Juan Moravagine Carneiro, que de vez em quando passa por esta página, pede que eu sugira alguns contos para usar em aulas de História. A pergunta me fez pensar numa série de questões, por exemplo: como ensinar História na atualidade, quais as possibilidades de trabalhar com a fonte literária, se os alunos de hoje lêem Literatura ou o que lêem, e várias outras.
Pela importância do assunto, resolvi torná-lo público no blog sem consultar o próprio interessado. Espero que me desculpe por esta leviandade. Mas não quero falar aqui de forma acadêmica, como um sujeito suposto saber lacaniano, embora também já tenha redigido alguns artigos especializados a esse respeito (caso queiram consultá-los, as indicações constam do meu Lattes. Basta acessar o link ao lado).
A verdade é que não existem receitas prontas para explorar a Literatura seja na pesquisa histórica seja nas aulas de História. Cada caso é um caso. E cada um tem seu contexto. Faltou o amigo dizer, por exemplo, se leciona em escola pública ou privada, no período diurno ou noturno, se no ensino fundamental, médio ou superior, se para mulas do tráfico, camponeses colombianos, peruas daslus ou brothers do Morumbi, se a sua escola aceita inovações, se os colegas gostam de dar aulas, e até que ponto ele mesmo aceita ir adiante em seu trabalho pedagógico. Ou antipedagógico, que é o mais apreciável e recomendável.
Não seria difícil fazer uma lista de contos e de autores que contribuam para a compreensão histórica. Todo ano sai uma relação desse tipo nos jornais. É só misturar (no que tange aos nacionais) um pouquinho de clássicos com outros modernos: uma pitadinha de Alencar, Machado de Assis, uma porção de Monteiro Lobato, Mário de Andrade, uns pingos de Rubem Fonseca. O que não adiantará nada. Os alunos continuarão a detestar História e, principalmente, Literatura. Caso leiam, será apenas para participar do vestibular. É isso o que o amigo quer? Eu não.
Ouve-se de todo lado que a molecada atual não lê romances, poesia nem livros de História. Disso reclamam professores, pais, dirigentes e a mídia entendida. Pois vou confessar uma coisa: no lugar deles eu também não leria. Não é à força da palavra pedagógica e moral que se aprende a gostar dessa modalidade de textos. Literatura e História pressupõem uma escola poetizada, aulas literalizadas, professores apaixonantes. As nossas escolas, as nossas aulas, os nossos currículos, os nossos professores (sempre há exceções, como o inspirador deste texto) vivem à margem disso. Nossa escola já faliu há muito tempo, sinto muito.
Meus filhos, quando pequenos, diziam que as professoras de português (nada de machismo: no caso deles eram mulheres, mas também poderiam ser homens) julgavam os alunos imbecis: pediam que eles lessem estorinhas de estrelinhas do céu, de tartaruginhas ecológicas e menininhas de vestido azul.... As santas professoras mal sabiam que seus pupilos já tinham visto sexo ao vivo no computador, e se sabiam, desejavam reenviá-los à pureza infantil prefreudiana. Já adolescentes e críticos, minhas crianças ainda não se conformavam com a obrigação de aguentar as frases solenes de Peri e Ceci, tão inverossímeis, e as descrições altaneiras do faroeste colonial brasileiro.
Não será por decreto que teens desse tipo, nascidos do útero frenético do computador e amamentados por games e videoclipes, apreciarão os intermináveis devaneios literários de outrora. Dirão vocês que eles não são a regra, tudo bem, mas como é que se poderia também esperar, num outro hipotético e contrastante contexto social, que uma adolescente favelada, futura modelo-chuteira, dançante do créu, leia Machado de Assis, Camões, Grande Sertão Veredas, Dostoiévsky? A não ser que se imagine haver, perdido em alguma selva amazônica, algum índio puro e desimperializado do globo rural. Afora, evidentemente, a paradigmática cabocla Marina Silva.
Mas tem solução se considerarmos a média da nossa clientela escolar. Eu usaria uma estratégia de choque. Levaria os alunos para bem longe da escola, talvez a um salão improvisado de teatro, e desenvolveria com eles numerosos exercícios de distanciamento, sem consulta à internet exceto quando absolutamente indispensável. Criaria uma espécie de big brother às avessas, pois sem público. Todos viveriam experiências cênicas de incorporação de ambientes e personagens distantes da vida presente: sem televisão, computador, geladeira, luz elétrica, hamburguer, leite de saquinho, celular, sofá, mamãe e papai. Experimentariam o silêncio do mundo prémoderno, a escuridão das noites de tochas, a solidão do ser desglobalizado.
Só no final dessa vivência cênicocorpórea eu voltaria a propor a leitura dos textos. É provável que, ao fim e ao cabo, apenas dois dos quarenta alunos passem a gostar de Alencar. O que, sem dúvida, é bastante compreensível no que respeita ao escritor cearense. Mas, se pelo menos um desse conjunto decidir sair do simulacro do real e viver teatralmente a ficção da vida, então terá valido a pena a experiência.