreada intra e inter-áreas.
À sombra desse processo permanece, é claro, um discurso que transforma a gente das humanidades em vítimas, compelidas a produzir incansavelmente sem refletir. A realidade não é bem essa. À frente da implantação das novas medidas estiveram os comitês de avaliação da CAPES, constituídos por profissionais das humanidades, que conhecemos muito bem e cujas ações endossamos; as associações de historiadores, sociólogos, geógrafos e afins; além dos nossos pares nos colegiados e postos administrativos da universidade.
O sentimento de mal-estar não decorre do deslocamento em relação ao o paradigma vigente, aliás, muito confortável para tantos. O que se lamenta é o fato de produzirmos pouquíssimas mercadorias absorvíveis pelo conjunto do mercado, o que nos coloca em situação de inferioridade diante daqueles que possuem (pelo menos em tese) a capacidade de fabricar coisas para amplo leque de consumidores: robôs, medicamentos, fórmulas alimentares, programas computacionais e de multimídia. Nossos artigos e livros, ao contrário, dificilmente ultrapassam o pequeno mercado acadêmico, sendo apropriados numa escala que não excede a casa do milhar. Para conquistar o grande público será necessário ampliar a (até agora incipiente) oferta de mercadorias para o entretenimento e o fortalecimento dos egos: filósofos e psicólogos poderiam dedicar-se mais à auto-ajuda, historiadores e sociólogos ganhariam projeção se pesquisassem mais casos exóticos e de alcova, o que vale também para os estudiosos de letras.
Entre esta alternativa pragmática, bastante aceitável pela comunidade acadêmica, e a estratégia de resistência ao sistema de produção tecnocientífica, contraproducente e inviável, talvez haja outra possibilidade, mas não sei se há interesse em procurá-la.

 

sábado, 5 de setembro de 2009

O lamento das tecnociências humanas

Já estou trabalhando na próxima matéria que pretendo postar até o feriado. Com ela quero tratar, em pequenas doses, das ciências humanas, a historiografia em particular, no contexto universitário atual, assunto que já iniciei em outros textos, por exemplo em: O historiador sem tempo (publicado no livro O historiador e seu tempo - Editora Unesp). Gostaria de discuti-lo com os amigos e as amigas. Até lá. 

terça-feira, 1 de setembro de 2009

A franciscana no inferno verde

Vi ontem no programa do Jô a entrevista de Marina Silva, virtual candidata à presidência da República pelo PV. Vestida de um azul esvoaçante sobre a pele morena e com os cabelos sobriamente presos, sua figura cearense, algo exótica, lembrava personagens a caminho das Índias. A voz suave, sintonizada com o corpo frágil, parecia espalhar mensagens de paz e equilíbrio budistas. O orgulho da mulher que soube superar barreiras sociais e culturais, bem como sua larga experiência entre os pobres da Amazônia, certamente ecoaram de modo profundo entre os espectadores.
A ex-ministra falou de Lula com delicadeza e tratou do seu ex-partido com ética e apreço, coisa rara ultimamente. Demonstrou ainda alto conhecimento da questão ambiental brasileira e defendeu ardorosamente os projetos que executou durante sua gestão ministerial, reconhecida no Brasil e no exterior. Apesar disso, manteve o tom monotemático, revelando-se incapaz de articular politicamente a causa ambientalista a projetos estratégicos de desenvolvimento nacional.
Seu nome tem saído com freqüência nas manchetes da mídia, suas aparições têm agitado os círculos tanto dos bem-intencionados defensores da causa ecológica, quanto dos oportunistas de plantão. Da aparência ao discurso, ela reúne boas condições para angariar uma fatia considerável dos votos de setores da classe média (especialmente do sudeste e do sul) sempre à procura de alternativas modernas para manter o status quo. Não serão poucos os que a elegerão como um caminho do meio, em face do inevitável confronto político desde já instalado entre os partidários do retorno ao moribundo projeto neoliberal e os defensores da continuidade do projeto neo-social (é esse o nome?) hoje em vigor.
Enganam-se, porém, os que acreditam que Marina Silva corresponde perfeitamente ao figurino etéreo acima descrito. Muito ao contrário disso, sua defesa da sustentabilidade ambiental expressa uma visão anticapitalista – sem qualquer sentido depreciativo-, até há pouco viabilizada (embora à custa de inevitáveis embates políticos) no programa estratégico do PT, que dificilmente se ajustará aos novos papéis que lhe querem atribuir: seja de ecologista franciscana, útil para aplacar a má-consciência burguesa, seja de coadjuvante verde na execução dos programas liberais de gerenciamento econômico, diga-se, do PSDB.
Inteligente como é, Marina Silva sabe que seu projeto é para o futuro. Que se cuide o PV!