sábado, 31 de julho de 2010

Pensamento de esquerda, multiculturalismo, diversidade, estudos culturais

Vai aqui outro (longo) trecho da entrevista com Slavo Zizek, o polêmico sociológo esloveno. Nesta parte, ele apresenta algumas questões cruciais para a esquerda anticapitalista e critica com veemência as idéias do multiculturalismo vindas do império norte-americano. Vale a pena ler:

"A vitimização universal não é simplesmente universal no sentido de uma lógica generalizada da vitimização. Considero absolutamente crucial distinguir dois níveis. De um lado, temos o discurso de vitimiza~ção da alta classe média das nossas sociedades. Essa é a lógica narcísica de qualquer outra coisa que o Outro lhe faça é uma ameaça pontencial. É a lógica do assédio: o tempo todo, somos vítimas potenciais do assédio verbal, do assédio sexual, da violência, do fumo, da obesidade - uma eterna ameaça (...).
Por outro lado, temos as catástrofes do Terceiro Mundo - ou, mesmo entre nós, os sem-teto e os excluídos. Só que ai existe uma distância invisível. Eles também são vítimas, mas a maneira pela qual são interpretados como vítimas tem sempre a dimensão adicional destinada a impedir que se transformem em agentes ativos - a idéia, portanto, é que devemos empenhar-nos em exercícios humanitários. A representação básica das catástrofes do Terceiro Mundo, por exemplo, dá-se tipicamente, em termos da manutenção de uma distância em relação a elas: essas coisas não acontecem aqui ou conosco. Portanto, a verdade da vitimologia é essa cisão. Acho simplesmente humilhante dizer que essa vitimologia do assédio sexual da alta classe média, da enunciação de comentários racistas etc., pode ser colocada no mesmo nível do sofrimento pavoroso das vítimas do Terceiro Mundo. E, ao manter essa distância, o discurso predominante da vitimologia funciona precisamente no sentido de impedir qualquer solidariedade verdadeira com as vítimas do Terceiro Mundo.
É também nisso que vejo um problema nos projetos dos estudos culturais. Para ser ligeiramente cínico, eu diria que, ao lermos os textos dos estudos culturais, temos a impressão de que o assédio sexual, as observações homofóbicas e coisas similares são os grandes problemas dos dias de hoje. Mas, na verdade, esses são os problemas da alta classe média norte-americana. Portanto, creio que devemos correr o risco de romper com o que constitui um tabu contemporâneo e dizer claramente que nenhuma dessas lutas - contra o assédio, a favor do multiculturalismo, da liberação dos gays, da tolerância cultural, e por ai vai - é problema nosso.
Não devemos ser chantageados a aceitar essas lutas da vitimologia da alta classe média como o horizonte de nosso compromisso político. Devemos simplesmente correr o risco de quebrar o tabu - mesmo que sejamos criticados como racistas, chauvinistas ou lá o que for (...). não aceito como nível de uma esquerda moderna as lutas identitárias do multiculturalismo pós-moderno: direitos dos gays, demandas de minorias étnicas, política da tolerância, movimentos antipatriarcais etc. Estou cada vez mais convencido de que esses são fenômenos da alta classe média, que não devem ser aceitos como horizonte de luta da esquerda. Para evitar mal-entendidos, não me oponho ao multiculturalismo como tal; aquilo a que me oponho é a idéia de que ele constitui a luta fundamental de hoje".

2 comentários:

  1. E também por conta da segmentação e especialização de cada uma destas lutas. Penso que a bandeira dos Direitos Humanos, na defesa de princípios que dêem dignidade e enalteçam o humano, é mais que suficiente.

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  2. Olá td bom, estou passando para divulgar este documentário se puder dar uma olhada. Obrigado.

    Sensibilizador documentário "Nos Olhos da Esperança". http://nosolhosdaesperanca.blogspot.com/ É verdade, justiça tardia é injustiça!

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