segunda-feira, 21 de junho de 2010

Na rua Augusta, lentamente

Conheci a rua Augusta quando era moleque, põe tempo nisso. Foi pelo rádio, que ainda imperava lá em Guapiaçu, interior de São Paulo. O hit que tocava sem parar era um rock de Ronnie Cord. Falava de carros envenenados, com pneus carecas descendo a Augusta a 120 por hora, de guangues jovens e de muita aventura que despertava nossos desejos. Em Guapiaçu pouquíssimos tinham carros, já havia uns motoqueiros, mas guangues desse tipo não se conhecia.
Sequer conseguia criar uma imagem mental de tão badalada rua, muito menos de São Paulo, que só visitei pela primeira vez quase dez anos depois. No entanto, era grande a curiosidade sobre esse espaço em cujas imediações viria atualmente fixar minha segunda residência (sempre preciso de duas casas).
Quando morei e trabalhei em São Paulo, na segunda parte dos anos 70, passei muitas vezes por ali em direção à USP para os cursos de pós-graduação. Ia de troléibus a 20 por hora. Subir a rua até a Paulista, depois descer a Pinheiros era um verdadeiro suplício. Mas o percurso dava a oportunidade de admirar as boutiques de classe que ainda existiam naquele trecho. A avenida Paulista, em fase final de remodelação, ainda não havia adquirido o status atual de 5a. Avenue. A Augusta, por seu lado, mantinha o antigo charme.
Acho que foi a partir da década de 1980 que ela começou a perder o prestígio pequeno-burguês. Exatamente quando a boca do lixo central se dilatou e a área passou a ser ocupada por casas de massagem, clubes de sexo e prostituição de rua. A classe média cedeu lugar às garotas de programa, aos trabalhadores da periferia e aos visitantes em busca de prazer barato. 
Hoje, a Augusta tem outra paisagem humana. Pelo menos nos quarteirões mais próximos da Paulista, uma classe média dita descolada frequenta o local diariamente. E já desce célere para as proximidades da Caio Prado onde ainda restam umas poucas casas de programa. A convivência é pacífica, mas será inevitável o deslocamento do comércio de sexo para outra região. Não tem jeito, as putas sempre perdem.
Gosto da rua Augusta. Embora seu público seja majoritariamente jovem, há também lugar para gente, como eu, já passada do ponto. O Espaço Cultural Unibanco é a referência desse povo consumidor de bens culturais chamados de alternativos (não sei bem o que é isso, mas também sou um dos seus apreciadores). Tem sempre um filme menos comercial em cartaz ou nas bancas de dvds piratas, espetáculos experimentais de teatro e, principalmente, boas livrarias. Não só a Cultura, no cruzamento da Paulista, mas ainda a do próprio Espaço Cultural, especializada em artes.
O que atrai mais, entretanto, são os botecos, dois ou três por quadra. Para quem só come fora é um prato cheio, saboroso, rápido e de preço acessível: virado à paulista nas segundas, frango ou peixe às terças, feijoada e massa na sequência. E tem o tradicional Piollin na baixada, sempre imperdível.
O trânsito continua insuportável para quem anda de carro. 120 por hora é impossível nas duas mãos invariavelmente entupidas. O pedreste vai razoavelmente bem, em especial na descida. Subir a ladeira já é tarefa mais difícil no descanso sempre cheio de galera com copos e latinhas na mão. Sem falar do novo calçamento meia-boca que exige atenção desdobrada do andarilho.
Nada disso tira o prazer de andar por ali (aqui). Quando ficar bem velho, quero descer a rua Augusta a zero por hora. 


 

2 comentários:

  1. Fala Antonio Celso, tudo certo?

    Curioso, conheci você na casa de um casal de amigos em Rio Preto este final de semana. Tá lembrado? Falamos de universos digitais e afins.

    Cá estou em busca das suas "impertinências" e para a minha surpresa o seu post vem-me falar da Augusta.

    Coincidências ou não, moro na Augusta há três anos. Não a conheci nesses tempos áureos que você narra. Estou mais para um consumidor do Espaço Unibanco e, ainda mais, dos botecos. Três a cada quadra, uma maravilha para quem mora fora todo dia.

    A outra/nova paisagem urbana da Augusta, na qual eu também acho que um pouco me encaixo, prefiro chamar de fauna e flora desta rua maluca.

    Gostei muito do vídeo. Para mim, um bom e inustado boa noite!!

    Valeu!!

    passa lá depois:

    http://marceloquaz.blogspot.com/

    ando meio preguiçoso, mas está valendo

    vamos combinar uma filosofada augustiniana!

    abs

    marcelo quaz

    ResponderExcluir
  2. de guapa para sampa, quanto tempo, quantos kilometros rodados.... antes de você pensar em descer a Augusta a zero por hora, fique bem atento às calçadas. Outra fratura, nem pensar... fujo prá Barcelona de vez... Adorei o texto.
    beijocas
    Marcia

    ResponderExcluir