quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Mas não se matam cavalos?




As imagens chocantes não chocam mais. Não sou eu quem diz isso, foi Walter Benjamim, 70 anos atrás. Seu pano histórico de fundo eram os eventos ocorridos desde a primeira grande guerra e, sobretudo, na época da ascensão do nazifascismo. Naquele tempo, as fotografias dos jornais reproduziam, com um dia de atraso, os horrores da realidade. Foi quando o filósofo então afirmou que o indivíduo do século XX existia em estado de amnésia, incapaz de dar sentido às tragédias vivenciadas num ritmo veloz.
O que dizer do indivíduo já no fim da primeira década do século seguinte, expectador em tempo real do espetáculo grotesco do mundo? Pensei imediatamente nisso quando vi as cenas da repressão desencadeada pelos demoníacos sobre os estudantes e sindicalistas, ontem, em Brasília.
Pouco mais me ocorreu. Numa espécie de asco, minha mente trouxe à baila, não sei de onde, outra sequência igualmente sinistra: Erasmo Dias no comando da invasão da PUC, a matança no Carandiru, o general Figueiredo montado a cavalo, o sangue na neve sob as patas da cavalaria russa em 1905...  E me lembrei que me esqueci de tantas outras imagens de horror e grotesco, produzidas de minuto a minuto nessa nossa sociedade de entretenimento, que não mais distingue a ficção da realidade.
Mas não sei porque visualizei, ainda num minuto, fragmentos do filme A noite dos desesperados - aquele filme dirigido por Sidney Pollack sobre uma maratona de dança durante a depressão de 1929 - lembram? Especialmente, o trecho final da fita em que Jane Fonda pergunta a seu partner: "Mas não se matam cavalos?" - pergunta que é também o título do romance (de Horace Mackoy) que Pollack transpôs para a tela. Era a cena em que a depressiva protagonista do filme, prestes a se matar, compara sua insignificância à dos cavalos.
Para o animal humano, o cavalo simboliza a liberdade. Montado pelo homem, no entanto, representa o poder repressivo. Mas na banalidade do cinema cotidiano, nada significa, pois, se matam não só homens como cavalos.    

3 comentários:

  1. Desculpe a digressão: lembrei do Cara de Cavalo.

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  2. A sociedade da imagem representa o seu avesso, o excesso anula o impacto das imagens. O público assiste como uma representação e não fica sensibilizado. Tão chocante quanto as pessoas no café da manhã ou no jantar assistindo aos fatos do dia e realizando tranquilamente a refeição.

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  3. O centro é o que representa o homem do cavalo institucionalmente, que é uma coisa brega de se comentar, se racionalizar pela lógica dominante da sobreposição espoliativa classista se torna condenação imediata, (por isso usar termos abstratos, para ninguém afirmar o conteúdo da teoria), se considerar o depósito de segurança que alguns setores inteiros depositam nela é reacionarismo, se considerar a repulsa de outros, como daqueles que vejo todos os dias que viram de costas ou já se imaginam espancadas quando passa uma viatura, é ilusão apaixonada ou daqueles que refletem realidades que não conhecem ou daqueles que a questionam.
    O pior, é aquele "polícia para quem precisa..." de todas as manifestações e passeatas da juventude, que depois de um ou dois livros um pouco mais didáticos vão logo criar seus exércitos vermelhos para defender o que a Ação Popular denominava como cultura popular, que ao invés da pura e simples construção cultural tinha de fundo o princípio da ação política.
    Assim, como lá nos anos 60 a "cultura popular" não tomou o poder, radicalizou-se a função das fardas, que permanecem hoje o escudo das minorias pela construção ideológica da defesa do povo em seu sentido genérico, prendendo ladrões de galinha e furadores de ovos em galinheiros, ações que para quem não tem nada, são tudo e para outros não significam nada.
    Mas enquanto não temos os exércitos vermelhos defendendo as classes populares, mesmo as reacionárias, continuamos ai, levando porrada daquelas bainhas que ficam por cima da cela dos cavalos, que modestia a parte já tomei, e particularmente sei que dói pra caramba, na pele e no ânimo cada vez menor dos movimentos sociais...

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