sábado, 12 de junho de 2010

Nosso crescimento chinês

Tá. As candidaturas à presidência da República já estão postas. O nome de Dilma  emplacou e tem grandes chances de vencer a tucanalha. Lula continua mais popular do que nunca. Seu governo segue obtendo êxitos nos planos sociais, na economia e na política externa. Começamos a crescer como os chineses.
Basta? É claro que não. Nem por isso vou aderir ao slogan "O Brasil pode mais". É evidente que pode. Mas o quê? Além disso, o Brasil não é uma abstração conceitual. Essa suposta entidade acima de tudo e de todos envolve classes e segmentos distintos, grupos de interesses diversos, projetos discordantes, visões de futuro contrastantes.
Portanto, é preciso politizar o processo eleitoral. Fazer com que os candidatos não só mostrem suas caras, mas também, esclareçam seus projetos. É ai que a porca torce o rabo. Estamos ainda longe de um debate politizado.
Dizem que a disputa só vai pegar fogo depois da Copa. Espero que sim. Espero, sobretudo, que não se limite ao jogo de forças da mídia golpista encabeçada pela Veja e pela Folha de São Paulo.
Há outras fontes que deveriam merecer a atenção dos chamados formadores de opinião. A Carta Capital, por exemplo, que nesta semana publicou uma edição especial com um dossiê intitulado "Do que o Brasil precisa?". Leitura indispensável para o início de uma reflexão.
Abre o dossiê o próprio diretor da revista, Mino Carta, com seu editorial sobre o egoísmo e a cegueira das elites e da classe média brasileiras, incapazes de compreender o que tem ocorrido em nosso país desde o início do século XXI. Delfim Neto, aquele bruxo velho da economia, fala dos nossos desafios energéticos. João Pedro Stedile bate na tecla da extrema concentração das riquezas em nosso território. A Igreja Católica vem com Dom Dimas Lara Barbosa, defensor das formas de participação popular na política. Moniz Bandeira, em elogio à atual política externa brasileira, alerta que "os países de largas fronteiras serão os principais atores da política internacional". André Siqueira, executivo da Ford, trata do necessário equilíbrio entre PIB, câmbio e juros. Tem até o liberal-hipócrita de carteirinha, Marco Maciel, a escrever sobre a inevitável revisão da Constituição cidadã.
Uns poucos artigos versam sobre futebol, cultura e educação. Sócrates, nosso brilhante filósofo, toma o exemplo do comportamento dos craques do futebol para refletir sobre a juventude brasileira: "Espelhos do abandono em que se encontra a juventude, nossos craques entram em seus carrões e fogem da realidade". Lucidez chocante em época do mundial de futebol. As matérias a respeito da cultura e da educação são, porém, óbvias e pobres.
É uma pena, pois, os desafios nessa área talvez sejam os maiores. Não só no que diz respeito à ampliação dos números do acesso à educação formal, à alfabetização, à modernização das escolas, mas ao tipo de educação que pretendemos efetivar. Creio que, nesse tocante, ainda não nos libertamos das recomendações e das receitas capitalistas neoliberais do Banco Mundial.
A universidade, regida pela CAPES, assumiu uma forma gerencial que poderá levar, quando muito, ao sucesso numérico: maior número de produtos, não importa lá o que eles sejam. Basta que sejam produtos e possam ser rotulados de inovações tecnológicas. Isso é muito pouco. Só uma educação realmente estimulante e criativa será capaz de promover o espírito crítico, condição fundamental para o desenvolvimento científico e para uma verdadeira cidadania.
É por isso que tenho de concordar com Chico de Oliveira, do qual discordo em termos de opções eleitorais, quanto à postura dos intelectuais brasileiros, segmento vinculado às universidades e que faz parte da rede neoliberal da CAPES. Em entrevista publicada no último número da revista Cult (outra indicação aos leitores), adverte ele que "o nível da crítica ao capitalismo no Brasil pela esquerda formal quase inexiste".
Particularmente, estou muito feliz com o nosso crescimento chinês, retomado dos velhos sonhos desenvolvimentistas e de política externa independente dos idos finais de 1950. Como qualquer brasileiro, tenho direito a esse gostinho de capitalismo, mesmo que depois de tanto tempo. Resta saber se isto basta. A mim, tenho a certeza de que não.

3 comentários:

  1. É Antonio Celso, pior é que as esperanças em torno da politização da campanha, apesar de concordar com você sobre a necessidade, dificilmente passem da superficialidade ainda nessa eleição. Na minha opinião, nem mesmo os agentes dessas discussões querem fazê-la.
    Essa nova ordem eleitoral, baseada na ocupação de espaços aderiu a um tipo de “discussão dinâmica” do tipo título de internet, feita de frases em negrito e comentários pontuais. Não acredito que essa nova fase do fazer político, principalmente por parte da esquerda, desvinculada dos movimentos sociais históricos que a guiou até aqui tenha finais felizes, o sentido da representação das demandas sociais se quebrou por algum tempo, e as dimensões técnicas do fazer social vem surgindo com força em todas as instâncias.
    Apesar do avanço claro do Brasil, ao qual também me dou direito ao gostinho, precisa levar algo ao poder, não grupos independentes como se convencionou construir dentro dos partidos, mas representantes dos segmentos que continuam excluídos, é necessário irmos além, por mais que a conjuntura peça para dar um tempo...

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  2. Excelente texto. Vou procurar ler a matéria da Carta Capital.

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  3. José Apóstolo Netto19 de junho de 2010 às 15:55

    "A política como espetáculo". Ora, assim não dá para politizar o debate: botox, campanhas milionária, lobbies poderosos, horário nobre, photoshop, estatísticas, matéria comprada, dossiês, showmícios, grana, grana e mídia...Com tdo issso o que nós menos vamos ver nessas campanhas é tradicional vaia, o ovo certeiro, o sapato voador, a não ser que algum jornalista
    credenciado e louco estiver por perto. Mas em meio a tanta modernidade e crescimento chinês, só espero que não sejamos ingênuos úteis. Tô contigo, Antonio Celso, vamos fazer barulho!

    José Apóstolo Netto

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