terça-feira, 12 de outubro de 2010

Outra herança maldita de FHC: a degeneração da pesquisa e da pós-graduação no Brasil sob o império dos pontinhos da CAPES

Finalmente alguém põe o dedo na ferida da pesquisa e da pós-graduação no Brasil. Está mais do que na hora de rever outra das heranças malditas de FHC, arquitetada em concordância com as diretrizes neoliberais do Banco Mundial e infelizmente mantida no período Lula: o sistema de avaliação da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
Intelectuais respeitados do país já haviam denunciado esse pernicioso e anacrônico sistema que privilegia a quantidade em detrimento da qualidade. Entre eles, Marilena Chaui e Olgária Matos, para citar apenas dois nomes. Nas universidades há um murmúrio lamentoso em surdina, mas o negócio é se calar e se adaptar às normas, sob pena de ser tachado de improdutivo. Todo mundo quer ser produtivo. Nem que seja por meio da fabricação de inutilidades.
Esse alguém é Paulo Prochno, professor da Universidade de Maryland, segundo o que diz Thomaz Wood Jr. em matéria publicada no último número da CartaCapital. Quem sabe, desta vez, as críticas encontrem ressonância entre nós, já que partem de um acadêmico legitimado por sua experiência no centro do mundo desenvolvido (nossa eterna obsessão) e não na periferia brasílica.
O cara critica acidamente as pesquisas brasileiras realizadas na área da administração. Mas creio que suas imprecações devam também valer para os demais campos de conhecimento, em particular, para as ciências humanas nacionais. O mal é mais abrangente do que se supõe à primeira vista.
Reproduzo aqui seus argumentos centrais, conforme o texto do articulista citado:
1. O jogo de pontinhos da CAPES (relativo ao desempenho geral dos acadêmicos e às várias formas de veiculação das pesquisas realizadas nos cursos de pós-graduação) é uma patologia que pode ser fatal.
2. Trata-se de um sistema pretensamente racional, mas que induz a quantidade em prejuízo da qualidade.
3. A exigência de constante publicação feita pela CAPES leva à proliferação de revistas pseudocientíficas.
4. Tudo isso multiplica as irrelevâncias pseudoeruditas divulgadas em artigos que ninguém lê.
5. O sistema leva à formação de uma geração de burocratas da pesquisa, um grupo frágil e cavernícola, incapaz de de entender e explicar o mundo real.
6. O sistema serve para conseguir pontinhos e cada vez menos para saber o que pesquisar e como pesquisar.
Já cansei de dizer a mesma coisa, mas além de ser chamado de retrógrado, me acusam de ignorar que a "CAPES somos nós". Não ignoro essa trivialidade, ao contrário, procuro combater tal modo de cooptação dos pesquisadores pela doença tecnocrática. Concordo também com Prochno quanto ao surgimento da casta de burocratas da pesquisa. Basta observar como funcionam os conselhos de pós-graduação, os órgãos de pesquisa da universidade, os comitês de área da CAPES somos nós.
Como professor que acompanha e participa da pesquisa em História desde os anos 80, há muito tempo que não tenho contato com trabalhos verdadeiramente relevantes, ou no mínimo estimulantes. A pesquisa na minha área se tornou medíocre, tediosa. Falta inventividade, criatividade, aderência à vida e aos sonhos.
Lastimo o fato de que o MEC, sob o governo Lula, não alterou esse quadro desolador. Espero que Dilma o faça. Só que para isso a comunidade científica terá de pressionar o governo. Haverá tal atitude? Não creio. A casta burocrática da pesquisa tanto se alimenta do tal sistema de avaliação quanto enreda a todos em sua teia.
Enquanto isso, fico na minha. Publico apenas o que julgo digno de publicação. Quanto ao sistema, desejo que exploda, para não dizer outra coisa: que se foda.

2 comentários:

  1. Essa percepção percorre a maioria dos pesquisadores brasileiros. Embarcados na nau da insensatez os tripulantes percebem a rota equivocada mas não sobrepujam a corrente. Os argumentos que você destaca são compartilhados por todos pois a exigência de quantidades cada vez maiores nos afasta da produção de trabalhos com maior qualidade. A mudança tem que partir da própria comunidade acadêmica.

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  2. O "alguém" sou eu - e concordo com esse pesadelo do argumento da "Capes somos nós". Vi colegas talentosos desperdiçando o talento ao entrar no jogo. Eu fugi antes de ter que entrar no jogo, estava se tornando inevitável e eu não concordava com as regras. Fica o trecho do R. D. Laing que resume bem:
    "They are playing a game. They are playing at not playing a game. If I show them I see they are, I shall break the rules and they will punish me. I must play their game, of not seeing I see the game."
    Tive que sair para poder quebrar as regras...

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