sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Do bem e do mal

Duas faces do eleitorado de Marina

Tenso e faminto na reta final da apuração do primeiro turno, saio para comer alguma coisa numa loja de conveniência. Enquanto devorava o sanduba armazenado desde o dia anterior, definia-se o quadro eleitoral: haveria segundo turno. Ao pagar a conta, a moça do caixa, eleitora de Marina, muito provavelmente evangélica, demonstrou sua indignação com o resultado: "Nessa Dilma bandida eu não vou votar". Puto da vida, mas com um pouco de sangue frio, perguntei qual a razão. A resposta veio rápida: "Ela vai liberar a maconha, essa cafajeste". Lancei sobre ela um olhar envenenado e sai. O que mais poderia fazer diante de tamanha ignorância social, cultural e política?
Demorei pra dormir. Ainda atônito, fiquei no twitter à procura de informações, de avaliações sensatas, de alguma esperança de Brasil. Foi então que soube das notícias que circularam pela blogosfera e nos panfletos distribuídos nas portas das igrejas nos dois dias antes da votação. Letras sujas de uma moral hipócrita, textos difamatórios sobre a vida íntima de Dilma Rousseff, denúncias torpes anônimas, a mais profunda sordidez. Tudo aquilo que se repete há mais de cem anos, sempre quando alguma força social majoritária ameaça a ordem dominante secular.  E acompanhei também as centenas de mensagens escritas no calor da hora. Algumas delas vinham de uma twiteira sempre frequente, outra eleitora de Marina - uma ecologista sincera de Mato Grosso que lançava ao mundo sua desolação em face da não ida da sua candidata ao segundo turno (ingênua, ela acreditou nisso). Seus posts irados: "Não votarei em Serra nem em Dilma. Que se fodam juntos". "Que a direita e a esquerda se matem. Não contem comigo". Arrisquei o argumento ponderado de que nunca existiu centro nem terceira via ou onda verde, que o PV estava a serviço do Serra. Desisti. Ela não compreenderia.
As duas eleitoras raivosas representam bem a dupla face do eleitorado marinense a ser conquistado, ai de nós: de um lado, a ignorância bárbara, primitiva e supersticiosa de alguns segmentos da população pobre alimentada pela miséria religiosa dos modernos templos eletrônicos; de outro, a ideologia conservadora das classes médias insuflada pelo terror das mídias e pelo ecocapitalismo despolitizado. Ambas alienadas e oportunistas.

O cristão anticristo

Se é para operar com os preceitos religiosos, se é para permanecer nas trevas midievais da modernidade brasileira, digamos de vez: Serra é o anticristo, como ironizou Jacques Wagner. Se Cristo estava do lado dos oprimidos, Serra sempre esteve do lado dos poderosos, do mal. Serra é um homem mau. Ressentido, vingativo, vaidoso.
Cheguei a vê-lo de perto. Integrei a comissão de docentes das três universidades públicas paulistas (UNESP, USP e UNICAMP) formada para negociar com ele uma saída para a grave crise instalada no início do seu mandato como governador de São Paulo. No primeiro dia da sua gestão, na calada das férias, Serra surpreendeu a comunidade universitária com um decreto que suspendia a autonomia universitária, em vigor desde a redemocratização do país. Nem mesmo Maluf ousara fazê-lo. Serra o fez, como mais tarde desrespeitaria o princípio da nomeação do candidato mais votado da USP, com isso igualando-se a Maluf. Ao decretar o fim da autonomia universitária, detonou uma onda de mobilizações e de protestos estudantis sem precedentes desde os anos 70. E se não fosse o bastante, Serra autorizou a invasão policial do câmpus universitário, fato inédito desde a ditadura.
Mas como já disse acima, cheguei a vê-lo de perto. Diante de dezenas de professores, alguns deles do próprio PSDB ou de sua base de apoio, todos contrários ao decreto. Vi sua figura acuada, vingativa, pálida tendo de ouvir os discursos inflamados e unânimes contra sua insensatez. Serra é isso. O mal que deve ser enfrentado. Vencemos naquele caso.
Pude vê-lo outra vez no palácio, desta feita pela tv. Cercado pelos professores da rede pública. Imaginei-o novamente acuado, pálido. Mas também vingativo, a ordenar por telefone a repressão brutal contra os manifestantes. E ainda noutra oportunidade, a autorizar o enfrentamento da polícia. "Pau neles", provavelmente ordenou. Pálido, acuado, mas vingativo. Como Hitler em seu bunker.
Serra é isso. O mal que deve ser enfrentado. Venceremos.

3 comentários:

  1. Ele é do mau e também cinico e capaz de usar qualquer artimanha para alcançar seus objetivos. Hoje, em SBC, encotrei um garoto de não mais que 20 anos, no farol, divulgando um evento de skate. Entabulamos uma conversa e ele disse que tinha votado na Marina. Achava que agora votaria no Serra pois fora informado no culto evangélico que Dilma não cumpriria o mandato e que Temer governaria com seu filho "Lucifer". Vendo tudo isso envolvendo a campanha do Serra - panfletos, TFP, Clube Militar - não lembra a Marcha com a Familia com Deus pela liberdade, de 1964? Que meda!

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  2. Este o resultado da despolitização por que passamos desde a ditadura. Tudo hj ganhou contornos pessoais, nada é mais pensado em termos de futuro, só no momento presente e o que é pior, sempre em termos fechados de uma religião que insiste em se manter ainda nas trevas da idade média. Pobres de nós!

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  3. Olá! Saudações Literárias...
    Muito bem cuidado seu espaço. Parabéns!
    Sempre que eu puder voltarei.
    Abraços de Luz.
    Visite o ILUMINANDO A VIDA.

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