terça-feira, 17 de agosto de 2010

Freud, a mãe e as outras

Não é raro ouvir dizer que Freud era um patriarca misógino, incapaz de compreender a feminilidade e a sexualidade da mulher. No fim do século XX, especialmente, tal senso comum se expandiu paralelamente ao avanço da neurobiologia e das ciências cognitivas, que prometiam jogar por terra as teses psicanalíticas, consideradas precientíficas e farsescas.
Proliferaram, nesse contexto, os livros negros recheados de escândalos envolvendo as relações entre Freud e as mulheres, tanto suas pacientes quanto as de sua família.  E para completar a cena, alguns grupos feministas também se juntaram na intensa campanha difamatória contra aquele pensador seminal.
O livro As mulheres de Freud, de Lisa Appignanesi (romancista e escritora) e John Forrester (professor de história e filosofia da ciência da Universidade de Cambridge) - publicado originalmente em 1992, na Inglaterra, e neste ano no Brasil -, ao fugir desse padrão raso, espalhafatoso e maniqueísta, contribui para repor de maneira criteriosa o lugar feminino no nascedouro da psicanálise. Elaborado a quatro mãos como um conjunto de biografias intelectuais das mulheres com quem Freud conviveu, trata do assunto com profundidade, inteligência e sensibilidade. Fartamente documentado, combina biografia com investigação psicanalítica e histórica.
As mulheres de Freud são personagens reais, cada uma com seu peso na constituição das próprias teorias psicanalíticas: as mulheres-chave da sua família (a mãe, a esposa, as filhas, particularmente a herdeira Anna), as famosas pacientes histéricas e as primeiras analistas do seu círculo (Lou Andreas-Salomé, Helene Deutsch, Marie Bonaparte, entre outras). 
Ao narrar e analisar essas trajetórias cheias de conflitos e criatividade intelectual, o livro permite entrever não só a sombra do talentoso médico judeu em suas vidas, como também o vulto delas na vida e na obra de Freud. E o quanto o surgimento da psicanálise foi um empreendimento igualmente feminino, ao contrário do que dizem seus detratores, feministas ou não.
A última parte dessa bela obra discorre sobre os desdobramentos da questão feminina das primeiras décadas do século XX aos tempos recentes. Traz instigantes incursões teóricas sobre a feminilidade em Freud - a construção do conceito de mulher, suas contradições e transformações; o debate sobre a feminilidade no campo psicanalítico de Melanie Klein a Lacan; e as controversas relações entre feminismo e psicanálise.
Faltam apenas alguns pedaços para o fim da minha leitura do livro. Uma pena que suas setecentas e tantas páginas tenham passado tão rápido.

2 comentários:

  1. Nossa! O seu post me deixou interessadíssima no livro. Aprecio bastante a psicanálise e Freud e não concordo a forçada contraposição que fazem dela com a figura feminina. Pelo contrário, acredito que foi um dos grandes passos para a "libertação" das mulheres.
    Beijos.

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  2. Valioso sopro.
    Estarei atento.

    Forte abraço,
    meu camarada.

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