Como o profeta, eu também berro: tire suas mãos de mim, eu não pertenço a você! E se tentar me controlar, te entregarei de presente meu segundo tornozelo. Já não te bastou a quebra do primeiro? Pois agora, Herodes, te ofereço o outro numa bandeja de prata. Enquanto Pilatos lava as mãos.
Mas não me subestime. E não me compre como membro honorário do segundo escalão de uma massa falida. Aos dezessete anos datilografei fichas de crediário numa loja de pneus. Enquanto meus patrões, uns árabes prepotentes faturavam, eu devaneava. Controlar fichas, que nada! Em cada prestação impressa eu via um mês de uma vida livre da vida administrada. Em cada tecla batida eu sonhava o barulho da universidade. Minhas fichas ficaram sujas, borradas. E eu fui prá Brasília. Ficaram os árabes prepotentes com seus empregados lambebotas e a loja de pneus falida. Eles passaram, eu passarinho.
Faxino o fim de ano com incenso e sal grosso. Os dois anos na São Paulo que eu amo. Jogo tudo pro alto, exceto este blog que me salvou durante aquele tempo baixo astral. Desfaço apartamento, junto livros que comprei. O fôlego prá suportar a luta suja, a vida que ganhamos nos lances bem-sucedidos dos games.
Passo a limpo a agenda, tenho essa mania. A do celular para os absolutamente restritos. A manuscrita e encadernada requer limpeza adicional. Quem morreu não vai prá nova. Sinto muito, mas não lamento. Defuntos serão o adubo pros novos frutos da terra. Deleto os amigos que não foram (esses não servirão de adubo). Inscrevo os verdadeiros. E sumo com os amores imperfeitos. Daqui em diante eles flutuarão na zona opaca a que foram destinados. Sem ressentimento, desde que também tirem as mãos de mim. E não me olhem como inimigo. Simplesmente, abri a porta e fui.
Do mesmo jeito como abro a porta e fugo dos projetos fracassados. Não me incuba de despaixão. Sou quixote e general, jamais soldado (uma amiga recordou essa presunção que um dia eu lhe joguei na cara). Sigo o instinto da fera. Erro. Só que nessa errância sempre acerto. Não serei o poeta de um mundo caduco. Eu que não me sento no trono de um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar.
Não me atole na administração dos rankings ilusórios. Não quero esse ouro de tolo. Gosto de respirar a tempestade. É sob relâmpagos que arranco a erva daninha e semeio. Nasci no mato. E volto pra ele. Com minha sonhada pajero seminova, preta e reluzente abro caminho. Fazendeiro. De utopia universitária. Fazendeiro do ar.