sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Memória de um tempo dramático

O termômetro político da Califórnia nouveau riche brasileira

Uma semana na minha terra, São José do Rio Preto, sob um calor que abafa o cérebro, e já basta. Temo que esta cidade seja o termômetro da virada política conservadora que atravessamos. Aqui o golpe de 64 foi recebido com rojões. Aqui Collor triunfou, assim como todos os tucanos e outros oportunistas. Aqui Serra está em alta no segundo turno.
Não tenho uma amostra leitoral propriamente científica. Mas Vilma, minha faxineira, fornece pistas seguras para estimativas, já que ela também trabalha em várias outras outras casas e me entrega o ouro sobre as preferências políticas dos seus patrões, ou, melhor, das suas patroas.
Segundo Vilma, a maioria é pró-Serra. Tem uma, tipo perua nova, rica faz pouco tempo, que detesta pobre e fica indignada com o fato de que agora qualquer um pode comprar carro vectra, civic, sem falar das santanas e dos gols velhos de guerra. A tal da perua todo ano troca de carro para se distinguir desses pobres encarrados. Vilma conta ainda que outra patroa vive no shopping (chega em casa de cabelo molhado - hum hum!) enquanto o marido trabalha. E reclama que hoje em dia o ambiente shoppínico é também frequentado pelos manos da periferia. Pois é. Como Rio Preto não tem praia, os manos tiveram de invadir o shopping da classe média. E esta se revoltou. Vai votar no Serra.
Do jeito que as coisas estão, não terei mais lugar prá tomar cafezinho. Já briguei com três caixas de loja de conveniência. Hoje bati boca com mais uma delas. Protestei porque no caixa estavam afixadas fotos do Alckmin, do Serra, do prefeito de Rio Preto e do Rodrigo Garcia Lopes (argh!) quando passaram pelo local. Ela me respondeu: "Cê queria o quê? Que eu pussesse a Dilma? Deus me livre". O sangue ferveu nas minhas veias. Perguntei se ela havia estudado e se era evangélica. E sai sem querer ouvir mais nada. Já sabia a resposta.
Nenhum preconceito contra as caixas. E nada de generalizações. Mas, já generalizando, creio que os neurônios dessas meninas foram alimentados pela Xuxa, pela Lucianta Gimenez e pelas novelas da Globo. Todas querem ser modelos. Por isso se identificam com os vencedores, com os sonhos vendidos pela elite. Serão, isto sim, eternos modelos de burrice!
Por que é que grande parte do eleitorado feminino rejeita Dilma? Alguma psicologia barata deve explicar o fenômeno.

Agora falando sério

A situação é dramática. Tarso Genro disse que vivemos uma forma de golpismo parecida com o que ocorreu às vésperas do golpe de 64. Concordo com ele. Não que os militares tentem tomar o poder. Não precisam. Serra já os representa muito bem. Usou expedientes moralistas, hipócritas e culturalmente primitivos em sua campanha.
Como é que se pode admitir tanta influência política religiosa? Como é que retrocedemos a temas morais tão atrasados? Como é que pode uma praticante de aborto, Mônica Serra, se apresentar ao PIG com esse figurino carola, sem discutir o assunto em sua crueza verdadeira? Não que se deva condená-la por ter abortado. Mas sim pela hiprocrisia.
E o tal do Paulo Preto e sua bolsa recheada de quatro milhões desviados? Por que não sai no PIG? Por que condenam José Dirceu? É golpe à vista. E nada de reforma política que acabe com o caixa dois e a concessão de canais abertos a grupos religiosos. Nada de Estado laico. Que dor devem sentir Robespierre, Silva Jardim, Floriano Peixoto e Raul Pompéia!
E a cândida Marina? Descerá do muro ou ficará oportunamente no alto da seringueira a assistir o retrocesso político? Ou ela seria pura expressão do atraso? Marina tem noção do mal que fez e continua a fazer ao Brasil? Sabe lá o que significará uma vitória de Serra nas condições brasileiras atuais? O que será do Pré-Sal, da Petrobrás, das Universidades Federais, do Prouni, do Bolsa Família, do Minha Casa, minha vida?
Isso é pouco? Foi a retomada do nacional-desenvolvimentismo, interrompido em 64. Quantas décadas ainda teremos pela frente para recompor o país de um novo assalto neoliberal? Que justificativa a suposta terceira via (pouquíssimos votaram em Marina em razão do seu projeto de´desenvolvimento sustentável) dará à sociedade brasileira para sua traição política? Ainda é hora de pressionar a cândida Marina. Sua ambição pessoal não pode estar acima dos interesses do povo explorado do país. Com a palavra seus adeptos!

O terceiro mandato que não ocorreu

Lula deu mostras inequívocas do seu apreço à democracia representativa - à democracia puramente formal que não é a única forma de democracia historicamente conhecida. Sabe-se que houve, há e haverá várias formas de democracia. Lula tinha tudo para tentar um terceiro mandato. Bastava um plebiscito popular.
Como já afirmei em post muito antigo, Roosevelt - o artífice do New Deal, que revitalizou a sociedade norte-americana - obteve um terceiro mandato em nome dos interesses maiores do seu país. De Gaulle, ex-guerrilheiro e partícipe da luta armada na Resistência Francesa - ganhou consentimento do seu povo para reerguer a França depois da ocupação nazista. Nossa situação não é assim tão diferente, caros defensores da democracia formal e elitista burguesa. Pagaremos o preço da nossa ingenuidade? Nunca lemos Maquiavel sobre a arte da política?
Caímos no conto do vigário da suposta democracia demotucana. Mas ainda há saída. Que Lula ponha as mãos na massa. Se necessário, que se licencie da presidência nestas duas últimas semanas antes da eleição e percorra o Brasil ao lado de Dilma. Que levante a população brasileira!

Estou finalmente feliz com alguns colegas historiadores

Depois de longos anos de neutralidade, apatia e alienação política da nossa corporação, eis que o atual presidente da ANPUH - Associação Nacional de História, Durval Muniz de Albuquerque, lança uma carta eloquente em defesa da candidatura de Dilma Roussef. É dessa ANPUH que me orgulho: uma associação que se manifesta, que não se alheia dos tempos dramáticos em que vivemos. A carta vem com o título Dois projetos radicalmente distintos. Recomendo-a a todos. Pena que não consegui anexá-la aqui. Mas valeu, caro Durval.

8 comentários:

  1. O seu tom me deixa ainda mais preocupado...

    Abraço.

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  2. Não podemos permitir que o Brasil se renda há mais um período de estagnação. É bom saber que existem pessoas como você, dispostas a informar e lutar pelo o que defende.

    Confesso que por um minuto me iludi com a terceira via, que de diferente não tem absolutamente nada. Mas ainda tive tempo de abrir meus olhos e perceber o que realmente importa para o país. Não podemos deixar que o Brasil retroceda. Um passo para trás agora talvez leve anos para se inverter.

    Concordo com tudo que disse. E espero que o Brasil consiga enxergar as melhorias que aconteceram no país.

    Percebo pelos argumentos dos psdbistas exatamente o que foi dito por sua faxineira, principalmente em São Paulo. É impressionante como esses pequenos burgueses não conseguem admitir que o Brasil está mudando, que as pessoas estão vivendo melhor, com possibilidades de consumir, coisa que antigamente era impossível. Espero que esses pequenos burgueses consigam deixar seu orgulho e o seu status de superioridade de lado e percebam que o Brasil é muito maior que o shopping que frequentam ou o carro importado que compram para se diferenciar dos mais pobres.

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  3. Eleição é um fenômeno publicitário. A consciência da massa não passa de caixa de ressonância dessa publicidade... publicidade que sequer começa no período eleitoral. Trata-se de uma campanha permanente que tem a disposição todos os meios (toda parafernalha midiática modernosa), que tem um poder tremendo de disseminar pelo planeta, todo tipo de preconceito de classe( legitimando a hierarquização social), a ideologia do consumismo (ah esqueci, não pode falar em “ideologia”), os engodos da Razão liberal (que por mais contraditória, se sustenta através dos séculos)...
    Lula se formou nas bases operárias. Existe um processo lento, progressivo – recheado de ruptura e recuo – de organização da classe trabalhadora, de avanço das conquistas de direitos, conquistas materiais, avanço da consciência. Sabemos do corporativismo de alguns (não todos, mas talvez a maioria, não sei) sindicatos, do aparelhamento, do arrefecimento do espírito de luta nesse momento em que a Central Única dos Trabalhadores participa da “máquina” etc ... pero que avançamos, avançamos.
    Que será que essa “classe trabalhadora organizada” representa no conjunto da nação brasileira? Num país em que a informalidade faz maioria.
    Voltemos ao Lula. Quem elegeu Lula? O “Lula presidente”, o “Lula paz e amor” é um produto publicitário. Duda Mendonça elegeu Lula. Que exista uma identificação popular com a figura de Lula, embora esse personalismo seja improdutivo e burro, representa uma revolução em relação ao que havia antes (e ainda há) que é o preconceito de classe, a “não-identidade”...

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  4. Em relação à Dilma, embora recomende voto crítico porque uma grande expectativa pode gerar uma decepção perigosa... é melhor que seja eleita. É mentira (como querem dogmáticos de esquerda – sinto simpatia) que “quanto pior, melhor”. “Quanto pior, pior”. Em nossa frágil democracia, democracia de barganhas vis (imaginei o Brizola dizendo isso)... não construímos de forma consciente, pelas bases, nossa candidatura. Mais ou menos. Viva o PT e sua história! Sabemos que a coisa vem meio de cima pra baixo, mas se ajudar a reforçar os serviços públicos e garantir relações de trabalho civilizadas, se não entregar nossa autonomia de bandeja ao extranho e com isso retirar da marginalidade, da miséria e da alienação a maioria de nossa população... bom já terá feito o bastante. Sabemos que o PSDB é o partido dos patrões... que dá inicio a processos irreversíveis de sucateamento da coisa publica... ora, isso não me interessa. O interesse do patrão não é o meu interesse, embora Lula, casado com Sarney, queira casar o trabalhador com o Capital.
    O fato é que para o bem da maioria seja eleita Dilma, embora pouco importe o interesse da maioria, sacou? A maioria não pensa, não sabe, não tem vontade, não exerce poder... ainda. Isso não é uma verdade eterna. Vota-se em pessoas, não em partidos (aliás, existem partidos no Brasil?), projetos (temos algum?)... o mais ou menos com aparência de bom moço, o bem o mal, Deus e o diabo na terra do sol.
    Que continue crescendo por debaixo, lenta e inexoravelmente, aquele “exército negro, vingador, que germina lentamente nos sulcos da terra, crescendo para as colheitas do século futuro, cuja germinação não tardará em fazer rebentar a terra”.

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  5. ...quando o assunto se dirige ao futuro do país...a história é outra! Gostei da forma como você fala e ilimita-se nas palavras.
    Este será um ponto de leituras e informação pra mim a partir de hoje.Muito bom mesmo esse espaço.
    Gostaria que seguisse meu blog...o assunto é bemmm diferente...http://passossilenciosos.blogspot.com
    Te espero entre meus grupo de amigos!
    ótimo dia!

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  6. Aos poucos estou voltando...

    Como sempre seu espaço de muita boa qualidade

    abraço

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  7. Caro Antonio Celso Ferreira, o Sr. Tarso Genro, como o senhor deve estar sabendo mas não teve o impeto de esclarecer aos seus leitores, foi vencido na urna (plebicito - Campanha do Desarmamento) e este com toda a sutileza que os integrantes do PT possuem, não se fez de rogado e usou o poder da "caneta" que lhe foi conferido e arbritáriamente assinou a Lei proibindo a venda de armas, melhor dificultando aqueles que desejam ter uma para se defender de meliantes, já que o próprio governo não faz seu papel. Gostaria que o Sr. explicasse aos seus leitores também, que o Governo Lula, somente deu continuidade ao Plano de Governo do FHC. Pois caso não o fizessem não teriam tido o suposto exito que tanto se glorificam. Pois não é preciso ser formado em Administração para saber que um plano de governo não se consuma em 4 e nem em 8 anos, mas sim a partir de 8 à 12 anos, e se o senhor souber somar 1+1, verá que os 8 anos de FHC mais 8 anos de Lula, foi o tempo suficiente para que o país atingisse o patar que hoje estamos. Explique também aos seus leitores, o porque da intervenção na Folha de São Paulo (Censura - Caso Sarney), já que vivemos numa "Democracia" que o sr. tanto fala.
    Explique o porque dos envolvidos em todos os escândalos governamentais nunca foram punidos, sendo que a "Candidata" disse que iria punir os que estavam envolvidos em escândalos. Não entendi direito, pois ela era Chefe da Casa Civil na época e não tomou nenhum atitude, por que agora "supostamente eleita" iria tomar partido desta situação, afinal o PARTIDO é quem irá mandar e desmandar na política do país....
    Bom acredito que o Sr. tem muios porques para responder....
    Ah, estava me esquecendo.... Se vivemos numa democracia como o sr. divulga acima e se "graças ao Lula" pagamos nossas contas com o FMI, explique porque devemos ainda 265 milhões de dólares e a nossa divida interna saltou de 600 milhões para 1.300 - Hum trilhão e trezentos milhões de dolares em 8 anos?
    Acho que o sr. deveria se aprofundar mais sobre a atual situação do pais antes de dizer que estaremos retrocedendo.

    Sérgio Branco

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  8. Gente,
    Acabei de receber uma ligação do número (11) 3511 1700, com uma gravação dizendo alguma coisa do tipo "se você pretende votar na Dilma, saiba que foi ela quem conveceu o presidente Lula a nomear Erenice Guerra..."
    Socorro!!!!!!!!!!!

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