sábado, 30 de janeiro de 2010

De volta ao insan(t)o

O nome do cara é MD Magno, como gosta de ser chamado Magno Machado Dias, nascido em 1938. Tem todas as credenciais acadêmicas: Psicólogo Clínico, Mestre em Comunicação, Doutor em Letras e Pós-Doutor em Comunicação (UFRJ). Começou a delirar com Jacques Lacan, de quem foi discípulo e ex-analisando. Foi também professor-Assistente do Departamento de Psicanálise da Universidade de Paris VIII (Vincennes), então dirigido por Jacques Lacan, o que demonstra que as universidades francesas aproveitam bem as idéias dos loucos, ao contrário daqui. Fundou o Colégio Freudiano do Rio de Janeiro e a UnivercidadeDeDeus, em 1998, da qual é reitor. Criou o NOVAmente, movimento de revitalização da psicanálise. Assim como seu mestre, durante vinte e dois anos realizou seu Seminário de Psicanálise (encerrado em 1998).
Suas idéias são simples, embora muito complicadas. Parte do princípio de que "os movimentos da cultura, a velocidade da tecnologia, dos meios de comunicação, da internet, de tudo o que está acontecendo por aí, e o desvigoramento das idéias supostamente fundamentadas pelo mundo estão fazendo da nossa cabeça uma nave atectônica (...) Onde me assento? Onde quiser". Tira desse pressuposto a vontade de refundar a psicanálise, sem abandonar inteiramente as teorias e de Freud e Lacan. Delas descarta alguns conceitos, por exemplo o complexo de édipo.
Mas reformula outros, dando-lhes centralidade. É o caso de pulsão (trieb), que dizia respeito "às zonas erotizadas ou erógenas do corpo, com um circuito muito pequeno de partida e de chegada: tesões localizáveis por algo que alguma esfregação arruma, seja na boca ou alhures, e que tinham percurso, objeto, alvo, etc.". Magno amplia este conceito ao extremo, tornando o tesão um movimento que se observa aonde se vá na face do planeta. Para chegar a esta conclusão, recorre à física quântica, à música atonal, às artes não-clássicas, do mesmo modo que Freud recorreu aos mitos, à antropologia e à químico-física de sua época, ou Lacan à linguística e à filosofia.
Quem tiver paciência para seguir seu pensamento, basta assistir às gravações dos seminários em que ele explica os fundamentos do revirão, sua principal teoria (deixo abaixo uma mostra). Tal palavrão designa o funcionamento do psiquismo (o inconsciente), que só o animal humano possui. É o princípio de catoptria, pelo qual tudo o que vem à nossa mente propõe também o seu avesso, dai nosso perene desassossego. Vaca não tem, nem cachorro ou galinha. Apesar disso, temos freios que nos recalcam, especialmente nossa carcaça macaca. E por ai vai seu raciocício, seguindo a veia um tanto paródica, chanchadista, antropofágica, sem pudor ou respeito.
Gosto disso, ainda que o seu delírio beire o carnaval de Joazinho Trinta, personagem que, aliás, ele admira. E que o leva até a propor uma inusitada interpretação (metapsicológica, ao estilo freudiano) para a identidade brasileira, inclusive no seu aspecto político. Não tão inusitada assim. Gilberto Freyre, Oswald de Andrade, Darcy Ribeiro e os tropicalistas também já a haviam buscado. Segundo o psicanalista, o Brasil é um país maneiro (e não de origem barroca), e com este jeitinho particular (no bom sentido) tem o tesão de um governo diferocrático, e não copiadamente democrático.
Seria Lula o anjo anunciador, embora ele tenha pensado essas bobagens ainda nos tempos fhc? Talvez, pois sua idéia é a de que os brasileiros querem um governo jeitoso, malandro, bondoso, paidoso, mas nunca jesuítico ou positivístico. Com aquelas características chamadas de populistas e condenadas pelos intelectuais líbero-democráticos da USP, à frente o príncipe Fernando. 
Concordo em parte com tal asneira e foi por isso que lamentei a perda de oportunidade do terceiro mandato. Agora inês é morta. Voltaremos ao império religioso (ou positivista).

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Ficção chuvosa paulistana

Qual o melhor cenário para a São Paulo chuvosa destes dias? Deixo aqui duas alternativas, mas se quiserem, podem também sugerir outras. O reservatório das artes, assim como o da natureza, transborda de possibilidades.


quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A san(t)idade dos insanos

Sempre aparece um maluco-beleza para nos tirar do prumo. E é preciso levá-los a sério, pois eles têm a capacidade de provocar o impensado. Alguns formam escolas, deixam herdeiros; a maioria dos outros permanece no escuro e só uns poucos deles vem à luz postumamente pelas mãos dos insanos do futuro.
Este que cito aqui já é um pouco conhecido em pequenos círculos institucionais, mas ainda conserva certo brilho maldito. Velho de guerra, pretende construir uma nova arquitetura teórica para explicar a subjetividade ou o psiquismo que distingue nossa espécie. E o interessante é que ele brasileiriza conceitos retirados de Freud e de Lacan num carnaval colorido e sensual. Pulsão, por exemplo, passa a ser tesão, palavra bem mais significativa e popular.
Ainda não vou dizer o seu nome para evitar juízos prevenidos. Aliás, não importam os nomes, mas sim as idéias. Ainda mais na época da boa pirataria em que vivemos. No próximo post darei mais detalhes sobre tal figura. Por enquanto, transcrevo um trecho da sua obra. Este é o cara:

"O movimento da Pulsão é de Haver para não-Haver. Isso esbarra e retorna e fica girando eternamente dentro do mesmo príncípio pulsional: Haver quer não-Haver, não consegue, retorna, continua a ser Haver querendo não-Haver, não consegue, retorna e continua...eternamente (...).
É claro que tudo muda aí dentro, mas há o vetor de Haver para não-Haver. Escrevi não-Haver do lado de fora, para nos orientarmos, é claro que de maneira um pouco tola, pois não há não-Haver lá fora, nem dentro nem em lugar algum. E, no movimento em que queremos vetorialmente alcançar o não-Haver, o que há entre o Haver e o não-Haver? O que acontece ai? Quando fazemos um esforço muito grande de aproximar o transcendente que não há, exasperamos todas as nossas condições. Pedimos por algo que esteja completamente fora e que possa reorganizar todas as nossas dores, prazeres, sabores, i.e., reorganizar e justificar o próprio empuxo da transcendência. Então, a coisa mais espontânea é que a humanidade, sem um teorema adequado - como este, por exemplo -, imaginasse esse lugar de exasperação e lá pusesse algo. Por isso escrevo ali: Há-Deus. Ou seja, podem tirar o cavalinho da chuva, pois não há nada ai - Adeus! (...) É a esse lugar de desistência da última instância favorável  que, quando estamos exasperados, podemos recorrer - e recorremos (na verdade, estamos recorrendo à nossa hiperdeterminação)...
Vivemos, assim, numa perene movimentação em Revirão. Tentamos tirar o pé da lama com o movimento de hiperdeterminação, que nos propicia algumas criações artísticas, poéticas, científicas, filosóficas, místicas, sendo esta a condição da nossa espécie".


terça-feira, 26 de janeiro de 2010

São Paulo aos 456 anos: Kassab, a degradação

Definitivamente, a metrópole dos paulistas não tem tido muita sorte no que tange aos seus governantes das últimas décadas. Mas já passou, tempos atrás, por prefeitos empreendedores e modernos, que expressavam bem o espírito da burguesia cafeeira.
Diga-se lá o que se quiser dos seus modos e obras elitistas - e como historiador sou um dos que dizem -, eles deixaram registradas na história as marcas do orgulho regional: o Teatro Municipal, o Edifício Martinelli, o Anhangabau, o Museu Paulista, o Ibirapuera, a USP, o Monumento das Bandeiras... Washington Luís, presidente destronado da velha República oligárquica, foi um desses nomes mais expressivos. À altura de São Paulo - como falavam com empáfia os industriais e fazendeiros.
A cidade ainda mantinha seu charme na década de 1950, quando comemorou o quarto centenário, e continuava a ser administrada por membros da antiga elite. Enquanto isso, novas gerações de políticos arrivistas iniciavam suas carreiras. O histriônico Jânio Quadros, entre outros. Também o governo do Estado já não era mais controlado pelos velhos bacharéis. Estava nas mãos de figuras grosseiras e inescrupulosas, como Ademar de Barros. 
Anos 70. Maluf seria o inaugurador e o principal representante da safra recente de prefeitos eternamente carimbados com o selo da corrupção. Nomeado pelos generais da ditadura, deixou, igualmente, seus sinais impregnados na capital bandeirante. O mais sórdido deles é o Minhocão, que mesmo se um dia deixar de ser usado para a circulação de carros, deveria ser mantido de pé como memória da vilania.
Os governos de Luiza Erundina e Marta Suplicy foram intervalos de esperança numa sequência de desolação política. Com suas políticas sociais, ousaram ver além do horizonte elitista do passado remoto e dos interesses desavergonhados dos seus herdeiros. Mas foram vencidas por eles e por toda uma rede midiátia oportunista. Viriam Pita, o impoluto Serra e, finalmente, Kassab.
Aos 456 anos, São Paulo não merece um Kassab, ou melhor, Kassab não merece uma São Paulo. Cidade complexa demais para um anão político sem idéias ou propostas renovadoras, incapaz até de administrar o seu dia-a-dia. Basta ver o lixo espalhado pelas ruas, os sem-teto abandonados nos viadutos, os drogaditos em bandos pelo centro... basta. Kassab é a expressão mais acabada do que restou do oportunismo e da máquina clientelista dos demos, nada mais. Incapaz até mesmo de deixar um monumento que lembre o seu nome, mesmo que fosse um horrendo minhocão.

domingo, 24 de janeiro de 2010

O terceiro mandato que escorreu pelas mãos

Franklin D. Roosevelt permaneceu na Casa Branca de 1933 a 1945, tendo exercido quatro mandatos de presidente da república. O último não foi concluído, pois morreu no ano seguinte à reeleição. Só depois foi estabelecida a 22a. Emenda, que impede mais de dois mandatos para o governo dos Estados Unidos.
A sociedade norte-americana confiou em Roosevelt para enfrentar um período turbulento, marcado pela grande depressão econômica e pela entrada do país na Segunda Guerra Mundial. Épocas difíceis demandam líderes à altura.
Foi o que também ocorreu na França do pós-guerra, país destroçado pela ocupação alemã e politicamente fragilizado. Charles de Gaulle, que comandara a resistência durante o conflito bélico, chefiou o governo provisório até 1946 e, depois, em 1959, quando ainda havia sérios problemas a resolver, foi chamado a formar um novo governo.
A Assembléia Nacional garantiu amplos poderes ao presidente, que lhe possibilitaram negociar com a Frente de Libertação da Argélia e reconhecer a independência daquela colônia. O general permaneceu no governo até 1969, ano em que renunciou, já então debilitado politicamente diante dos novos desafios do movimento estudantil e operário.
Dois exemplos de longos governos em países civilizados, democráticos e modernos. Mas por que falar disso agora?
Simplesmente para ser inoportuno e lembrar da possibilidade de um terceiro mandato de Lula que, infelizmente, escorreu pelos nossos dedos. OK, temos Dilma como candidata, cerraremos fileira em torno do seu nome, mas o fato é que deixamos escapar a oportunidade histórica de aprofundar reformas profundas que só podem ser realizadas sob liderança inequívoca. E que exigiriam um novo congresso, previamente regulamentado por uma assembléia constituinte legitimamente eleita pelo voto popular.
A verdade é que fomos medrosos e sucumbimos à força do discurso neoliberal. Criou-se o fantasma de uma ditadura chavista caricatural, ameaçou-se com a ressureição dos velhos ditadores latino-americanos ou dos truculentos chefes africanos. Apelou-se a um modelo petrificado de democracia, ignorando-se as criações democráticas da Grécia à Revolução Francesa. E nem ousemos ir adiante na história em direção a outras alternativas democráticas hoje excomungadas.
Como se um plebiscito não fosse democrático. Como se um governo com mais de 80% de popularidade, reconhecido por ter iniciado a era da reforma nacional, não pudesse ser escolhido pela população para dar continuidade ao seu projeto apoiado na base da sociedade.
Pairou no ar a ameaça dos setores conservadores, incapazes de propor algo de novo. Não só da velha direita, como também da socialdemocracia, definitivamente apartada do social, e dos ressentidos herdeiros do comunismo, defensores da democracia como valor universal - mera retórica para a defesa da ordem democrática abstrata, liberal, elitista e corrupta que temos.
Dirão que não vivemos a conjuntura de uma crise econômica estrutural, que não estivemos em guerra e nem sofremos ocupação de tropas estrangeiras. O que dizer da guerra civil que enfrentamos cotidianamente, da guerra contra o tráfico e da condição miserável de boa parte da população que ainda não foi superada?
Dirão outros que não há, ou não havia, correlação favorável de forças, argumento do qual duvido. As contemporizações do governo diante das reações ao plano nacional de direitos humanos demonstram que as tradicionais estratégias de conciliação ainda persistem entre nós. E que entregar os anéis pode ser o primeiro passo em falso para entregar as próprias mãos. 

sábado, 23 de janeiro de 2010

Últimas notícias da Europa

No avião, em viagem de volta, e antes de me defrontar outra vez com os nossos problemas essenciais, ainda tento sintetizar mentalmente as questões políticas que percebi como as cruciais vividas hoje na França e na Espanha. Talvez em boa parte da Europa.
Os jornais distribuídos na entrada da aeronave possibilitam essa reflexão, além de serem boa distração para as longas 12 horas de jornada pela frente. Leio A Vanguardia, um periódico que, de cara, se distingue da nossa grande imprensa (tema a ser tratado em breve). A cada página que se abre, dois ou três artigos de opinião sobre um mesmo assunto estratégico, todos assinados, densos, analíticos. Nada da ligeireza das matérias que vemos por aqui: a maioria apelativas e curtas, apócrifas, denuncistas, alarmistas, espetaculares.
O tema do momento é, como já disse noutras postagens, o impacto da imigração. Tahar ben Jelloun - o nome indica sua procedência - resume bem a atual paisagem humana européia:
Lo cierto es que el paisaje humano de la nueva Europa varía a diario. Basta mirar en las calles de Paris, Londres, Frankfurt o Turín. La mezcla es visible. El blanco ya no es el único representante de la civilización occidental. El efecto de numerosas y diversas inmigraciones, algunas delas cuales ya están estructuralmente instaladas en el país, es evidente. El mestizaje avanza, la cultura se enriquece com aportaciones nuevas, ya sea en la música, la literatura o la gastronomía. La imigración ha entrado en una nueva etapa. Ya no estamos en aquellos tiempos de la llegada de campesinos analfabetos de las montañas de Marruecos o da Argelia. En suelo europeu se han producido reagrupamentos familiares y nuevos nacimientos.
Tem razão o articulista. A mestiçagem avança rapidamente, pelo que se vê nas ruas e nos metrôs: vários casais formados por louras e negros, e não o contrário, grande número de europeus em restaurantes árabes, chineses e da África profunda. Descontada, é claro, a inconfiabilidade das informações baseadas em impressões, parece se tratar de uma tendência crescente.
Mas o que se passa espontaneamente na vida social - a integração - recebe respostas inteiramente contrárias nas políticas dos estados. O ministro francês para a Imigração e a Identidade Nacional, Eric Besson, lançou exatamente nesse contexto um grande debate nacional orientado por três perguntas:
Que significa ser francês?, O fato de pertencer a uma comunidade de língua, cultura e de religião? Ou bem ter nascido no mesmo país embora seja de pais estrangeiros?
Para que servirá isso? Como responde Tahar ben Jellou, trata-se de um debate inútil e estúpido, formulado a partir de conceitos anacrônicos de raça, que sequer encontra ressonância entre os franceses brancos.
Algo semelhante e até mais perigoso também ocorre em Vic, uma pequena cidade da região da Catalunha. O governo local pretende implantar uma medida que nega o padrón aos imigrantes sin papeles. Padrón é o registro obrigatório para residir nas cidades, até mesmo quando se muda de uma rua para outra. Obtido nas sedes das prefeituras, representa o que há de mais obsoleto no âmbito da burocracia, herdado da ditadura franquista.
Para os imigrantes ilegais (25% da população), muitos deles habitantes de Vic há décadas, quando a indústria local era florescente e eles contribuíam para o bem-estar econômico da cidade com seus baixos salários, a proibição equivale ao desterro. Por isso se mobilizam para derrubar a lei.
A crise econômica estimula debates e leis xenófobas e racistas como estas. As opiniões expressas nos jornais, assim como os depoimentos das pessoas comuns das cidades envolvidas, demonstram no entanto a ineficácia de tais iniciativas. A despeito de certo preconceito étnico presente na linguagem cotidiana e da rivalidade em torno dos postos de trabalho cada vez em menor número, a realidade social e cultural caminha em outra direção.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Yes, nós (também) temos tragédias

Desde que voltei e senti o bafo do nosso calor tropical, estou como que paralisado. Minhas impertinências teimam em se manifestar, o blog me espera para isso, mas sou impedido por uma resistência do tipo "não vale a pena".
A coisa já começou quando saí do aeroporto de Guarulhos sob uma persistente chuva e percorri a imensa marginal do Tietê em obras para a construção de mais uma pista. Cacete, outra pista que não resolverá o problema do trânsito caótico, extermínirá os pequenos canteiros de grama sobreviventes, ampliará a impermeabilização do solo, incentivará ainda mais a circulação de carros e caminhões.
E a coisa continuou ao chegar na Rio Preto aturdida por uma enchente colossal que levantou calçadas das avenidas, inundou a baixada da rodoviária e matou gente.
Ainda sob o impacto do terremoto do Haiti, ao qual não ousei me referir para não acrescentar mais miséria à miséria demasiada, eis-me perante nossas pequenas tragédias cotidianas: enchentes, deslizamentos de morros e casas, afogamentos... Yes, nós também temos tragédias.
Não... não estou sob efeito de algum deslumbramento com as belezas do velho mundo a olhar o brazilzão de cima com nojo, conforme o elitismo tradicional. Nada disso, pois vi de perto por lá as agruras dos imigrantes ilegais e a falta de alternativa para a crise econômica crônica. 
O que me paraliza, o que me incomoda aqui é o horizonte limitado da nossa burguesiazinha imediatista, da nossa intelectualidadezinha puxa-saco, que sempre arrotam civilidades e modernidades, mas se negam a pensar a médio e longo prazo.
Debitar as enchentes na conta do aquecimento global é, no mínimo, tapar a vista para a falta de idéias, de planejamento, ou mascarar interesses vis e óbvios.
Desde que a terra é terra o Tietê periodicamente alaga suas margens e as continuará alagando  por séculos e séculos. E desde que se formaram estas terras do interior paulista, seus córregos necessitam de leitos largos para dar vazão às águas. Já por volta de 1967 uma grande chuva alagou as partes baixas de Rio Preto, então ocupadas por velhos casarios e armazéns decadentes, antes que fossem substituídos pela Praça Incívica da ditadura, torpeza e feíura que não serve a nada e a ninguém.
O que dizer das avenidas riopretenses, estabelecidas nos declives sobre córregos canalizados para o desfile dos carros de uns poucos abastados na cidade que tinha, no máximo, cem mil habitantes? Que ainda não ostentava os imensos bairros periféricos de agora, habitados por milhares de pessoas que também precisam circular para o trabalho em suas motos e carros baratos?
Se há algo da civilidade que não aprendemos e ainda demoraremos muito para aprender é planejar uma infraestrutura urbana para facilitar a vida dos cidadãos. Aquilo que volta e meia se diz nos jornais mas não se faz: transporte coletivo eficiente, trens, metrôs e ônibus que possam circular em faixas próprias, servindo todas as partes das cidades, da periferia ao centro e vice-versa. Sem luxo: os metrôs de Paris e Madri são antigos, simples e feios. As estações são cavernosas e têm poucas escadas rolantes. No entanto, os trens funcionam muito bem, cumprem o horário previsto e informam ao usuário exatamente quando chegam.
Para que isso fosse possível, porém, houve uma revolução (burguesa) que estabeleceu os princípios de cidadania hoje ainda vigentes, dos quais até os imigrantes se beneficiam e não abrem mão. Liberdade, igualdade, fraternidade - valores iniciados com a queda da Bastilha e expandidos com Napoleão pela Europa. Cidadãos são todos e têm os mesmos direitos.
Foi o que não tivemos, dai a permanência dessa burguesiazinha expoliadora e ostentatória com seu séquito de peruas e perus da classe média fresca e fútil, alimentada ainda pelas idéias de uma intelectualidadezinha arrivista. Burguesiazinha que gosta de mostrar seus belos e possantes carros conduzidos pelo som da música sertaneja quando vai ao shopping americanizado.
Não vale chorar o leite derramado. Para os que são contra, como eu, o que importa é ir às últimas consequências. Superar a paralisia. E não conciliar diante do ranger de dentes daqueles que querem manter essa ordem de coisas.
2010 será o ano do teste.    


terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Um gato na Barcelona dos anos 60

Aqui encerro este ciclo barcelonês com uma lembrança de Xavier Patricio Pérez Álvares (1951-1990), ou simplesmente Gato Pérez, que nasceu na Argentina, desembarcou na cidade em 1966 e ali participou da renovação da música catalã. Ficou conhecido como o criador da rumba catalana.
Cidade ainda pequena na fase final da ditadura franquista, Barcelona era o palco de uma explosão de liberdade, que se manifestava na experimentação artística, particularmente musical. O músico ali se estabeleceu e, junto com outros artistas de naturalidade variada, contribuiu para a ebulição cultural que perduraria até a metade da década de 1970.
A cultura era marcada, naqueles anos, pelos alentos utópicos que também sopravam noutros países. Barcelona vivia o cosmopolitismo e a boemia numa Espanha ainda fechada e retrógrada. Influências do jazz, do rock e dos ritmos latinos, caribenhos ou do norte da África estavam presentes. E tudo se fundia aos sons tradicionais espanhóis e catalães. Vem dessa época o mito da cidade aberta e tolerante, hoje explorado para turista ver e consumir.
A Rumba dels 60s, de Gato Pèrez, que deixo aqui como regalo de viagem, expressa bem tal sincretismo e o sonho de liberdade que seriam depois substituídos pela cultura de plástico dos nossos dias.
Atentem para a letra da canção em catalão - língua que transita entre o português e o espanhol.
Aumentem o som até o último indicador, conectem o notebook a um amplificador superpotente, abram as janelas e deixem esta música purificar e entorpecer o mundo. Que se fodam os vizinhos.




Economia dos fogos de artifício

Há quem chame de capitalismo cultural o novo tipo de economia característico dos tempos presentes. O nome não é sem razão, sobretudo, para vários lugares da Europa. É o que predominará daqui em diante mundo afora?
Barcelona dá bem o exemplo disso. Dizem que a história da cidade se divide em dois momentos: antes e depois das Olimpíadas de 1992, idéia confirmada pelos próprios cidadãos dali.
Tendo se desenvolvido no século XX à sombra da indústria textil, que já dava sinais de esgotamento em fins da década de 1980, foi nos preparativos do grande evento esportivo que a urbe recebeu grandes investimentos que a projetariam para o futuro. Desde então considerada modelo para todas as cidades pretendentes a sediar os jogos, Barcelona teria mudado da água para o vinho.
Com um planejamento primoroso e grana nacional/internacional, os catalãos renovaram sua parte antiga e toda a área do porto. Além disso, construiram as grandes rondas viárias e expandiram a rede do metrô.
Ainda hoje os efeitos dessa modernização e do atento cuidado urbano estão presentes. Passou de cidade industrial a cidade de serviços com foco principal no turismo e no marketing cultural. E por isso extretamemente cara não só para turistas, como também para a população local, quanto mais para o contingente de imigrantes, alguns deles brasileiros que conheci de perto.
Os fogos de artifício do show de inauguração das Olimpíadas - que Freedy Mercury não chegou a ver, pois morrera um ano antes, deixando gravado em parceria com Monserratt o hino paragmático Barcelona, Barcelona - seriam desde então a marca apoteótica do novo capitalismo. 
Sobreviverá esse modelo? A crescente crise econômica européia mostra que são necessárias novas alternativas. Apesar disso, diversas cidades da Catalunha e de outras partes da Espanha têm procurado explorar a culturalidade como base da economia. E não só no país das touradas. Os foguetes de pólvora se estendem pela França, pela Itália e agora também pela Turkya, que têm de se mostrar moderna para os tecnoculturais governos da União Européia. Istambul será a capital européia da cultura em 2010, buscando com isto angariar fundos para reengrenar a máquina dos negócios.
A expectativa é que no Brasil também possamos nos reanimar ainda mais com a grande bolha esportiva da década que começa. Tomara que, ao menos, sigamos o exemplo das cidades européias que sempre pensaram a infra-estrutura urbana como bem público (lembremos do excelente metrô parisiense).
O problema é que as reservas de culturalidade, embora profusas e propícias a numerosas recriações e reciclagens, podem perder seu potencial simulatório pela concorrência desenfreada dos mercados vizinhos. Os governantes-animadores culturais de todos os continentes também já aprenderam a receita de como faturar com os espetáculos.
Trata-se de uma economia efêmera por natureza. Nós, que ainda a temos (a natureza) para produzir coisas de comer, vestir, se abrigar, trabalhar e locomover, devemos estar sempre de sobreaviso no globo que nos cerca. Pois quando acabarem os recursos da superestrutura cultural, será para a nossa Amazônia, o nosso Pantanal e o nosso cerrado que a elite econômica e civilizadamente cultural olhará com cobiça.
O que não se deve esperar para o futuro. Assim como os missionários e os aventureiros do século XIX abriram (inocentemente) o caminho para o imperialismo, os olhos de inveja das ONGs internacionais, com seu discurso lacrimoso de crocodilos, preparam o terreno para a aterrisagem dos famintos de comida de fato, e não da comida culturalmente simulada.
E para a sua recepção triunfal ainda contarão com os aplausos da Marina da floresta e do Serra da selva de pedra. Que Lula permaneça na tocaia, mesmo que de vez em quando tenha de soltar alguns rojões e botar algum Freedy vivo para cantar na apoteose olímpica. Evento que pode ser estratégico para atrair capitais, mas será apenas de ocasião para nosso continente sustentado em enonomia real.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Barcelona, Barcelona, ópera, épica, plástico: a miracle sensation

Barcelona, Madri, Paris.... Sao Paulo. O que têm de próprio e de comum para além das suas vozes e das suas matérias inanimadas?
Sarkozy deseja uma França idêntica, mas a burka desafia esse mesmo. Nem a coroa de Juan Carlos impera soberana na ficçao espanhola.
Haverá o único Brasil?
E a mundialidade moderna?
Fora do circuito promocional em que se transformou toda economia, toda sociedade, toda cultura, toda humanidade?
Das celebraçoes olímpicas? Dos fogos de artifício da bolha capitalista?
Continuemos a soprá-la, enquanto o Haiti condena a megalomania global.
E ainda assim, Barcelona, Barcelona, salva pelo som/ho de supermercado das classes médias e das massas. E ainda assim, ópera-mundi, arte-pop dos plásticos, das latas e do lixo limpo dos blogs.

Barcelona, Barcelona

 
Barcelona - MUSICA.COM

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Saura, dança, música





Barcelona, outra vez. Música e dança para vocês. Palavras desnecessárias

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Paris está em chamas?

Última noite em Paris. Espírito histórico-antropológico, nao há como escapar de uma espécie de conclusao.
Cidade monumentalmente napoleônica, degoleônica. Arcotriunfalística, notredâmica, louvrescamente pirata.
Mas nao é a grande torre que vejo, e sim, as pequenas eifells dependuradas nos braços dos ambulantes negros. E nem o panthéon sagrado, mas o buda humano coberto de plástico dourado, tiritando de frio para as fotografias dos japoneses. 
Tampouco os bistrôs recheados de noveau-riches dandidecadentes, no seu lugar, o harlem de monmartre, a nigéria paquistanesa. Os sans-papiers.
Muito menos a monalisa minúscula diante da qual as famílias posam para seus albuns virtuais.
Vejo, isto sim, a paris da igualdade e da fraternidade congeladas, na expectativa de outro 1848, outro 1789, outro 1968. Da resistência e da ardência.
Por sinal, me veio à mente o título de um filme que vi muito tempo atrás, magnificamente roteirizado por figuras como Gore Vidal e Coppola, entre outros. Produzido em 1966,  conta a história dos últimos dias da ocupaçao alema e termina com a voz de um Hitler enlouquecido a gritar ao telefone, quando os aliados já ocupavam a cidade: Paris brule-t-il?



segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

As rosquinhas de Sainte Geneviève





Nos arredores da Sorbonne, em busca dos paralelepídos rebeldes de 1968, encontro o inesperado: uma procissao católica.
As igrejas sao os poucos lugares públicos em que se pode entrar gratuitamente, pelo menos por enquanto. Além disso, servem também para se abrigar do frio. Sobreviventes de 1789 e de 1968.
Alcanço por acaso a de Saint Geneviève, um templo pequeno se comparado com a Notre Dame. Mas era exatamente ali que se rezava uma missa em honra da patrona de Paris. O cardeal da cidade realiza os ritos na nave lotada. Os cantos religiosos ressoam de ponta a ponta. Os fiéis sao de uma classe média que inclui parte da populaçao negra já integrada e aceita.
A todo 11 de janeiro, descubro depois, sai a procissao com o andor de Sainte Geneviève, precedido de estandartes e numerosos círios. O desfile desce pelas ruas do bairro e durante o trajeto as senhoras católicas carregam cestos com roscas. Tudo em memória da santa que distribuía pao aos pobres de Paris.
Como nao há famintos por ali, as rosquinhas sao consumidas pelos próprios romeiros ou pelos raros turistas que se encontram nas esquinas. No meio da multidao, eu mesmo provo dessas delícias.
Descobri um meio para me alimentar de graça. Nas próximas viagens levarei em conta o calendário das festas religiosas. Nada como a caridade crista para com os turistas.

Em tempo: por ironia, nao pude ilustrar com imagens a manifestaçao dos sans-papiers. Em compensaçao, fiz vários retratos da procissao. Eis alguns:








sábado, 9 de janeiro de 2010

Les sans-papiers: a revoluçao francesa continua

Decidi: nao vou ao Louvre. Prefiro adorar sua arte sagrada pela internet sem pagar um euro a mais. Em vez disso, seguirei a manifestaçao dos sans-papiers, hoje.
O ponto de partida é a rue Baudelique, de onde sairá a passeata organizada pelo Ministere de la regularisation de tous les sans-papiers. A palavra ministério, neste contexto, nao significa iniciativa estatal. Trata-se de uma organizaçao de natureza sindical. O lema do movimento é: "J'y suis, j'y reste. Je ne partirais pas".
Nao entendo porque turistas e historiadores culturais cultuem tanto a morte. Ao contrário deles, a vida me atrai, a história em conexao com o presente, a arte das ruas, as barricadas atuais, os miseráveis contemporâneos, os mistérios de agora, os subterrâneos da Paris em 2010.
Gosto, evidente, de Victor Hugo, Eugene Sue e de Bauderaire, assim como aprecio Leonardo da Vince e Renoir, mas desde que me sirvam de inspiraçao para viver a vida em seu transcurso real. E nao viver a vida de Manoel Carlos.
Que pena! Justamente quando as tribos africanas sem lenço e sem documento se concentravam às portas da nova bastilha, a bateria do celular descarregou. Nao pude fotografar a manifestaçao que seguirá aqui sem imagens.
Tolice. As palavras podem ser mais eloquentes.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Euráfrica



Monmartre, o velho bairro boêmio é agora uma cidadela negra. Edth Piafs africanas circulam pelas ruas com suas crianças penduradas nas costas. Sao também daquele continente os garçons, os carregadores de móveis, os empregados dos hotéis e os serviçais em geral.
A maioria é proveniente das antigas colônias francesas, mas há também muitos de outras naçoes. Por toda parte há bares especializados em comida africana barata, em competiçao com os botecos turcos, indianos, paquistaneses e chineses.
Numa garagem deteriorada da rue Baudelique funciona a central de resistência dos trabalhadores ilegais. As paredes estampam cartazes de emprego, de mobilizaçoes e de orientaçoes para a permanência no país. Ali dormem os desalojados, ali eles cozinham e organizam o espaço coletivo.
O turista nao mais encontará em Monmartre o drama daquela Piaf cinematográfica, e sim uma nova miséria real, um novo um território de luta. Uma trincheira contra a política de expulsao dos imigrantes clandestinos.
A periferia tomou conta da capital em Paris, Madri, Sao Paulo e em todo mundo capitalista . O Haiti também é aqui, Caetano.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Mercadao aéreo

Ryanair é uma das principais linhas aéreas para vôos domésticos na Europa. Especializada em tarifas ditas econômicas, cobra em média 160 euros para uma ponte Madri-Paris. Convenhamos, um preço nada popular, considerando o péssimo serviço prestado. Mas tem sempre suas aeronaves lotadas, pelo menos por enquanto.
O ambiente da viagem se parece com uma feira. As pobres comissárias de bordo, antigamente glamourosas e chamadas de aeromoças, se transformaram em vendedoras ambulantes. Logo após o embarque, distribuem uma revista da companhia aérea inundada de anúncios comerciais no lugar das entrevistas e reportagens, outrora comuns nesse tipo de periódico. Há propaganda de tudo: lanches caríssimos estilo Mac, perfumes, xampus, bebida, sem falar de um imenso roteiro de eventos europeus em 2010 para o turista se programar e viajar bastante.
Volta e meia lá estao as comissárias a se esguelar no microfone sobre produtos e preços ou a empurrar seus carrinhos-mostruário de tranqueiras. O viajante incauto vez por outra ainda se engana pensando que receberá comida e bebida de graça. Que nada, os bons tempos já passaram. Aliás, algumas empresas brasileiras também já adotaram a novidade.  
Os vôos para a cidade-luz terminam em Beauvois, um aeroporto que mais parece um acampamento improvisado, distante 60 km da capital. Chega-se no meio da noite, num frio cortante, e se é despejado numa interminável fila sem teto para a compra de um bilhete de ônibus rumo ao destino. Há um só bilheteiro, além do mais, lerdo.
E lá se vai para Paris.
  

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Zapatero, Mr Bean e a crise econômica

Apesar do ano nuevo, dos turistas e da loteria do niño, só se fala em crise por aqui. As comemoraçoes do fim do anoviejo nao foram lá essas coisas. Os espanhóis talvez sejam mais contidos do que nós, de qualquer modo, poucos fogos estouraram no ar. Ouviram-se, isto sim, as badaladas (campanadas) dos sinos, típicas deste país dos carolas Fernando e Izabel.
Os turistas andam como baratas tontas pela Puerta del Sol, compram todo tipo de bagulho chinês ou colombiano, e nesse círculo vicioso pirata corre o comércio. Mas as filas da loteria estatal deram voltas: os nativos anseiam pelo milhao de euros prometido para o dia dos reis magos, data em que se ganha e dá presentes. Quem sabe alguém ganhe.

O desemprego é uma ameaça constante para espanhóis e, principalmente, estrangeiros. Quase dois mil imigrantes sem trabalho, mas beneficiários do Paro (seguro-desemprego espanhol) já aceitaram participar do Plano de Retorno Voluntário do Ministério do Trabalho aos seus países de origem. O governo já gastou 52 milhoes de euros para financiar as viagens.
Enquanto isso, Zapatero assume a presidência da Comunidade Européia. Com que planos? Segundo o El Mundo, se o primeiro ministro aplicar ao continente a política que até agora adotou nacionalmente, virá por ai um desastre. As metas sao vagas: ampliar os postos de trabalho, fortalecer o mercado interno. Mas como? 
As diferenças em relaçao à nossa economia, ressalvada a enorme disparidade social do Brasil, sao flagrantes. Somos um continente, temos um mercado interno sólido, recursos naturais abundantes e indústria cada vez mais moderna. Nao é à toa que Lula seja considerado por aqui um estadista de verdade, malgrado as críticas da obtusa mídia golpista nacional.
Zapatero, ao contrário, é motivo de piada - ou broma, como eles dizem. Sintomaticamente, circula pela internet um vídeo no qual o ilustre primeiro ministro é comparado ao humorista Mr Bean. É a notícia do dia:

    

domingo, 3 de janeiro de 2010

Madri

De Barcelona a Madri sao 504 quilômetros. O trem corre a uma velocidade média de 300 km por hora. Meia noite e já se alcança a Puerta del Sol, depois de quatro breves estaçoes de metrô. Um café rápido. As ruas quase vazias pelo frio, a sujeira se parece com a do centro de Sao Paulo. Nao vejo as modernas lixeiras de Barcelona.
Amanha veracidade.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Barcelona engana...

...como todas as cidades. Mas nao por muito tempo, pois o real sempre está por perto. Passados alguns dias pelas calles quadriculadas e acépticas da classe média, eis que se chega em casa.
O imenso calçadao, próximo das vielas antigas, também está cheio de turistas com seus casacos elegantes. É exatamente à espera deles que lá estao também os mesmos tipos que se vêm nas grandes cidades brasileiras: ambulantes, ladroes, prostitutas, drogados.
E aproveito para me corrigir: igualmente estao as lanchonetes de fast food, frequentadas por jóvens que nao gostam mais da variedade alimentar. Barcelona nao difere do pop global.
Os mesmos restaurantes chineses. As mesmas estátuas humanas da Praça da Sé: um casal deitado na cama, vestido de uma roupa tingida de cobre, como convém aos monumentos inertes, observado pelos passantes em busca da diversao exótica. A diferença é que, ao invés de se derreterem de calor, congelam a um grau. Outros pintam em público os discos de vinil, transformando-os nos mesmos relógios vendidos na Barao de Itapetininga. 
Negros em grupo expoem suas bugigangas vindas da China. Nada de artesanato próprio. O oriente já dominou tanto a arte étnica popular quanto a arte industrial. O mundo é um único clichê.
O capitalismo-lumpem abrange ainda paquistaneses, romenos e colombianos. Apenas as caras mudam. E o fato de serem imigrantes. No Brasil, ele é feito de brasileiros de todas as regioes. No entanto já se abre agora aos africanos da costa atlântica e aos bolivianos. Índios e pretos como os daqui.
Num café, vi hoje um velho espanhol de boa aparência com a carteira cheia das grandes notas de euro. Salivei com vontade de tomá-la. Mim índio também quer dinheiro e civilizaçao. Invejei sem culpa.
Acontece que a crise anda brava nestas plagas, diferentemente do Brasil. Barcelona a oculta desde que foi reconfigurada para as olimpíadas. Mas ela também já chegou por aqui, garantem os taxistas. A ver.
Quando se fala em crise, sorrio como bom brasileiro neo-emergente. Exulto de patriotismo, apesar dos nossos patriotas e apátridas pobres das ruas.

Nem toda lei deve ser cumprida



Aqui quase toda gente fuma. Nas ruas e nos bares. Velhos e jovens. Bebem seu vinho ou seu café, lêem o jornal e fumam. Ninguém olha feio ou condena este pequeno vício. Apesar da lei que é igual à nossa, ou melhor, contra ela.
Nada do comportamento de rebanho que vemos em Sao Paulo. Nada da paranóia coletiva assimilada do governador vampiro, hipocondríaco e falsamente civilizado. Nada de assimilar pacificamente as normas do império morimbundo. 
Pouco se come hamburguer. Há lanches locais melhores. Nem se fala lunch ou sanduich. Tem-se nomes próprios e nao se os abandona sem mais nem menos.
É necessário preservar a variedade dos costumes. Nao se pode sucumbir à padronizaçao doentia dos que obedecem à pulsao imperial de morte. Prazeres sem arrependimento, por que nao? Sao outros os erros a corrigir: principalmente a miséria. Outras sao as doenças a combater.
Como se lê no azulejo que fotogrfei e aqui reproduzo: "Los fumadores advertimos: que las autoridades sanitarias tambien perjudicam la saude".