quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

De Catalunha para vosotros

Tomatito é um dos expoentes da atual safra de músicos espanhóis envolvidos com a busca das fontes originais, como o flamenco, para fundi-las ao jazz e a outras expressoes do globo. Integra o time de Paco de Lucia, já mais conhecido no exterior, e outros tais como Estella Florente, José Merce, Dukende e Miguel Poveda.
Quem me deu estas informaçoes foram alguns recentes amigos de Barcelona, que embora rejeitem o pertencimento ao estado espanhol - e rivalizem particularmente com Madrid -, admiram os músicos citados, nascidos fora da Catalunha.
Em tempo: eles também odeiam Almodovar, pois o consideram demasiadamente comercial e afetado. Coisas que remontam à Idade Média em nosso mundo pretensamente moderno.
Aproveito para dizer que estou com raiva do Brasil. Como é que podemos aceitar tamanha disparidade social? Nem de longe isso acontece por aqui. Que burguesia mais torpe, avarenta e atrasada nós temos. Aguardem os próximos posts irados.
2010 para todos e todas. Vocês merecem um próximo ano!


terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Lixeiros e homens




Barcelona nao tem mais lixeiros. Containers para a coleta seletiva foram espalhados pelas ruas à espera dos detritos depositados pelos próprios cidadaos. Mais tarde, caminhoes basculantes dotados de guindastes com imas virao buscá-los, sem que ninguém suje as maos. Dessa categoria associada à idéia de degradaçao, sobraram apenas os varredores de praça.
Além de limpa, a cidade oferece infra-estrutura impecável: asfalto perfeito, calçadas sem buracos, padronizadas e adaptadas a pedestres e cadeirantes, sinalizaçao clara, trânsito organizado. Nao há prédios degradados ou pixados. Tudo lembra atençao constante do poder público e da populaçao.
Nao quero parecer um turista colonizado e sob efeito do deslumbramento, mas nao resisto a perguntar: o que acontece conosco? É certo que também já vi cidades com inúmeros problemas, como Roma e Nápoles, nada que se compare, contudo, a Sao Paulo ou ao Rio de Janeiro.
Nestas, nao é só o lixo material que se derrama e apodrece a sol aberto, também o lixo humano que produzimos. Crianças se arrastam com cobertores imundos, drogaditos em bando putrefazem publicamente, hordas de sem-teto se amontoam em todas as marquizes, sob o Minhocao, ao relento.
O que acontece? Nao queremos ver nada. A classe média paulista se apega ao cancro político reacionário. Kassab, Serra e seus demoníacos destroem as políticas sociais iniciadas por Erundina e Marta, arrasam a periferia e o centro da capital paulista.
Se em Barcelona desapareceram os lixeiros, em Sao Paulo superproduzimos o lixo humano e a degradaçao.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Observatório em trânsito

Este observatório se deslocará amanhã rumo às terras de Espanha e França. Só voltará no dia vinte do ano que vem, quando então estará em seu posto (fixo ?) na Praça da Sé. Promete, durante a permanência fora do lugar, remeter alguma coisa interessante ao leitor.
Claro que isto dependerá da sua capacidade de ajuste às circunstâncias, já que é um mecanismo meio enferrujado e com dificuldade de se adaptar às novas tecnologias. Seu modo de captação de imagens, por exemplo, anda fraco e demanda lentes adicionais. Até que elas sejam colocadas, o que leva tempo, corre o risco de perder instantâneos originais. Mas como, ultimamente, há pouca originalidade no mundo, o problema deixa de ter muita importância.
É bom, todavia, que não esperem furos de reportagem, recomendações úteis, retratos melosos ou comentários inteligentes sobre o exótico da vida. Este observatório não viaja com programação definida e nem trará souvenirs, a não ser aqueles que se encontram em qualquer camelódromo internacional. Sabe que em toda a praça do mundo sempre haverá a mesma oferta abundante de produtos "étnicos": bolivianos, brasileiros, nigerianos, mexicanos, romenos, hindus, chineses, turcos e por ai afora. Os pobres são exuberantes e já tem seu capitalismo próprio. Luxuriante e belo.
 Detesta viagens turísticas teleguiadas, com suas filas intermináveis de idiotas alegres. Odeia mais ainda excursões para adquirir Cultura, pois tal substantivo, se verdadeiro, não se presta à venda. Desejará, por certo, ver a Torre Eiffel, o Louvre ou revisitar o Prado, mas desde que não haja humanos babacas falantes com câmeras fotográficas por perto.
Impertinente como é, também evita viagens de trabalho, principalmente aquelas realizadas para participar de congressos acadêmicos redundantes. Não será o caso. Muito menos de jornada executiva terno-e-gravata com o objetivo de planejar ações empresariais ao som de papo técnico. Uó!
Rebelde como gostaria de ser, o observatório que vos fala, vestido com uma calça vermelha e um casaco de general, sonha regressivamente em pegar aquele velho navio e depois o Expresso 2222. Carcaça feita de peças românticas, se imagina como o personagem de Somerset Maugham numa jornada existencial em direção ao Oriente. Ou também como um Gatsby decadente, em meio aos derradeiros deleites da civilização.
Antes de embarcar (e não entende porque se usa este verbo para subir num avião), deixa aqui uma canção que descreve seus atuais movimentos d'alma:

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

2010: utopia e merda para todo(a)s



O Campus Tecnológico de Monterrey - México - realizará, em agosto do próximo ano, o Congreso Internacional Utopía: espacios alternativos y expresiones culturales en América Latina. Há várias décadas não se tem notícia de eventos acadêmicos com temário desse tipo. Um dos últimos dos quais tenho lembrança data da década de 1980.
Seria um novo sinal dos tempos? Um sintoma do crepúsculo do capitalismo, como às vezes se lê em matérias recentes? O anúncio de uma revitalização do pensamento subsequente ao grande extermínio promovido no ocaso do século passado? Ainda é cedo para prognosticar mas, de qualquer modo, alguma coisa diferente anda pelo ar, e não são apenas os virus malignos.
Quem vem de longe sempre fica com um pezinho atrás diante dessas iniciativas. Antes de tudo, porque sabe que utopia não se fabrica na escola, ainda mais no ambiente universitário atual, mais parecido com um crematório de idéias e esperanças. E sobretudo porque não ignora como é fácil esvaziar os sonhos para vender suas cascas secas no mercado. Com que cara os antigos utopistas assistiriam ao esfacelamento das suas fantasias, se em sua época tivessem inventado uma máquina capaz de projetar a realidade do futuro!
Mas o fato é que o congresso citado promete ressuscitar aqueles velhos fantasmas. Alguns deles, principalmente os latino-americanos, figuram lá no cartaz promocional do evento, piscando sedutoramente ao expectador. Dentre os que pude identificar (e não consegui copiar neste post) estão Che, Bolivar, Garcia Marques, Neruda e um único brasileiro - Paulo Freire. Todos recentemente sepultados pelas avalanches filosóficas desconstrutivistas, juntamente com a legião que vem de Thomas Morus a Guevara. Reviverão?
Não é o caso de ser cético, apesar das matérias anteriores deste blog. O ceticismo tem lá a vantagem de acautelar os espíritos demasiadamente apaixonados e voluntariosos. Levado às últimas consequências, porém, coloca a vítima mais facilmente ao alcance do seu algoz. A utopia, ao contrário, reacende o desejo, a fonte vital do animal humano.
Nos fizeram acreditar que só há dois mundos imagináveis: a utopia norte-americana ou a utopia talibã. A primeira, como disse Baudrillard, já se realizou em nome do progresso e com ele mesmo promete afundar. É pegar ou largar. A segunda ainda está por se fazer, apresentando-se como uma nebulosa regressiva. Deus nos livre dela.
E nesse interregno estamos. Que o congresso mexicano seja de fato um sinal dos tempos! Por falar no próximo 2010, não custa nos desejar alguma utopia. Além de muita merda, como se cumprimentam os atores e as atrizes antes do espetáculo.

http://www.itesm.mx/va/catedra/utopia/

domingo, 20 de dezembro de 2009

Universalis Merry Christmas

Este blog também se junta aos bilhões de humanos e não humanos que se irmanam no mesmo sentimento de solidariedade proporcionado pelo natal. Especialmente agora que as geleiras polares se derretem, espalhando a neve branca por todos os continentes, podemos ouvir a mesma melodia universal do merry christmas.
Aos amigos e amigas, deixo aqui dois vídeos para a noite cristã. Conectem seus laptops à TV LCD das Casas Bahia e curtam. Feliz clichê global! Mas se mantenham à distância!






sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O cético - a resposta

Há pessoas que não combinam com o espírito natalino, das quais se deve, rapidamente, desembaraçar-se para entrar no clima festivo.
Uma dessas figuras é o cético citado em post anterior, cujo nome ninguém acertou. Ou melhor, que ninguém quis correr o risco de nomear, talvez por desinteresse no assunto, ou ainda, quem sabe, pela dificuldade de escolha, já que hoje existem céticos demais na terra, todos cabíveis no figurino criado.
O personagem em foco é o pai de todos eles: Michel Foucault. Ao menos, conforme a imagem delineada pelo historiador Paul Veyne no livro Foucault: o pensamento, a pessoa (edição francesa de 2008 e portuguesa em 2009). Veyne já havia escrito, há mais de 20 anos, outro ensaio sobre o mesmo personagem: Foucault revoluciona a História.
Algumas idéias deste livro foram retomadas no ensaio recente, que é uma espécie de homenagem ao amigo, com quem ele conviveu durante várias décadas. É certo que Veyne parece forçar a barra ao analisar as principais linhas do pensamento de Foucault, em compensação, sai-se muito bem ao retratar aspectos pouco conhecidos da vida e da intimidade do filósofo que não se julgava como tal.
Como, por exemplo, da sua frustração por não ter sido de fato compreendido pelos historiadores (imaginem o que poderia dizer dos historiadores brasileiros, em particular, daqueles que se dizem foucaultianos); do seu engajamento político, que se orientava não por verdades, mas por desejos ("Em política, decida-se o que se quiser, mas não se disserte/ Não vos direi: eis o o combate que devemos travar, porque não vejo nenhum fundamento para poder dizê-lo (...) se quiserdes combater, e consoante o combate que escolherdes, ai vereis onde se encontram os focos de resistência, onde estão as passagens possíveis"); do que pensava do próprio pensamento: "Escrevo para me transformar e não pensar a mesma coisa que antes. É sabido, o criador é criado pela sua obra e pensa tudo que ela pensa, mas é dizer pouco ainda: a salvação reside na morte do homem pela escrita - que o despersonaliza - e numa perpétua fuga em frente".
São estas algumas pérolas de sabor foucault que veyne nos traz. Mas que não servem para o natal, data que exige presentes mais caros. Se é assim, descartemos foucault, sigamos em frente.





quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Abraços assassinos



Os cinéfilos não se contentam com pouco. Especialmente os milhões de seguidores de Almodóvar pelo mundo, entre os quais me incluo. Vivem à espera do seu último filme - a chave mágica para acessar o estranho de nós mesmos.
No meu caso, a ansiedade me obrigou a comprar o dvd pirateado de Abraços partidos, bem antes do seu lançamento oficial. Ficou lá em casa, na mesa de centro da sala, como um fetiche. Mas não tive coragem de rodá-lo, esperei a exibição nos cinemas.
Também não li a crítica para preservar a expectativa e o encantamento de ver as gritantes imagens almodovarianas na telona. Chegou a hora e afinal, ele estava lá, um pouco diferente, e no entanto, o mesmo. Prefiro não comentar. Deixo ao leitor o gostinho de ver e tirar suas próprias conclusões.
Adianto apenas que ele não me desancantou. Ao contrário, revelou mais um fragmento da sua alma. Um Almodóvar mais melancólico, atormentado diante da obrigação de dizer sempre o novo, de corresponder sempre aos desejos do público. Uma celebridade, reduzida à pele e à fantasia, como também restaram as personagens que ele homenageia no filme: Marilyn Monroe, Audrey Hepburn.
Há uma máquina que enreda o indivíduo talentoso, que o constrange a ir adiante, solitário, sem saber o caminho. Não é à toa que o protagonista de Abraços Partidos diga já no final da história:  "um filme precisa ser concluído ainda que às cegas". 
Tenho pena dos artistas, dos intelectuais e dos cientistas verdadeiros. São pessoas sacrificadas pela própria arte que fabricam. Nada do que fazem satisfaz o público, a máquina que os absorve e, principalmente, eles mesmos. Nós, os indivíduos comuns, somos os vampiros que vivem da sua delicadeza, da sua energia vital, do seu transbordamento. Somos, ao mesmo tempo, os seus assassinos e os cúmplices do seu auto-sacrifício.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Conceitos mornos, palavras arrependidas

Não sei se isso ocorre com vocês, mas a mim, um simpático chato, causa irritação. Falo do uso frequente e massificado de certas palavras em nosso meio. Palavras que se tornaram clichês, cuja origem é inútil buscar, se é que algum vocábulo nasce com identidade própria.
O fato é que, assim como as bugigangas do mercado global, copiamos, reproduzimos e consumimos termos-bugiganga das universidades da 25 de março, da zona franca de Manaus, do Paraguai, da China, de Miami e, principalmente, de Paris.
O que mais me incomoda é representação. Tanto que desde já proibo que meus alunos e orientandos empreguem esta expressão. A não ser que saibam exatamente o que pretendem dizer ao usá-lo. Significa ideologia? Sim, porque tem gente que o emprega nesse sentido marxista, embora de maneira ignorante. Para outros é simulação ou reflexo de algo (que também ignoram) e para a maioria não significa nada. Trata-se de apenas uma banalidade, um vazio de sentido.
Representação é um desses conceitos já criados no processo contemporâneo de esfriamento intelectual, que vão murchando quanto mais usados. De tal maneira que tudo passa a ser objeto de representação. Só os seus enunciadores não se dão conta que eles mesmos também já se transformaram em pastiches.
Há, ainda, muitos mais conceitos a exorcizar. Mas, por enquanto, a necessidade de uma limpeza urgente me obriga a citar apenas dois ou três vocábulos que saem pelas bocas intelectuais como verdadeiras pragas do Egito.
Virou moda, por exemplo, entre gente ligada à educação, usar o neologismo dialogismo (me perdoem pela rima). Quando o ouço, dói-me o ouvido, sinto pena de Bakhtin, coitado, que tinha um propósito tão alto ao empregá-lo como noção literária! Agora a coisa é mais baixa, mais chão. Dialogismo quer dizer diálogo adocidado entre desiguais: professores e alunos, orientadores e orientandos, chefes e subordinados e assim por diante. Emprega-se o termo não para caracterizar vozes em confronto, e sim para mascarar a diferença. O que representa (olha aqui o malfadado) uma espécie de arrependimento da condição real do sujeito enunciador. Pura hipocrisia inconsciente.
E a idéia de lugar, extraída do pobre Michel de Certeau, que anda a ser utilizada como lugar quase físico? Já vi membro de banca examinadora dizer ao candidato defensor de tese que sua arguição saía de um lugar determinado. Eu, companheiro de banca, logo pensei que era da cadeira onde o sujeito estava sentado. Lugar passou a ser um pedido de desculpa. Falo do lugar de professor, do lugar de juiz, e ao me desmascarar, sou igual a você! Ora, que se assumam no seu lugar verdadeiro, porra!
Tem mais coisas do gênero (ops, mais uma palavra para um dia demolir), hoje deixo apenas uma última, que não pode passar ilesa:  olhar. O povo acadêmico pegou a mania de que tudo é olhar. O historiador olha o passado, fulano olha a fonte, beltrana olha o objeto, sicrana olha a bibliografia, e todos nos olhamos, reciprocamente, com falsa benevolência.
Ninguém mais analisa ou investiga, pois é politicamente incorreto se servir do vocabulário médico ou jurídico na produção (já pensaram neste?) humanística.   Prefere-se  abusar de termos complacentes, de aparência democrática, neutra, generosa - na verdade, hipócritas.
No meu caso, se continuar assim, terei de inventar um dicionário próprio.
   

sábado, 12 de dezembro de 2009

O cético

"Quanto ao cético, é um ser duplo. Na medida em que pensa, em que se mantém fora do aquário e olha para os peixes que nele andam às voltas. Mas como é preciso viver, dá por si dentro do aquário, também ele peixe, para decidir que candidato receberá o seu voto nas próximas eleições (sem por isso atribuir valor de verdade à sua decisão). O cético é ao mesmo tempo um observador, fora do aquário de que se distancia, e um dos peixinhos vermelhos. Desdobramento que nada tem de trágico.
Na circunstância, o observador que é o herói deste livro chamava-se............, essa personagem.....,......e incisiva que nada nem ninguém fazia recuar e cuja esgrima intelectual manejava a escrita como se fosse um sabre".
f
Quem era o herói destas linhas? Quem é o criador desse personagem da vida real? Façam as aspostas.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Mas não se matam cavalos?




As imagens chocantes não chocam mais. Não sou eu quem diz isso, foi Walter Benjamim, 70 anos atrás. Seu pano histórico de fundo eram os eventos ocorridos desde a primeira grande guerra e, sobretudo, na época da ascensão do nazifascismo. Naquele tempo, as fotografias dos jornais reproduziam, com um dia de atraso, os horrores da realidade. Foi quando o filósofo então afirmou que o indivíduo do século XX existia em estado de amnésia, incapaz de dar sentido às tragédias vivenciadas num ritmo veloz.
O que dizer do indivíduo já no fim da primeira década do século seguinte, expectador em tempo real do espetáculo grotesco do mundo? Pensei imediatamente nisso quando vi as cenas da repressão desencadeada pelos demoníacos sobre os estudantes e sindicalistas, ontem, em Brasília.
Pouco mais me ocorreu. Numa espécie de asco, minha mente trouxe à baila, não sei de onde, outra sequência igualmente sinistra: Erasmo Dias no comando da invasão da PUC, a matança no Carandiru, o general Figueiredo montado a cavalo, o sangue na neve sob as patas da cavalaria russa em 1905...  E me lembrei que me esqueci de tantas outras imagens de horror e grotesco, produzidas de minuto a minuto nessa nossa sociedade de entretenimento, que não mais distingue a ficção da realidade.
Mas não sei porque visualizei, ainda num minuto, fragmentos do filme A noite dos desesperados - aquele filme dirigido por Sidney Pollack sobre uma maratona de dança durante a depressão de 1929 - lembram? Especialmente, o trecho final da fita em que Jane Fonda pergunta a seu partner: "Mas não se matam cavalos?" - pergunta que é também o título do romance (de Horace Mackoy) que Pollack transpôs para a tela. Era a cena em que a depressiva protagonista do filme, prestes a se matar, compara sua insignificância à dos cavalos.
Para o animal humano, o cavalo simboliza a liberdade. Montado pelo homem, no entanto, representa o poder repressivo. Mas na banalidade do cinema cotidiano, nada significa, pois, se matam não só homens como cavalos.    

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A depressão dos felizes

E por falar em felicidade, é hora também de tratar (d)a depressão. Como não tenho competência para isso, deixo a vocês duas sugestões de leitura sobre o assunto - uma que o aborda de modo específico, outra que o inclui em seus argumentos mais amplos: respectivamente, O tempo e o cão: a atualidade das depressões, de Maria Rita Khel;  e Em defesa da psicanálise: ensaios e entrevistas, de Elisabeth Roudinesco (sempre omito as editoras para não fazer propaganda comercial).
Como lembra a primeira autora, a depressão não era conhecida com este nome na época de Freud. Outros eram os males psíquicos predominantes, por exemplo, a melancolia e a histeria, principalmente a última, resultante da repressão da sociedade burguesa. Que fenômeno é esse, quase epidêmico e até motivo de auto-identificação perversa sob os auspícios do biopoder? Uma expressão da covardia moral, nos termos empregados por Lacan para designar aqueles que renunciam ao desejo (secreto e inconsciente)? Mas como isto ocorreria numa sociedade que, diferentemente daquela de 50 anos atrás, se dedica exatamente à proliferação dos desejos? Um mal-estar crescente que interroga as condições atuais do laço social? Ou as duas coisas representando um novo desafio à psicanálise? 
As duas autoras coincidem nos seus pontos de vista. Cito um trecho de cada livro só para estimular a saliva dos leitores:

"O imperativo do gozo que circula nas sociedades capitalistas do século XXI não aboliu a dívida simbólica nem anulou a principal característica do sujeito da psicanálise - o conflito psíquico. Por outro lado, a equivalência entre os ideais de felicidade e a supressão do conflito constrói a perspectiva fantasiosa de que o sujeito possa se tornar idêntico a si mesmo, anulando sua divisão originária. O empobrecimento da vida subjetiva que resulta das diversas estratégias contemporâneas de anulação do conflito - seja por via medicamentosa ou pela adesão sem reservas às ofertas de gozo em circulação no mercado - é cúmplice do atual crescimento dos casos de depressão" (Kehl).

"Tudo se passa como se essa coisa, o biopoder, tendesse cada vez mais a se instalar. Como se a rebelião, ou mesmo a subversão, se tornasse cada vez mais ilusória, substituída por um confinamento securitário, pelo conformismo e higienismo. Essa nova barbárie manifesta-se por uma tristeza da alma e pela impotência do sexo. Diante das depressões que proliferam em nossas sociedades democráticas, a renúncia a explorar o inconsciente decorre assim de um verdadeiro processo psicológico de normalização. A depressão é uma entidade amorfa, de contornos nosológicos mal definidos. É um corolário do abandono da luta constitutiva da liberdade em nossas sociedades democráticas modernas" (Roudinesco).

Vem o ai o fim de ano, como já disse, época de felicidade obrigatória e, como diz uma amiga minha, de depressão obrigatória. Vai aqui um conselho a quem se sentir assim. Depois da comemoração da meia-noite, quando já extravasadas todas as alegrias, fuja para um canto solitário e leia esses livros. A alegria também precisa de dor.

Bombons de felicidade

O fim de ano se aproxima e, mais do que nunca, é preciso ser feliz. Há oferta de todo tipo e gosto para atingir esse sentimento obrigatório.  
Já se sabe hoje, felizmente, que a felicidade não depende só da riqueza, embora todos estejam de olho no milhão oferecido pela Fazenda. Adriana Bombom foi precocemente eliminada do programa, mas persistente como é, não abandonará a meta muscular-exibicionista de felicidade.  Cuidado, porém: como diz Márcia Goldschmidt, tal estado não depende unicamente da aparência externa. É claro que ela é necessária e pode mesmo ser obtida, de modo express, com pequenos procedimentos cirúrgicos e maquiláticos. Sua teoria, porém, é a de que a mudança externa deve ser acompanhada de uma transformação interna. Basta seguir seus conselhos terapêuticos pelo celular.
Juliana Gimenez é outra que contribui para a emancipação humana rumo à felicidade. É capaz de transformar esposas-bagulho em aviões dignos de calendários para a masturbação de borracheiros. Afinal, todas e todos nós temos fantasias imprescindíveis para a auto-realização.
Nunca antes na história - que bom -, alguns termos e conceitos, antes circunscritos ao vocabulário científico, se tornaram tão populares. Exemplo disso é prefixo auto, que já não é usado apenas para se referir ao automóvel, outrora uma fantasia limitada aos ricos. Serve também agora para introduzir outros vocábulos de alcance público, por exemplo, estimaconfiança. Como aparece nos anúncios das clínicas especializadas em carga dentária imediata para recuperar a autoconfiança dos banguelas. Ou nas propagandas de aparelhos e corpetes milagrosos para disfarçar a gordura e assim melhorar a auto-estima (também chamada de baixo-estima).
Outra palavra democratizada é a libido. Tem até um japonês que vende erva na televisão para a melhoria dessa instância antes tão combatida pelos católicos. Mas hoje os padres são mais modernos e, em particular, aqueles cantantes, já admitem que o sexo é bom para um casamento feliz. Os pastores eletrônicos vão ainda mais longe e tratam abertamente das questões sexuais de forma pública e interativa no fala que eu te escuto.
A terapia chegou à boca do povo, nas suas variadas modalidades: terapias cognitivas, medicamentosas, instantâneas, externas e internas, budistas, evangélicas, católicas, espíritas... 
Oremos ao céu, onde vive o grande terapeuta. Sem deixar, é evidente, de dar uma espiada no shopping, pois um simples sapato novo também tem o dom de elevar nossa autoconfiança. E isso já é um passinho a mais rumo à grande felicidade que reinicia no natal e no ano novo.  

domingo, 6 de dezembro de 2009

Aos loucos portenhos e daqui

Piazzola, Ferrer, Tauã e todos aqueles que imaginam uma balada em duas (das inumeráveis que há) possibilidades






sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Viver em Tokyo e aqui

Três filmes sobre a arte de sobreviver na metrópole: Medos privados em lugares públicos (Alain Resnais - 2006), Paris (Cédric Kaplish - 2008) e Tokyo (Michel Gondry, Leos Carx e Joon-ho-Bong - 2008 - trailer no post anterior). Todos sensíveis e dignos de nota.
No primeiro, o consagrado Resnais entrecruza histórias de personagens confinados em lugares públicos, cada um às voltas com seus pequenos dramas: o garçom do bar tecno que escuta confidências amorosas de um bêbado; a funcionária recatada de um escritório que à noite vira striper de um velho tarado; a bela jovem que marca encontros secretos com desconhecidos em locais distantes... Paris é ai a cidade do gelo, da melancolia e dos desencontros.
A mesma capital da luz é,  no entanto, o palco da busca de sentido para um rapaz que descobre estar às portas da morte. Fechado em seu apartamento sombrio, ele acompanha da sacada o vai-e-vem de outras pessoas comuns, o tráfego urbano, as lojas, as casas, os amigos, a família. Assim descobre alguma poesia na cidade.
A megalópole Tókio impressiona mais. Aparece num monumental colorido arquitetônico 3D, mas logo se fragmenta em cubículos soturnos. Em três fantasias, dois cineastas franceses e um coreano falam das diferentes formas de solidão: do jovem casal à procura de moradia nos minúsculos apartamentos anunciados nos classificados; do homem-merda, habitante dos esgostos que de vez em quando vem  à tona para assustar os transeuntes; do moço sensível que opta pelo pleno isolamento social mas, percebe, por fim, que as ruas ficaram vazias porque todos em torno de si também se transformaram em kikomoris, como ele.
Nessa rapsódia (im)provável, nada do esperado naturalismo ou do terror tecnológico dejavu hollyoodiano. Da atmosfera sombria aflora um riso subterrâneo, como no caso do homem-merda terrorista. A jovem desempregada se transforma em cadeira, como num quadro surreal. O robô entregador de pizzas irrompe na realidade, sem qualquer espanto de utopia.
O cinema, que às vezes parece ter dito tudo, volta a experimentar alguma coisa de novo e a dizer o mais profundo dilema humano.  

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Aperitivo de Tokyo, o filme



isto é só uma introdução. prometo comentar no fim de semana

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Idéias fortes sob suspeita

Não é sobre o meu umbigo este post. É sobre um livro que ainda não acabei de ler e já me despertou algumas idéias. Recomendo-o, pois embora não seja uma obra-prima imprescindível, traz sabedoria em algumas das passagens: Diário de um ano ruim, de J. M. Coetzee, um romancista sul-africano branco, ganhador do Nobel em 2002, que vive hoje na Austrália.
É uma espécie de metaliteratura, característica dos tempos atuais, já que entrecruza três planos narrativos: ensaios do autor sobre questões diversas, em linguagem objetiva; pensamentos íntimos do autor e pensamentos íntimos de uma jovem filipina, contratada por ele como digitadora.
Os ensaios receberiam o título de Opiniões fortes e se destinariam a compor uma obra alemã heterodoxa sobre temas contemporâneos controversos. Ocorre que tais opiniões acabam por se chocar ao longo do livro com as reflexões cotidianas um tanto senso comum dele próprio e de sua secretária. Ele, um escritor já velho, que buscava contribuir para a humanidade com algum tipo de sabedoria, ela, portadora de um saber prático e apenas sensual. Idéia interessante e bem-resolvida, nada mais.
As suas opiniões fortes, ma non troppo, tentam dizer mais do que é dito pelo senso comum e pela subjetividade pura. Tratam de tudo um pouco: da origem do Estado, da democracia e da anarquia, de Maquiavel, do terrorismo, da Al-Qaeda, da universidade e da pedofilia, da política na Austrália e no mundo... Os ensaios da segunda parte são mais curtos e pessoais. O escritor fala do pai, de um sonho, do tédio, da vida erótica e dos livros clássicos.
Mas o que seriam tais opiniões fortes? Descobre-se no livro como é hoje difícil, senão improvável, tê-las, pois umas anulam as outras e todas devem ser objeto de dúvida. Num certo momento, Coetzee atribui à universidade a culpa da dissolvência dos valores associados à idéia de verdade: "em aulas de literatura nos Estados Unidos nos anos 1980 e 1990, nas quais eles aprenderam que a suspeita é um virtude importante da crítica, que o crítico não deve aceitar absolutamente nada por seu valor aparente. De sua exposição à teoria literária, esses graduados não muito inteligentes da academia de humanidades, em sua fase pós-modernista, depreenderam um conjunto de instrumentos analíticos que entendiam obscuramente como útil fora da sala de aula, e uma intuição de que a capacidade de afirmar que nada é o que parece ser pode levar a algum lugar".
Mesmo assim ele emite algumas idéias vigorosas, sobretudo a respeito do mundo acadêmico: "...o que as universidades sofreram durante os anos 1980 e 1990 foi bem vergonhoso, uma vez que, diante da ameaça de ver cortadas as suas verbas, elas se permitiram ser transformadas em empresas, nas quais os professores que antes conduziam suas pesquisas com soberana liberdade foram transformados em explorados funcionários obrigados a preencher cotas sob o olhar de gerentes profissionais. É muito duvidoso que os velhos poderes do professorado venham a ser restaurados". Coetzee se refere à universidade norte-americana, modelo para o mundo inteiro, e fala de cota para questionar o quinhão de pesquisa dirigida esperada de cada docente (não as cotas étnico-sociais brasileiras).
Não sei bem, mas acho que o escritor diz coisas pertinentes, malgrado expresse uma visão liberal de universidade já fora de lugar. Será que no Brasil também perdemos a capacidade de expor idéias fortes? E se isso for verdade, haverá alguma cota de "culpa" a atribuir à universidade?