quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

De Catalunha para vosotros

Tomatito é um dos expoentes da atual safra de músicos espanhóis envolvidos com a busca das fontes originais, como o flamenco, para fundi-las ao jazz e a outras expressoes do globo. Integra o time de Paco de Lucia, já mais conhecido no exterior, e outros tais como Estella Florente, José Merce, Dukende e Miguel Poveda.
Quem me deu estas informaçoes foram alguns recentes amigos de Barcelona, que embora rejeitem o pertencimento ao estado espanhol - e rivalizem particularmente com Madrid -, admiram os músicos citados, nascidos fora da Catalunha.
Em tempo: eles também odeiam Almodovar, pois o consideram demasiadamente comercial e afetado. Coisas que remontam à Idade Média em nosso mundo pretensamente moderno.
Aproveito para dizer que estou com raiva do Brasil. Como é que podemos aceitar tamanha disparidade social? Nem de longe isso acontece por aqui. Que burguesia mais torpe, avarenta e atrasada nós temos. Aguardem os próximos posts irados.
2010 para todos e todas. Vocês merecem um próximo ano!


terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Lixeiros e homens




Barcelona nao tem mais lixeiros. Containers para a coleta seletiva foram espalhados pelas ruas à espera dos detritos depositados pelos próprios cidadaos. Mais tarde, caminhoes basculantes dotados de guindastes com imas virao buscá-los, sem que ninguém suje as maos. Dessa categoria associada à idéia de degradaçao, sobraram apenas os varredores de praça.
Além de limpa, a cidade oferece infra-estrutura impecável: asfalto perfeito, calçadas sem buracos, padronizadas e adaptadas a pedestres e cadeirantes, sinalizaçao clara, trânsito organizado. Nao há prédios degradados ou pixados. Tudo lembra atençao constante do poder público e da populaçao.
Nao quero parecer um turista colonizado e sob efeito do deslumbramento, mas nao resisto a perguntar: o que acontece conosco? É certo que também já vi cidades com inúmeros problemas, como Roma e Nápoles, nada que se compare, contudo, a Sao Paulo ou ao Rio de Janeiro.
Nestas, nao é só o lixo material que se derrama e apodrece a sol aberto, também o lixo humano que produzimos. Crianças se arrastam com cobertores imundos, drogaditos em bando putrefazem publicamente, hordas de sem-teto se amontoam em todas as marquizes, sob o Minhocao, ao relento.
O que acontece? Nao queremos ver nada. A classe média paulista se apega ao cancro político reacionário. Kassab, Serra e seus demoníacos destroem as políticas sociais iniciadas por Erundina e Marta, arrasam a periferia e o centro da capital paulista.
Se em Barcelona desapareceram os lixeiros, em Sao Paulo superproduzimos o lixo humano e a degradaçao.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Observatório em trânsito

Este observatório se deslocará amanhã rumo às terras de Espanha e França. Só voltará no dia vinte do ano que vem, quando então estará em seu posto (fixo ?) na Praça da Sé. Promete, durante a permanência fora do lugar, remeter alguma coisa interessante ao leitor.
Claro que isto dependerá da sua capacidade de ajuste às circunstâncias, já que é um mecanismo meio enferrujado e com dificuldade de se adaptar às novas tecnologias. Seu modo de captação de imagens, por exemplo, anda fraco e demanda lentes adicionais. Até que elas sejam colocadas, o que leva tempo, corre o risco de perder instantâneos originais. Mas como, ultimamente, há pouca originalidade no mundo, o problema deixa de ter muita importância.
É bom, todavia, que não esperem furos de reportagem, recomendações úteis, retratos melosos ou comentários inteligentes sobre o exótico da vida. Este observatório não viaja com programação definida e nem trará souvenirs, a não ser aqueles que se encontram em qualquer camelódromo internacional. Sabe que em toda a praça do mundo sempre haverá a mesma oferta abundante de produtos "étnicos": bolivianos, brasileiros, nigerianos, mexicanos, romenos, hindus, chineses, turcos e por ai afora. Os pobres são exuberantes e já tem seu capitalismo próprio. Luxuriante e belo.
 Detesta viagens turísticas teleguiadas, com suas filas intermináveis de idiotas alegres. Odeia mais ainda excursões para adquirir Cultura, pois tal substantivo, se verdadeiro, não se presta à venda. Desejará, por certo, ver a Torre Eiffel, o Louvre ou revisitar o Prado, mas desde que não haja humanos babacas falantes com câmeras fotográficas por perto.
Impertinente como é, também evita viagens de trabalho, principalmente aquelas realizadas para participar de congressos acadêmicos redundantes. Não será o caso. Muito menos de jornada executiva terno-e-gravata com o objetivo de planejar ações empresariais ao som de papo técnico. Uó!
Rebelde como gostaria de ser, o observatório que vos fala, vestido com uma calça vermelha e um casaco de general, sonha regressivamente em pegar aquele velho navio e depois o Expresso 2222. Carcaça feita de peças românticas, se imagina como o personagem de Somerset Maugham numa jornada existencial em direção ao Oriente. Ou também como um Gatsby decadente, em meio aos derradeiros deleites da civilização.
Antes de embarcar (e não entende porque se usa este verbo para subir num avião), deixa aqui uma canção que descreve seus atuais movimentos d'alma:

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

2010: utopia e merda para todo(a)s



O Campus Tecnológico de Monterrey - México - realizará, em agosto do próximo ano, o Congreso Internacional Utopía: espacios alternativos y expresiones culturales en América Latina. Há várias décadas não se tem notícia de eventos acadêmicos com temário desse tipo. Um dos últimos dos quais tenho lembrança data da década de 1980.
Seria um novo sinal dos tempos? Um sintoma do crepúsculo do capitalismo, como às vezes se lê em matérias recentes? O anúncio de uma revitalização do pensamento subsequente ao grande extermínio promovido no ocaso do século passado? Ainda é cedo para prognosticar mas, de qualquer modo, alguma coisa diferente anda pelo ar, e não são apenas os virus malignos.
Quem vem de longe sempre fica com um pezinho atrás diante dessas iniciativas. Antes de tudo, porque sabe que utopia não se fabrica na escola, ainda mais no ambiente universitário atual, mais parecido com um crematório de idéias e esperanças. E sobretudo porque não ignora como é fácil esvaziar os sonhos para vender suas cascas secas no mercado. Com que cara os antigos utopistas assistiriam ao esfacelamento das suas fantasias, se em sua época tivessem inventado uma máquina capaz de projetar a realidade do futuro!
Mas o fato é que o congresso citado promete ressuscitar aqueles velhos fantasmas. Alguns deles, principalmente os latino-americanos, figuram lá no cartaz promocional do evento, piscando sedutoramente ao expectador. Dentre os que pude identificar (e não consegui copiar neste post) estão Che, Bolivar, Garcia Marques, Neruda e um único brasileiro - Paulo Freire. Todos recentemente sepultados pelas avalanches filosóficas desconstrutivistas, juntamente com a legião que vem de Thomas Morus a Guevara. Reviverão?
Não é o caso de ser cético, apesar das matérias anteriores deste blog. O ceticismo tem lá a vantagem de acautelar os espíritos demasiadamente apaixonados e voluntariosos. Levado às últimas consequências, porém, coloca a vítima mais facilmente ao alcance do seu algoz. A utopia, ao contrário, reacende o desejo, a fonte vital do animal humano.
Nos fizeram acreditar que só há dois mundos imagináveis: a utopia norte-americana ou a utopia talibã. A primeira, como disse Baudrillard, já se realizou em nome do progresso e com ele mesmo promete afundar. É pegar ou largar. A segunda ainda está por se fazer, apresentando-se como uma nebulosa regressiva. Deus nos livre dela.
E nesse interregno estamos. Que o congresso mexicano seja de fato um sinal dos tempos! Por falar no próximo 2010, não custa nos desejar alguma utopia. Além de muita merda, como se cumprimentam os atores e as atrizes antes do espetáculo.

http://www.itesm.mx/va/catedra/utopia/

domingo, 20 de dezembro de 2009

Universalis Merry Christmas

Este blog também se junta aos bilhões de humanos e não humanos que se irmanam no mesmo sentimento de solidariedade proporcionado pelo natal. Especialmente agora que as geleiras polares se derretem, espalhando a neve branca por todos os continentes, podemos ouvir a mesma melodia universal do merry christmas.
Aos amigos e amigas, deixo aqui dois vídeos para a noite cristã. Conectem seus laptops à TV LCD das Casas Bahia e curtam. Feliz clichê global! Mas se mantenham à distância!






sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O cético - a resposta

Há pessoas que não combinam com o espírito natalino, das quais se deve, rapidamente, desembaraçar-se para entrar no clima festivo.
Uma dessas figuras é o cético citado em post anterior, cujo nome ninguém acertou. Ou melhor, que ninguém quis correr o risco de nomear, talvez por desinteresse no assunto, ou ainda, quem sabe, pela dificuldade de escolha, já que hoje existem céticos demais na terra, todos cabíveis no figurino criado.
O personagem em foco é o pai de todos eles: Michel Foucault. Ao menos, conforme a imagem delineada pelo historiador Paul Veyne no livro Foucault: o pensamento, a pessoa (edição francesa de 2008 e portuguesa em 2009). Veyne já havia escrito, há mais de 20 anos, outro ensaio sobre o mesmo personagem: Foucault revoluciona a História.
Algumas idéias deste livro foram retomadas no ensaio recente, que é uma espécie de homenagem ao amigo, com quem ele conviveu durante várias décadas. É certo que Veyne parece forçar a barra ao analisar as principais linhas do pensamento de Foucault, em compensação, sai-se muito bem ao retratar aspectos pouco conhecidos da vida e da intimidade do filósofo que não se julgava como tal.
Como, por exemplo, da sua frustração por não ter sido de fato compreendido pelos historiadores (imaginem o que poderia dizer dos historiadores brasileiros, em particular, daqueles que se dizem foucaultianos); do seu engajamento político, que se orientava não por verdades, mas por desejos ("Em política, decida-se o que se quiser, mas não se disserte/ Não vos direi: eis o o combate que devemos travar, porque não vejo nenhum fundamento para poder dizê-lo (...) se quiserdes combater, e consoante o combate que escolherdes, ai vereis onde se encontram os focos de resistência, onde estão as passagens possíveis"); do que pensava do próprio pensamento: "Escrevo para me transformar e não pensar a mesma coisa que antes. É sabido, o criador é criado pela sua obra e pensa tudo que ela pensa, mas é dizer pouco ainda: a salvação reside na morte do homem pela escrita - que o despersonaliza - e numa perpétua fuga em frente".
São estas algumas pérolas de sabor foucault que veyne nos traz. Mas que não servem para o natal, data que exige presentes mais caros. Se é assim, descartemos foucault, sigamos em frente.





quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Abraços assassinos



Os cinéfilos não se contentam com pouco. Especialmente os milhões de seguidores de Almodóvar pelo mundo, entre os quais me incluo. Vivem à espera do seu último filme - a chave mágica para acessar o estranho de nós mesmos.
No meu caso, a ansiedade me obrigou a comprar o dvd pirateado de Abraços partidos, bem antes do seu lançamento oficial. Ficou lá em casa, na mesa de centro da sala, como um fetiche. Mas não tive coragem de rodá-lo, esperei a exibição nos cinemas.
Também não li a crítica para preservar a expectativa e o encantamento de ver as gritantes imagens almodovarianas na telona. Chegou a hora e afinal, ele estava lá, um pouco diferente, e no entanto, o mesmo. Prefiro não comentar. Deixo ao leitor o gostinho de ver e tirar suas próprias conclusões.
Adianto apenas que ele não me desancantou. Ao contrário, revelou mais um fragmento da sua alma. Um Almodóvar mais melancólico, atormentado diante da obrigação de dizer sempre o novo, de corresponder sempre aos desejos do público. Uma celebridade, reduzida à pele e à fantasia, como também restaram as personagens que ele homenageia no filme: Marilyn Monroe, Audrey Hepburn.
Há uma máquina que enreda o indivíduo talentoso, que o constrange a ir adiante, solitário, sem saber o caminho. Não é à toa que o protagonista de Abraços Partidos diga já no final da história:  "um filme precisa ser concluído ainda que às cegas". 
Tenho pena dos artistas, dos intelectuais e dos cientistas verdadeiros. São pessoas sacrificadas pela própria arte que fabricam. Nada do que fazem satisfaz o público, a máquina que os absorve e, principalmente, eles mesmos. Nós, os indivíduos comuns, somos os vampiros que vivem da sua delicadeza, da sua energia vital, do seu transbordamento. Somos, ao mesmo tempo, os seus assassinos e os cúmplices do seu auto-sacrifício.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Conceitos mornos, palavras arrependidas

Não sei se isso ocorre com vocês, mas a mim, um simpático chato, causa irritação. Falo do uso frequente e massificado de certas palavras em nosso meio. Palavras que se tornaram clichês, cuja origem é inútil buscar, se é que algum vocábulo nasce com identidade própria.
O fato é que, assim como as bugigangas do mercado global, copiamos, reproduzimos e consumimos termos-bugiganga das universidades da 25 de março, da zona franca de Manaus, do Paraguai, da China, de Miami e, principalmente, de Paris.
O que mais me incomoda é representação. Tanto que desde já proibo que meus alunos e orientandos empreguem esta expressão. A não ser que saibam exatamente o que pretendem dizer ao usá-lo. Significa ideologia? Sim, porque tem gente que o emprega nesse sentido marxista, embora de maneira ignorante. Para outros é simulação ou reflexo de algo (que também ignoram) e para a maioria não significa nada. Trata-se de apenas uma banalidade, um vazio de sentido.
Representação é um desses conceitos já criados no processo contemporâneo de esfriamento intelectual, que vão murchando quanto mais usados. De tal maneira que tudo passa a ser objeto de representação. Só os seus enunciadores não se dão conta que eles mesmos também já se transformaram em pastiches.
Há, ainda, muitos mais conceitos a exorcizar. Mas, por enquanto, a necessidade de uma limpeza urgente me obriga a citar apenas dois ou três vocábulos que saem pelas bocas intelectuais como verdadeiras pragas do Egito.
Virou moda, por exemplo, entre gente ligada à educação, usar o neologismo dialogismo (me perdoem pela rima). Quando o ouço, dói-me o ouvido, sinto pena de Bakhtin, coitado, que tinha um propósito tão alto ao empregá-lo como noção literária! Agora a coisa é mais baixa, mais chão. Dialogismo quer dizer diálogo adocidado entre desiguais: professores e alunos, orientadores e orientandos, chefes e subordinados e assim por diante. Emprega-se o termo não para caracterizar vozes em confronto, e sim para mascarar a diferença. O que representa (olha aqui o malfadado) uma espécie de arrependimento da condição real do sujeito enunciador. Pura hipocrisia inconsciente.
E a idéia de lugar, extraída do pobre Michel de Certeau, que anda a ser utilizada como lugar quase físico? Já vi membro de banca examinadora dizer ao candidato defensor de tese que sua arguição saía de um lugar determinado. Eu, companheiro de banca, logo pensei que era da cadeira onde o sujeito estava sentado. Lugar passou a ser um pedido de desculpa. Falo do lugar de professor, do lugar de juiz, e ao me desmascarar, sou igual a você! Ora, que se assumam no seu lugar verdadeiro, porra!
Tem mais coisas do gênero (ops, mais uma palavra para um dia demolir), hoje deixo apenas uma última, que não pode passar ilesa:  olhar. O povo acadêmico pegou a mania de que tudo é olhar. O historiador olha o passado, fulano olha a fonte, beltrana olha o objeto, sicrana olha a bibliografia, e todos nos olhamos, reciprocamente, com falsa benevolência.
Ninguém mais analisa ou investiga, pois é politicamente incorreto se servir do vocabulário médico ou jurídico na produção (já pensaram neste?) humanística.   Prefere-se  abusar de termos complacentes, de aparência democrática, neutra, generosa - na verdade, hipócritas.
No meu caso, se continuar assim, terei de inventar um dicionário próprio.
   

sábado, 12 de dezembro de 2009

O cético

"Quanto ao cético, é um ser duplo. Na medida em que pensa, em que se mantém fora do aquário e olha para os peixes que nele andam às voltas. Mas como é preciso viver, dá por si dentro do aquário, também ele peixe, para decidir que candidato receberá o seu voto nas próximas eleições (sem por isso atribuir valor de verdade à sua decisão). O cético é ao mesmo tempo um observador, fora do aquário de que se distancia, e um dos peixinhos vermelhos. Desdobramento que nada tem de trágico.
Na circunstância, o observador que é o herói deste livro chamava-se............, essa personagem.....,......e incisiva que nada nem ninguém fazia recuar e cuja esgrima intelectual manejava a escrita como se fosse um sabre".
f
Quem era o herói destas linhas? Quem é o criador desse personagem da vida real? Façam as aspostas.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Mas não se matam cavalos?




As imagens chocantes não chocam mais. Não sou eu quem diz isso, foi Walter Benjamim, 70 anos atrás. Seu pano histórico de fundo eram os eventos ocorridos desde a primeira grande guerra e, sobretudo, na época da ascensão do nazifascismo. Naquele tempo, as fotografias dos jornais reproduziam, com um dia de atraso, os horrores da realidade. Foi quando o filósofo então afirmou que o indivíduo do século XX existia em estado de amnésia, incapaz de dar sentido às tragédias vivenciadas num ritmo veloz.
O que dizer do indivíduo já no fim da primeira década do século seguinte, expectador em tempo real do espetáculo grotesco do mundo? Pensei imediatamente nisso quando vi as cenas da repressão desencadeada pelos demoníacos sobre os estudantes e sindicalistas, ontem, em Brasília.
Pouco mais me ocorreu. Numa espécie de asco, minha mente trouxe à baila, não sei de onde, outra sequência igualmente sinistra: Erasmo Dias no comando da invasão da PUC, a matança no Carandiru, o general Figueiredo montado a cavalo, o sangue na neve sob as patas da cavalaria russa em 1905...  E me lembrei que me esqueci de tantas outras imagens de horror e grotesco, produzidas de minuto a minuto nessa nossa sociedade de entretenimento, que não mais distingue a ficção da realidade.
Mas não sei porque visualizei, ainda num minuto, fragmentos do filme A noite dos desesperados - aquele filme dirigido por Sidney Pollack sobre uma maratona de dança durante a depressão de 1929 - lembram? Especialmente, o trecho final da fita em que Jane Fonda pergunta a seu partner: "Mas não se matam cavalos?" - pergunta que é também o título do romance (de Horace Mackoy) que Pollack transpôs para a tela. Era a cena em que a depressiva protagonista do filme, prestes a se matar, compara sua insignificância à dos cavalos.
Para o animal humano, o cavalo simboliza a liberdade. Montado pelo homem, no entanto, representa o poder repressivo. Mas na banalidade do cinema cotidiano, nada significa, pois, se matam não só homens como cavalos.    

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A depressão dos felizes

E por falar em felicidade, é hora também de tratar (d)a depressão. Como não tenho competência para isso, deixo a vocês duas sugestões de leitura sobre o assunto - uma que o aborda de modo específico, outra que o inclui em seus argumentos mais amplos: respectivamente, O tempo e o cão: a atualidade das depressões, de Maria Rita Khel;  e Em defesa da psicanálise: ensaios e entrevistas, de Elisabeth Roudinesco (sempre omito as editoras para não fazer propaganda comercial).
Como lembra a primeira autora, a depressão não era conhecida com este nome na época de Freud. Outros eram os males psíquicos predominantes, por exemplo, a melancolia e a histeria, principalmente a última, resultante da repressão da sociedade burguesa. Que fenômeno é esse, quase epidêmico e até motivo de auto-identificação perversa sob os auspícios do biopoder? Uma expressão da covardia moral, nos termos empregados por Lacan para designar aqueles que renunciam ao desejo (secreto e inconsciente)? Mas como isto ocorreria numa sociedade que, diferentemente daquela de 50 anos atrás, se dedica exatamente à proliferação dos desejos? Um mal-estar crescente que interroga as condições atuais do laço social? Ou as duas coisas representando um novo desafio à psicanálise? 
As duas autoras coincidem nos seus pontos de vista. Cito um trecho de cada livro só para estimular a saliva dos leitores:

"O imperativo do gozo que circula nas sociedades capitalistas do século XXI não aboliu a dívida simbólica nem anulou a principal característica do sujeito da psicanálise - o conflito psíquico. Por outro lado, a equivalência entre os ideais de felicidade e a supressão do conflito constrói a perspectiva fantasiosa de que o sujeito possa se tornar idêntico a si mesmo, anulando sua divisão originária. O empobrecimento da vida subjetiva que resulta das diversas estratégias contemporâneas de anulação do conflito - seja por via medicamentosa ou pela adesão sem reservas às ofertas de gozo em circulação no mercado - é cúmplice do atual crescimento dos casos de depressão" (Kehl).

"Tudo se passa como se essa coisa, o biopoder, tendesse cada vez mais a se instalar. Como se a rebelião, ou mesmo a subversão, se tornasse cada vez mais ilusória, substituída por um confinamento securitário, pelo conformismo e higienismo. Essa nova barbárie manifesta-se por uma tristeza da alma e pela impotência do sexo. Diante das depressões que proliferam em nossas sociedades democráticas, a renúncia a explorar o inconsciente decorre assim de um verdadeiro processo psicológico de normalização. A depressão é uma entidade amorfa, de contornos nosológicos mal definidos. É um corolário do abandono da luta constitutiva da liberdade em nossas sociedades democráticas modernas" (Roudinesco).

Vem o ai o fim de ano, como já disse, época de felicidade obrigatória e, como diz uma amiga minha, de depressão obrigatória. Vai aqui um conselho a quem se sentir assim. Depois da comemoração da meia-noite, quando já extravasadas todas as alegrias, fuja para um canto solitário e leia esses livros. A alegria também precisa de dor.

Bombons de felicidade

O fim de ano se aproxima e, mais do que nunca, é preciso ser feliz. Há oferta de todo tipo e gosto para atingir esse sentimento obrigatório.  
Já se sabe hoje, felizmente, que a felicidade não depende só da riqueza, embora todos estejam de olho no milhão oferecido pela Fazenda. Adriana Bombom foi precocemente eliminada do programa, mas persistente como é, não abandonará a meta muscular-exibicionista de felicidade.  Cuidado, porém: como diz Márcia Goldschmidt, tal estado não depende unicamente da aparência externa. É claro que ela é necessária e pode mesmo ser obtida, de modo express, com pequenos procedimentos cirúrgicos e maquiláticos. Sua teoria, porém, é a de que a mudança externa deve ser acompanhada de uma transformação interna. Basta seguir seus conselhos terapêuticos pelo celular.
Juliana Gimenez é outra que contribui para a emancipação humana rumo à felicidade. É capaz de transformar esposas-bagulho em aviões dignos de calendários para a masturbação de borracheiros. Afinal, todas e todos nós temos fantasias imprescindíveis para a auto-realização.
Nunca antes na história - que bom -, alguns termos e conceitos, antes circunscritos ao vocabulário científico, se tornaram tão populares. Exemplo disso é prefixo auto, que já não é usado apenas para se referir ao automóvel, outrora uma fantasia limitada aos ricos. Serve também agora para introduzir outros vocábulos de alcance público, por exemplo, estimaconfiança. Como aparece nos anúncios das clínicas especializadas em carga dentária imediata para recuperar a autoconfiança dos banguelas. Ou nas propagandas de aparelhos e corpetes milagrosos para disfarçar a gordura e assim melhorar a auto-estima (também chamada de baixo-estima).
Outra palavra democratizada é a libido. Tem até um japonês que vende erva na televisão para a melhoria dessa instância antes tão combatida pelos católicos. Mas hoje os padres são mais modernos e, em particular, aqueles cantantes, já admitem que o sexo é bom para um casamento feliz. Os pastores eletrônicos vão ainda mais longe e tratam abertamente das questões sexuais de forma pública e interativa no fala que eu te escuto.
A terapia chegou à boca do povo, nas suas variadas modalidades: terapias cognitivas, medicamentosas, instantâneas, externas e internas, budistas, evangélicas, católicas, espíritas... 
Oremos ao céu, onde vive o grande terapeuta. Sem deixar, é evidente, de dar uma espiada no shopping, pois um simples sapato novo também tem o dom de elevar nossa autoconfiança. E isso já é um passinho a mais rumo à grande felicidade que reinicia no natal e no ano novo.  

domingo, 6 de dezembro de 2009

Aos loucos portenhos e daqui

Piazzola, Ferrer, Tauã e todos aqueles que imaginam uma balada em duas (das inumeráveis que há) possibilidades






sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Viver em Tokyo e aqui

Três filmes sobre a arte de sobreviver na metrópole: Medos privados em lugares públicos (Alain Resnais - 2006), Paris (Cédric Kaplish - 2008) e Tokyo (Michel Gondry, Leos Carx e Joon-ho-Bong - 2008 - trailer no post anterior). Todos sensíveis e dignos de nota.
No primeiro, o consagrado Resnais entrecruza histórias de personagens confinados em lugares públicos, cada um às voltas com seus pequenos dramas: o garçom do bar tecno que escuta confidências amorosas de um bêbado; a funcionária recatada de um escritório que à noite vira striper de um velho tarado; a bela jovem que marca encontros secretos com desconhecidos em locais distantes... Paris é ai a cidade do gelo, da melancolia e dos desencontros.
A mesma capital da luz é,  no entanto, o palco da busca de sentido para um rapaz que descobre estar às portas da morte. Fechado em seu apartamento sombrio, ele acompanha da sacada o vai-e-vem de outras pessoas comuns, o tráfego urbano, as lojas, as casas, os amigos, a família. Assim descobre alguma poesia na cidade.
A megalópole Tókio impressiona mais. Aparece num monumental colorido arquitetônico 3D, mas logo se fragmenta em cubículos soturnos. Em três fantasias, dois cineastas franceses e um coreano falam das diferentes formas de solidão: do jovem casal à procura de moradia nos minúsculos apartamentos anunciados nos classificados; do homem-merda, habitante dos esgostos que de vez em quando vem  à tona para assustar os transeuntes; do moço sensível que opta pelo pleno isolamento social mas, percebe, por fim, que as ruas ficaram vazias porque todos em torno de si também se transformaram em kikomoris, como ele.
Nessa rapsódia (im)provável, nada do esperado naturalismo ou do terror tecnológico dejavu hollyoodiano. Da atmosfera sombria aflora um riso subterrâneo, como no caso do homem-merda terrorista. A jovem desempregada se transforma em cadeira, como num quadro surreal. O robô entregador de pizzas irrompe na realidade, sem qualquer espanto de utopia.
O cinema, que às vezes parece ter dito tudo, volta a experimentar alguma coisa de novo e a dizer o mais profundo dilema humano.  

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Aperitivo de Tokyo, o filme



isto é só uma introdução. prometo comentar no fim de semana

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Idéias fortes sob suspeita

Não é sobre o meu umbigo este post. É sobre um livro que ainda não acabei de ler e já me despertou algumas idéias. Recomendo-o, pois embora não seja uma obra-prima imprescindível, traz sabedoria em algumas das passagens: Diário de um ano ruim, de J. M. Coetzee, um romancista sul-africano branco, ganhador do Nobel em 2002, que vive hoje na Austrália.
É uma espécie de metaliteratura, característica dos tempos atuais, já que entrecruza três planos narrativos: ensaios do autor sobre questões diversas, em linguagem objetiva; pensamentos íntimos do autor e pensamentos íntimos de uma jovem filipina, contratada por ele como digitadora.
Os ensaios receberiam o título de Opiniões fortes e se destinariam a compor uma obra alemã heterodoxa sobre temas contemporâneos controversos. Ocorre que tais opiniões acabam por se chocar ao longo do livro com as reflexões cotidianas um tanto senso comum dele próprio e de sua secretária. Ele, um escritor já velho, que buscava contribuir para a humanidade com algum tipo de sabedoria, ela, portadora de um saber prático e apenas sensual. Idéia interessante e bem-resolvida, nada mais.
As suas opiniões fortes, ma non troppo, tentam dizer mais do que é dito pelo senso comum e pela subjetividade pura. Tratam de tudo um pouco: da origem do Estado, da democracia e da anarquia, de Maquiavel, do terrorismo, da Al-Qaeda, da universidade e da pedofilia, da política na Austrália e no mundo... Os ensaios da segunda parte são mais curtos e pessoais. O escritor fala do pai, de um sonho, do tédio, da vida erótica e dos livros clássicos.
Mas o que seriam tais opiniões fortes? Descobre-se no livro como é hoje difícil, senão improvável, tê-las, pois umas anulam as outras e todas devem ser objeto de dúvida. Num certo momento, Coetzee atribui à universidade a culpa da dissolvência dos valores associados à idéia de verdade: "em aulas de literatura nos Estados Unidos nos anos 1980 e 1990, nas quais eles aprenderam que a suspeita é um virtude importante da crítica, que o crítico não deve aceitar absolutamente nada por seu valor aparente. De sua exposição à teoria literária, esses graduados não muito inteligentes da academia de humanidades, em sua fase pós-modernista, depreenderam um conjunto de instrumentos analíticos que entendiam obscuramente como útil fora da sala de aula, e uma intuição de que a capacidade de afirmar que nada é o que parece ser pode levar a algum lugar".
Mesmo assim ele emite algumas idéias vigorosas, sobretudo a respeito do mundo acadêmico: "...o que as universidades sofreram durante os anos 1980 e 1990 foi bem vergonhoso, uma vez que, diante da ameaça de ver cortadas as suas verbas, elas se permitiram ser transformadas em empresas, nas quais os professores que antes conduziam suas pesquisas com soberana liberdade foram transformados em explorados funcionários obrigados a preencher cotas sob o olhar de gerentes profissionais. É muito duvidoso que os velhos poderes do professorado venham a ser restaurados". Coetzee se refere à universidade norte-americana, modelo para o mundo inteiro, e fala de cota para questionar o quinhão de pesquisa dirigida esperada de cada docente (não as cotas étnico-sociais brasileiras).
Não sei bem, mas acho que o escritor diz coisas pertinentes, malgrado expresse uma visão liberal de universidade já fora de lugar. Será que no Brasil também perdemos a capacidade de expor idéias fortes? E se isso for verdade, haverá alguma cota de "culpa" a atribuir à universidade? 

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Mais música para lavar a alma

Para lavar a alma nada melhor do que uma canção italiana. Tive conhecimento deste compositor e intérprete em Roma, onde me alojei, na última semana de viagem, num colégio brasiliano de formação de padres. Ao indagá-los sobre o que rolava de boa música por lá eles me indicaram esta canção de Renato Zero, cantor quase desconhecido entre nós. Fui logo comprar um CD.
Zero é uma figura pop que lembra os nossos Renato Russo e Roberto Carlos, numa mistura inusitada. A voz e o estilo se parecem com o do primeiro, assim como certa tendência protestante em algumas das suas letras - palavra aqui empregada no sentido exato de quem protesta difusamente contra o mundo, e não na acepção religiosa. A semelhança com o segundo está no romantismo algo excessivo, que beira a breguice. A juventude italiana gosta muito dele, certamente não o público empinadamente cult.
Muito da música italiana tem, aliás, um quê de canastrice, de grandiloquencia, de exacerbação dos sentimentos. Eu gosto disso nos momentos preliminares de limpeza do corpo e do espírito, antes da meditação profunda. Tem o efeito de um sabão áspero para a limpeza grossa. Peço desculpas aos cults de plantão. Espero que os demais gostem.


domingo, 29 de novembro de 2009

Aos comentadores e seguidores, amigos e amigas

Como é difícil comentar os comentários, um por um, rebater ou apoiar opiniões, deixo aqui uma forma de dizer o quanto vcs têm sido importantes para a continuidade deste blog. Hoje, um abraço especial a Francisco Almeida, que não conheço pessoalmente, mas que me fez pensar. Valeu. Espero que gostem deste outro fado. Será o último da fase fadista, prometo.

Ainda sobre fantasias de estupro

Agora estou mais aliviado. Embora tenha condenado veementemente as insinuações infames do PIG, levei umas lambadas por supor, como exercício imaginativo, alguma piada sexual de Lula sobre o seu período na prisão envolvendo o tal do "menino do MEP" (ver post anterior). Disseram que com isso eu justificava a atitude do Cesar Benjamim e da Folha de São Paulo.
Pior foi a culpa interna que senti. Como se, para dizer que a suposta confidência de Lula se tratara de simples chiste, típico da cultura dos peões, e do machismo característico da época (também dos militantes da esquerda), tivesse maculado a imagem do presidente. Ora, por que Lula não poderia ter fantasias, se o animal humano vive delas? Se, como disse Freud, são elas formas de desrequalque diante das repressões do inconsciente? Nada mais do que isso? E que a própria denúncia de Benjamim revelaria, nas entrelinhas, a fantasia de ser estuprado pelo poder de Lula? Por que as pessoas têm de ser puras e transparentes? Ao preço de esconderem sob o tapete suas vilanias, como quer o PIG?
A maioria das reações contrárias ao artigo da Folha resumiu-se a negar, sem analisar seus meandros sutis, a suposta confidência de Lula num momento de descontração, como muitos outros em que ele sempre se solta, fala bobagens, como todo brasileiro. Defendê-lo, para muitos, significava apenas imaculá-lo.
Fiquei culpado. Até que li, ontem, a confirmação da piada de Lula num depoimento de Silvio Tendler, cineasta também presente na cena original. Simplesmente uma piada frequente numa época em que não havia o fascismo politicamente correto e em que a PIG usava outras denúncias para suas tentativas de golpe.
Não errei na minha interpretação. Tanto que penso até mesmo em pedir autorização do meu analista para me estabelecer com um divã em uma sala qualquer e começar a clinicar. Meu primeiro paciente poderá ser Cesar Benjamim. Lula não precisaria disso, pois já aprendeu muito de tanto levar porrada.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

De estupros e fantasias

O PIG (Partido da Imprensa Golpista), sigla já bastante conhecida na NET, não cansa de surpreender. Herdeiro direto da velha UDN, usa e abusa de todos os meios para achincalhar o governo, humilhá-lo, jogá-lo na lama. Excedeu todos os limites do aceitável, em matéria publicada hoje na repugnante Folha de São Paulo, cujo teor seria capaz de escandalizar até Carlos Lacerda, o corvo.
Antigamente, como leio na biografia de Castello Branco - escrita por Lira Neto -, os golpistas recorriam ao discurso anticomunista, típico da Guerra Fria. Apelam agora a um arremedo infame do moralismo politicamente correto, que se presta bem ao sensacionalismo marrom. O ventríloquo dos golpistas é, mais uma vez, César Benjamim, obscuro e desequilibrado ex-militante de esquerda, justamente esquecido atualmente. Diz ele em seu artigo divulgado na folha repugnante que Lula lhe confindenciou, em 1994, haver tentado estuprar, durante seu período de prisão, um companheiro de cárcere, integrante do MEP (Movimento de Emancipação do Proletariado.
A rigor, não vale a pena gastar espaço virtual com tal matéria barata, mas não posso deixar de expor minha indignação. Supondo que seja verdade, os envolvidos eram dois homens maiores de 18 anos, capazes de dispor das próprias vontades e de defendê-las. Conheci, à época, vários militantes do MEP, então nossos adversários políticos ou eventualmente nossos aliados, e não me lembro de haver entre eles nenhum sexualmente ingênuo ou submissso a qualquer tipo de violência. Mas prefiro ir por outro caminho: supondo que a confidência tenha ocorrido, deve ser debitada à língua solta de Lula (apesar de anatomicamente presa, e talvez por isso mesmo), sempre responsável pela veiculação de algumas bobagens entre muitas falas respeitáveis.
Estaríamos, assim, em pleno território da fantasia. Do machismo ao qual Lula não estava imune naquela época em que gay era viado e que o macho comedor não se via como homossexual. Lula talvez pensasse assim, era próprio da sua cultura migrante - e até da cultura militante e da cultura em geral-, o que não quer dizer que comeu de fato ou que estuprou o rapaz, já que este teria resistido. De lá para cá, certamente Lula aprendeu a ser mais contido e a usar politicamente sua espontaneidade, o que o tornou uma figura de grande popularidade e respeitabilidade.
Estou acostumado a ouvir (e tb a falar) coisas politicamente incorretas em mesas intelectuais quando já descontraídas depois dos rituais acadêmicos. Rimos de piadas de português, de judeus, de gays, sapatões, loiras e negros, às vezes contadas por acadêmicos  representativos desses mesmos segmentos.  Trata-se de auto-ironia e desrecalque, velhos expedientes conhecidos pelos mais primários freudianos.
Que mal isso faz, a não ser quando se torna objeto de manipulação pela ideologia nazista do politicamente correto ? Philipp Roth tratou brilhantemente desse mal no livro A marca humana, mas não acho que é exatamente disso que se trata entre nós. Aqui a coisa é mais rasteira: trata-se de mera instrumentalização de uma suposição fantasiosa pelo PIG, o partido da moralidade hipócrita, que usa dois pesos e duas medidas para tentar seus golpes, às vésperas da grande guerra que será 2010. Denuncia o mensalão dos outros e omite o próprio, oculta o filho bastardo de FHC, joga para debaixo do tapete o pó, que dizem, de vez em quando entra pelas narinas do belo e educado Aécio.
A verdade é que para a grande política não deveriam interessar as fantasias involuntariamente reveladas nas piadas ou nos chistes, nem as pulsões da nossa vida íntima, desde que saibamos nos responsabilizar por elas e não venhamos a comprometer a ordem social legítima. Imagem se o papa Bento XVI já não se masturbou pensando em alguma mulher ou homem? Que Serra não tem orgasmo com alguma imagem, sabe-se lá de que? Que a madre Teresa de Calcutá nunca sonhou com alguma forma de sexo?
O que importa, isto sim, são as realizações dos governantes e dos representantes do povo: destinam-se ao bem-estar coletivo ou aos interesses de grupo; são justas, promovem a solidariedade, o desenvolvimento e a igualdade social?  Estas devem ser as perguntas para julgar Lula.
Todo o resto pertence à esfera das fantasias que todos nós carregamos. Até mesmo às de César Benjamim, que empalado pela esquerda, de vez em quando volta a gozar com sua fantasia secreta concentrada no falo de Lula.  

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Matriarcas executivas




Quando planejo uma reflexão meditativa mais longa, logo recebo novas tarefas das minhas amigas de trabalho. Tarefas sempre inesperadas, o mais das vezes sem remuneração, a não ser simbólica, de um simbolismo tendente a se desvalorizar pelo excesso de gratificação desse tipo no mercado atual.
Convidam-me (não é bem o termo) para bancas, pareceres, projetos ou relatórios, reuniões científicas e assim por diante. Aceito, afinal, por educação, coleguismo e, principalmente, por complexo de culpa. Como se visse o rosto da minha mãe (será do meu pai?) a me repreender e acusar!
Com o risco de cometer um sacrilégio, digo aqui que já retornamos ao matriarcado. Não ao primitivo, como sonhava Oswald, mas o moderno. As novas matriarcas estão ai, tudo a controlar. Contenham-se, porém, amigas! Não é preciso organizar nenhuma passeata. Refiro-me ao mundo acadêmico e, talvez, a algumas outras organizações empresariais congêneres, nas quais as executivas já chegaram ao topo.
Obviamente, não falo das mulheres das classes D e E, que além de receberem salários inferiores aos dos homens, ainda não alcançaram os postos de mando, afora o do lar, sobretuedo quando se libertam dos seus maridos machistas.
O universo acadêmico (melhor seria dizer microverso) e as organizações empresariais propriamente ditas, ressalto, são o laboratório para o teste das múltiplas habilidades femininas. Elas são vistas para lá e para cá, sempre extenuadas e sem tempo, mas sempre com a mesma eficiência na coordenação das mais diversas tarefas. No caso universitário, pululam entre congressos aqui e alhures, revezam-se na apresentação de mil papers, opinam, avaliam, organizam, captam recursos, diretrizam... E nesse cenário pressinto que o homem está encostando o corpo, com tranquilidade e segurança.
Não sei porque, mas acabei de me lembrar dos filmes de Almodovar. Sei que vão dizer que é daquele sobre as mulheres à beira de um ataque de nervos! Pode ser, mas a paisagem que descrevo se parece mais com a de outras películas. Na verdade, o que me veio à mente foi aquela personagem do filme Kika, com uma câmera na cabeça em busca de imagens para seu programa de tv "O pior do dia". Também as freiras drogradas e sádicas de Má educação, que se dedicavam a salvar mulheres decaídas e a alimentar um tigre em seu quintal. Lembrei-me ainda que nos seus filmes os homens cumprem papéis subalternos, e às vezes mal fazem parte dos enredos.
Assim também é em nosso microcosmo. Com isso não prego aqui nenhuma sublevação contra o matriarcado executivo daquelas que são, antes de tudo, minhas amigas. Até porque elas nunca leram e nunca lerão este blog, pois não perdem tempo com bobagens.
Nem julguem que ao expressar estas idéias manifesto algum ressentimento masculino. Simplesmente por uma impressão: o capitalismo, da qual elas se tornaram executivas, ainda não é feminino. Poderá ser um dia - aproveito para dizer que também votarei em Dilma, pelas mesmas razões da eficiência gerencial. Mas também não é andrógino ou assexuado. Por enquanto, continua masculino, o que digo sem qualquer júbilo e na esperança de ser perdoado pela blasfêmia.

 



terça-feira, 24 de novembro de 2009

Um pouco de som






Finalmente, aprendi baixar vídeo pra vocês. Deixo estes dois primeiros: Gaivota, na versão clássica de Amália Rodrigues, e em versão atualizada.

domingo, 22 de novembro de 2009

Fado para a lua de Lisboa (David Mourão Ferreira)

Ó lua, espelho do chão
que andas no céu pendurado,
holofote da ilusão
pelo turismo alugado,
não ilumines em vão
os sulcos do empedrado!

Denuncia nas valetas
As sombras que tu arrastas:
prostitutas, proxenetas,
silhuetas de pederastas...
colos brancos. Rendas pretas.
Casas tortas. Pedras gastas.

As rugas do sobressalto,
Ó lua não as destruas!
Tu viste carros no asfalto
rondarem por estas ruas;
viste rolarem no asfalto
vestes mais alvas que as tuas.

Foste a lua que se expunha
aos tiros a multidão;
espelhastes na tua unha
a secular aflição;
e já foste testemunha
dos fogos da Inquisição.

Procissões do Santo Ofício...
fileiras de condenados...
À noite, nem só o vício
rasteja por estes lados:
as serpentes do suplício
silvam nos pátios murados...

Ó lua, guarda o retrato
de tudo, tudo a que assistas!
Não queiras passar ao lado
da desgraça que visitas!
Nem queiras ser infamado
Passatempo de turistas!

Clorofórmio dos enfermos,
se foge dos hospitais,
então recolhe-te aos ermos
desertos celestiais!
E enquanto te não merecemos
Não te acendas nunca mais!

Poema declamado pelo autor em dezembro de 1968, no sarau em casa de Amália Rodrigues, que reuniu fadistas e poetas, entre eles Vinícius de Morais.
(Para meu amigo Anderson, eterno militante das causas vividas no supermundo)

sábado, 21 de novembro de 2009

By the way: a feiúra de Castello e o golpe de 64



Gosto de biografias. Nestes dias leio duas, ao mesmo tempo. Quando o assunto de uma está interessante, logo passo a outra com a idéia de retornar após o suspense. Uma é sobre a vida do marechal Humberto de Alencar Castello Branco, escolhido pelos golpistas como primeiro presidente do regime militar. A outra trata dos últimos anos de Freud em paralelo à ascensão de Hitler ao poder.
As biografias estão na moda - na verdade nunca saíram. O que há de novo é que os historiadores estão seriamente empenhados em retomar este gênero que foi muito cultivado pelos clionistas tradicionais. Uma pena, pois logo teremos livros do tipo vendidos a rodo por RS 1,99. Neles não faltarão, é claro, longas incursões teóricas e metodológicas sobre a ilusão biográfica - a la Bourdieu -, as armadilhas da memória e as escritas de si. Mil congressos e simpósios serão (já são) realizados para debater tais chatíssimas obviedades.
O fato é que para escrever biografia são necessárias poucas coisas: talento, sensibilidade, erudição e faro investigativo, justamente o que muitas vezes falta na academia. E o que sobra no livro do jornalista Lira Neto (Castello: a marcha para a ditadura), que além das outras qualidades citadas, demonstra grande sensibilidade para compreender a alma humana e o seu papel no curso dos acontecimentos históricos.
Uma das chaves dessa construção biográfica é a feíura de Castello, handicap introjetado desde a infância que o marechal converteu em pulsão de poder. Seu sucesso na carreira militar foi o resultado de um esforço hercúleo para provar que era superior aos que o chamavam de  macaco, sem-pescoço ou quasímodo, numa época em que ainda não se conhecia o bulling. Embora Lira Neto não reduza a vida do marechal a esse estigma, já que também dá grande relevo à sua condição de nordestino da baixa classe média, filho e neto de outros militares -, não deixa de reconhecer a importância crucial dos aspectos psicológicos na história, sem incorrer em psicologismo barato.
Por que trago à baila este assunto se não pretendo resenhar as obras mencionadas? Ainda que isto possa decepcionar, respondo que é só para retomar o tema do post anterior. Muitos historiadores - entre os quais me incluo - nunca estiveram satisfeitos com a história desencarnada. Mas nem sempre as respostas a tal frustração tem sido satisfatórias. Sem falar da safra de baixa qualidade da historiografia atual - subjetivista, pueril e romântica -, houve gente boa que tentou, sem sucesso, dar humanidade aos processos históricos, dedicando-se, por exemplo, às mentalidades ou psicologia coletiva. Alguns chegaram até mesmo a sondar possíveis relações entre história e a psicanálise.
Nada disso deu certo. O próprio Freud, como se narra na segunda biografia (não é bem o termo para o livro), esteve obcecado por entender o papel do inconsciente na vida coletiva, basta ler suas obras sobre Moisés e o monoteísmo, O mal-estar da civilizaçãoO futuro de uma ilusão. Foi quem chegou mais próximo da compreensão dos estranhos motivos que subjazem na vida social, cultural e política.
A maioria de nós, mortais, porém, não consegue alcançar essa dimensão obscura. Para atenuar nosso descontentamento é que servem as biografias. O problema é que existem poucos personagens dignos de serem biografados. Lira Neto escreveu um bom livro, ainda que Castello seja um defunto que não mereça suas velas.
Entre a história e a vida, tanto a que late quanto a latente, há uma abismo intransponível. Sou historiador, gosto de livros de história, mas prefiro as biografias.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O desassossego - em memória de Fernando Pessoa.

Tem uns cinco anos que a psicanálise serve para aplacar e reacender meu desassossego. Livros dessa marca já somam quase o mesmo número das obras de literatura, filosofia ou história na minha biblioteca.  Além de não caberem nas estantes, também se acumulam na fila de leituras. O último que comprei trata dos anos finais de Freud a partir da sua fuga para a Inglaterra. O autor, cujo nome não me recordo nesta lan house, é pouco conhecido por aqui - um professor universitário britânico, do tipo especializado.
Décadas atrás, procurava o sentido da vida e do mundo em outras plagas e pragas. Toda gente vive em busca desse sentido. Muitos se contentam com coisas mais tangíveis, um casamento, um trabalho, uma fortuna, um time, uma injeção de botox. Para mim e para os outros inconformistas, no entanto,  nada disso compensa. A solução é então viver na constante intranquilidade.
As religiões não me satisfazem, exceto no seu aspecto ritualístico. Gosto, por exemplo, do cheiro de incenso católico e ortodoxo, que embora não conduza a uma verdade suprema, é capaz de produzir um ecstasy agradável. Aprecio também as cerimônias de origem africana, sempre inebriantes e estimuladoras das manifestações instintivas. Mas detesto os espetáculos neopentacostais e carismáticos. Se para conversar com deus é preciso urrar grotescamente, prefiro falar comigo mesmo em silêncio. O budismo talvez fosse saudável para mim se o tivesse cultivado desde a infância. Na altura em que estou, não tenho mais paciência para levitações e meditações prolongadas.
É claro que sempre haverá um romance com o qual eu possa me identificar. Ultimamente, são poucos e raras vezes inspiradores. A História nunca foi minha fonte preferida, sobretudo agora, que se tornou uma espécie de metodologia aplicável a qualquer situação, até a mais insignificante. Descobri que gosto da História como exemplo de atos de grandeza, à maneira dos antigos, o que, obviamente, não se encontra com tanta facilidade nos tempos.
Gostaria de ter gostado das grandes especulações da Física, mas não tenho conexões neuronais suficientes para isso. Felizmente, meu filho realiza essa vontade por mim, ele que ama a física teórica. Acho as outras ciências chatas e inferiores, principalmente as ditas sociais, cuja pretensão me faz gargalhar. Quanto às técnicas - que segundo creio, abrangem todo os demais saberes -, não são capazes de me despertar qualquer curiosidade.
Me sinto também muito atraído pela Filosofia, contudo, dificilmente consigo acompanhar seus discursos. Tiro dela aquilo que é mais simples de entender e que faz algum sentido na busca de sentidos. Durante anos fiquei vidrado no existencialismo, com o qual iniciei contato por meio dos romances sartreanos e só depois alcancei no discurso filosófico. Ainda penso no indivíduo como alguém a sós com sua liberdade contingente.
Mas, como dizia no início deste post, nos últimos anos só encontro algum alívio nos livros de psicanálise. Não nos de psicologia do ego, que se disseminam barbaramente com receitas de melhora da autoestima, receitas retwitadas ao infinito pelas socialites e evangélicas da televisão. 
Falo da psicanálise em sentido estrito, exatamente aquela que se constituiu na frição entre a filosofia e a ciência, e não se reduz a um método nem a uma técnica. Aquela que deslocou o homem de todos os outros sentidos e o revelou também a sós - não com sua liberdade, como no existencialismo, mas com seu desejo - esse profundo desconhecido, também chamado de isso ou aquilo que nos escapa entre os dedos, deixando apenas o desassossego repetido.  

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Pensamentos como gaivotas

Esta página precisa de ar, vôo e som para amenizar minha decepção. Ontem, três minutos depois que divulguei no twitter o post sobre o Zé Dirceu, perdi dois seguidores. Não lamento a diminuição do número de folowers, mas a vilania do preconceito e o embrutecimento mental. Isso me amedronta. Fujo então para os ares, fora do mundo da política, nem que por pouco tempo.
Que seja a emoção da música a fuga de hoje. Vivo uma fase fadista desde que vi o belíssimo filme de Carlos Saura. Corri então ao inevitável shopping para procurar cds da Amália. Achei o disco dela em parceria com Vinícius, o nosso poeta, gravado em Lisboa a 19 de dezembro de 1968, quando as sombras do Salazar enfermo anoiteciam Portugal e os óculos escuros dos generais aterrorizavam o Brasil. Ainda assim, Amália e Vinicius cantavam num sarau iluminado.
Ouço-os agora sem parar, mas que pena não poder ou não saber inundar este blog com o seu som. Assim como para esta página, muitas vezes imaginei aulas e ciências sensibilizadas pela música, pelo drama, pela imagem lenta ou clípica, pelo sono surreal e pela meditação. Ambientes experimentais de leitura, debate e todo tipo de expressão da alma. Práticas de descoberta do corpo, da mente e do espírito, do conhecimento, da ciência e da arte. Outro ensino.
Já não se pode, professor, já passou o tempo.
Como já passou este blog, também impossibilitado de alçar vôo. Nem o vídeo que pretendia emocionar esta tela pude baixar, pois não está livre.
Que fique somente uma casca do possível: uma letra, umas imagens de um sentimento, de uma fuga, de uma decepção, de um vôo interceptado.


 Gaivota



Música: Alain Oulman
Letra: Alexandre O'Neill




Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.


Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.


Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.


Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.


Que perfeito coração
no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.








sábado, 14 de novembro de 2009

Zé Dirceu, o brilhante estrategista do PT





Escrevo com pressa e antes que minha autocensura funcione. Autocensura em termos: na verdade censura social, cultural, institucional introjetada. Imagino o que diriam beltrano e sicrana, com endereços, rgs e vínculos profissionais identificados e que logicamente nem cogitam entrar neste blog, se lessem estas linhas.
Vou falar, sim, de Zé Dirceu, que acabo de ver e ouvir aqui em Rio Preto, na comemoração dos 30 anos do PT, partido em que até agora sempre votei, mas do qual não sou membro. Vou falar, sim, sem me preocupar com o tom emocional e que se danem os que dizem que sou emocional. E vou falar, sim, sem me preocupar com as possíveis contradições da minha fala em relação ao saber acadêmico supostamente crítico.
Zé Dirceu foi e continua a ser o grande estrategista do projeto que o PT leva à frente. E exatamente por isso foi cassado, por nenhuma outra razão. Não adianta virem com outros motivos, seja de moralidade torpe ou de hipocrisia política. Mas nem essa injustiça mais flagrante foi capaz de fazê-lo baixar a crista. Zé Dirceu é da linhagem daqueles revolucionários dos velhos tempos: matreiro, cínico, lúcido, maquiavélico, inteligente, rochoso sem perder a maleabilidade da utopia socialista.
Zé Dirceu deu alicerce ao PT, controlou o PT mas sabia porque e para quê. Tinha estratégia. Foi acusado de bandido, criminoso, ladrão, amoral, enfim, tudo aquilo que poderia derrubar um fraco, não um homem que sabe o que se oculta sob tais epítetos numa guerra política. Sim, porque entre nós vivíamos (espero que o verbo esteja no tempo certo) uma guerra entre a direita secularmente empedernida e uma esquerda recentemente no poder, com suas fraquezas e virtudes. Como diz Lula, o que esteve em jogo na época do suposto mensalão foi uma clara tentativa de golpe para derrubar um presidente que atualizava o projeto interrompido em 1964.
Quem tiver a coragem de ouví-lo, de ler o seu blog e de se desarmar um pouco das autocensuras, saberá quais são suas idéias. Zé Dirceu não é um autor de livros, suas propostas estão ai, na prática política diária. Tem visão a longo prazo a respeito da questão tecnológica brasileira, dos nossos desafios energéticos, educacionais, sociais etc. Não é um obtuso, ao contrário, repensa o socialismo nos termos nacionais, continentais e globais, mas um socialismo conectado no mundo das conexões instantâneas. Preparou-se para isso no movimento estudantil, na clandestinidade, em Cuba, no parlamento e no partido. É respeitado dentro e fora do Brasil por empresários e governos. Tirou lições dos sucessos e derrotas.
Haverá o momento em que será feita justiça a Zé Dirceu. Não falta muito.



O que pode estar em jogo na indicação do novo reitor da USP

Interrompo a linha dos posts anteriores para uma breve nota enragé a respeito da nomeação do segundo colocado na eleição para reitor da USP. Não vou chover no molhado sobre o grave precedente que o ato significa. Todos sabem muito bem. E principalmente o governador Serra sabe muito bem o que está fazendo. Não se trata de mera birra ou truculência política.
Trata-se da tentativa de implantação de um projeto que é claramente defendido por setores do PSDB: castrar a autonomia das universidades públicas e instituir progressivamente o ensino pago para determinados segmentos sociais. Tal projeto se casa perfeitamente com as políticas de desvalorização do ensino público em escala ampla desde o ciclo fundamental. Integra-se perfeitamente ao pensamento neoliberal, que apesar de ter feito água mundo afora, continua a ser a menina dos olhos dos ideólogos de um partido que se tornou o principal aglutinador da direita brasileira.
Serra tentou castrar a autonomia universitária já em sua posse, o que provocou um movimento de amplas proporções diante do qual teve de recuar. Os alunos estiveram à frente da mobilização vitoriosa - os mesmos alunos que pouco papel exercem na eleição interna da USP. Resta saber se agora serão novamente instados a defender a autonomia universitária e, simultaneamente, um sistema eleitoral que os alijou do processo decisório.
De qualquer modo, o ato de Serra não afetará apenas a USP. Mais cedo ou mais tarde, igualmente a UNESP e a UNICAMP e, se o PSDB retomar a presidência da república, o ensino superior brasileiro em geral, que nunca viveu um momento tão virtuoso como hoje.
Não devemos nos omitir nesse quadro. Convido-o(a)s ao debate e deixo aqui dois links sobre o assunto:



sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Um balanço do blog

Venho matutando sobre algumas mudanças no blog, mas não sei ainda como fazê-las. Nestes três meses cada vez gosto mais de escrever aqui. É um aprendizado, uma iniciação de alguma coisa que não sei aonde vai dar, e nem sei se deve ter um destino.
Gostaria de criar boxes diferentes. Um para o texto principal, que no meu caso, é uma mistura de artigo e crônica (pelo menos penso assim), cujo tamanho é obviamente maior e a periodicidade mais lenta; e outros para comentários breves sobre livros, filmes, política em tempo real, cotidiano etc. Gostaria também de responder aos comentários, replicar, concordar, debater, o que no modelo atual só posso ocupando espaço de outros comentadores. A interatividade fica prejudicada. Sem falar das idéias que me surgem subitamente no trânsito, no trabalho, no sono e em outros lugares que não devo mencionar nesta página. Perco-as na maioria e então me sinto como um escorredor de macarrão: engordurado mas vazio.
Ocorre que o formato do blog - adquirido gratuitamente - é muito engessado e seco. Além disso, sou péssimo em tecnologia, o que me impede até de explorar melhor o que ele tem de bom. Por exemplo, não sei incluir as indicações de outros blogs o que pode parecer soberba. Nem mesmo sei criar tópicos distintos para posts, imagens e links.
Sou de outro planeta geracional. O que sei bem é datilografar. Até tirei diploma de datilógrafo. Aliás, quero encontrá-lo na casa da minha mãe para colocar na parede junto com os de doutor e livre docente. Para mim ele tem um valor muito maior.
Voltando à vaca fria, penso em migrar o blog para um site, mesmo que tenha que pagar um administrador. Dizem que custa pouco. Vale mais um prazer do que o pouco dinheiro no bolso.
Por isso, amigos e amigas, se tiverem sugestões peço que deixem aqui ou enviem por e-mail. Gente que poderia fazer a página, onde situá-la, enfim, o que for necessário para que depois eu possa apenas datilografar direitinho meus textos. Sou bom nisso, como aprendi na escolinha, de forma bem caprichada.

domingo, 8 de novembro de 2009

O eterno fado de caetano x chico

Não fiquei sossegado desde o último post. O fato é que, depois de sair do cinema, corri na chuva pela avenida Paulista à procura da primeira lan house aberta. Procurava a tela brilhante da net por dois motivos, que talvez se resumam a um único.
Primeiro, para dizer aos amigos e amigas que acabei de ver Fados, o filme-documentário de Carlos Saura (o mesmo de Cria Cuervos, realizado ainda durante a ditadura franquista) em exibição na Mostra Internacional de Cinema. Magnífico, emocionante, daqueles aplaudidos pelo público ao final da sessão. Estão lá os mais importantes fadistas portugueses vivos, os jovens e os velhos, mas também os já mortos, justamente homenageados. Estão lá ainda os fados modernos, os fados de Moçambique e outras ex-colônias, nas maravilhosas vozes de intérpretes que desconhecemos, estão lá modinhas e lundus brasileiros. Estão lá músicos de primeira, cantores e cantoras de vozes lindas, ritmos e entonações que nos fazem desabar na poltrona. Estão lá, e não poderiam deixar de estar num filme de diretor espanhol, dançarinos que sangram música em seus corpos, trágicos e sublimes.
Segundo, para falar com orgulho, que entre os cantores e dançarinos do documentário, também estão três brasileiros enlevados na mesma paixão: Toni Garrido, que interpreta com ternura e alma uma modinha brasileira, contracenando com belíssimas mulatas a deslizar como anjos pelo salão; Chico Buarque e seu Fado tropical, numa apoteose celebrativa da Revolução dos Cravos que, junto com Grândola, vila morena, faz a platéia chorar; e Caetano Veloso a entoar - quase sussurrar -, com emoção e virtuose, a Estranha forma de vida, canção de Alfredo Duarte e Amália Rodrigues.
A presença desses dois brasileiros de uma mesma geração, ambos engajados até o pescoço na vida política e cultural brasileira dos anos 60 e 70, cada um com suas idiosincracias, me fez lembrar da velha rivalidade entre seus fãs. Eu, que sempre gostei dos dois, presto a eles aqui minha homenagem, porque bem sei que um artista não se julga apenas pelo que diz, mas sobretudo pela sua arte. Segue um trecho da canção interpretada por Veloso:

"coração independente
coração que eu não comando:
vive perdido entre a gente
teimosamente sangrando
coração independente.

eu não te acompanho mais:
para, deixa de bater
se não sabes aonde vais
por que teimas em correr
eu não te acompanho mais".

E assim deixo aqui uma palavra e um apelo a Caetano, caso ele pudesse ler esta página. Sei que o coração humano vive sempre uma vida à parte, especialmente no corpo do artista - o mais frágil de todos os seres. Mas sei também, Caetano, que é a tua língua que não te acompanha mais, e menos o teu coração. Não a tua língua poética, essa que ainda deve guardar alguma poesia, e sim a tua língua política, reacionária, que se não te compromete como artista, te degrada como homem. Vai, deixa de falar!