segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Crackapitalismo

O fio da navalha é um belíssimo filme baseado na obra homônima, igualmente belíssima, de Somerset Maugham. Na verdade, foram duas as principais versões cinematográficas desse romance: a de 1946, com Tyrone Power como protagonista, e a de 1984, estrelada por Bill Murray (a que assisti).
O personagem central da ficção de Maugham é Larry Darrell, um jovem burguês americano, obviamente alienado, que tem um choque de realidade nos campos de batalha da Primeira Guerra na Europa. Ao voltar para Chicago, sua terra natal, ele então decide abandonar os confortos materiais e buscar o sentido da vida. Segue para Paris, Marselha e Índia, trabalha como operário, convive com outras figuras do submundo, apaixona-se por uma prostituta drogada, procura a iluminação espiritual entre os monges budistas. 
A ação transcorre até o final da década de 1920, marcada pela euforia capitalista norteamericana. Naqueles anos loucos, estancados com a crise de 1929, muitos outros magnatas, escritores e artistas conterrâneos de Darrell também participaram do clima de dissolução e angústia numa Europa ainda em reconstrução, mas às vésperas do nazifascismo. Larry Darrell, porém, procurou o autoconhecimento. Nem todos o fizeram.
As cenas mais deprimentes do filme se passam nas casas de ópio onde os aflitos buscavam algum alívio para a ausência de realização pessoal num mundo de misérias e oportunidades capitalistas.
Mas, por que me lembrei dessa história que li e vi faz tanto tempo? Será porque passei hoje de carro pela cracolândia do centro? Será porque li uma matéria não sei aonde sobre o projeto de revitalização (diga-se recapitalização) daquela área? Ou porque assisti no Domingo Espetacular a uma reportagem sobre o exército de mortovivos criado pelo narcotráfico?
Chego à conclusão de que por tudo isso e mais - pela convicção de que estamos todos entorpecidos, drogados. Os viciados em crack formam apenas a parte mais visível do nosso ópio: o consumo capitalista. Eles morrem porque não podem consumir as bugigangas que nosotros compramos. E assim se refugiam na única de que dispõem. A epidemia de crack é, portanto, o resultado natural da má distribuição das drogas de consumo. Nós, os beneficiados, morreremos de forma mais lenta porque ainda temos outras mercadorias às quais conferimos significados transcendentais.
Antes que me esqueça, escrevi este texto apenas para dizer que sou pela liberação e o controle estatal das drogas e dos bancos. Droga também é capital.

Um comentário: