domingo, 19 de setembro de 2010

Saudade da Nara Leão e outras observações políticas

Meu amigo Cezinha quer me colocar no fogo: pede minha opinião sobre os últimos lances da disputa eleitoral. Seu pedido é uma ordem, mesmo que a cada post político eu perca um seguidor (prefiro a palavra comparsa). Mas que ele não espere alguma análise imprescindível ou algum dossiê novo. Não sou cientista político nem jornalista. Minhas opiniões sobre esse tipo de assunto são sempre impressionistas. Então vamos lá:

O significado do lulismo: Não adianta a oposição espernear. O Brasil vive hoje um novo ciclo político cujas raízes vêm lá do varguismo. Pouca gente admite isso, principalmente alguns petistas que ainda pensam o PT a partir da sua matriz dos anos 80, sedimentada na tese da autonomia dos movimentos sociais. O PSDB, herdeiro do udenismo e do velho liberalismo paulista pré-30, apostou tudo na desmontagem do projeto de Getúlio. FHC foi o maior guru desse grupo que só faz criticar o Estado forte e o suposto populismo ignorante da América Latina. Pois ficarão sepultados por um bom tempo, tendo em suas tumbas a companhia moderna e civilizada dos coronéis de terno ou farda. Se quiserem saber mais sobre esta interpretação é só ler o magnífico artigo de André Singer na Ilustríssima da Folha de SP de hoje (as pérolas também podem brilhar no chiqueiro): A história e seus ardis. Em sua análise, Singer explica de forma inteligente o realinhamento de forças ocorrido sobretudo no segundo mandato de Lula, que propiciou "a aliança entre a burguesia e o povo, que ninguém mais achava que pudesse funcionar". Segundo ele, trata-se de um fenômeno semelhante ao que aconteceu com o New Deal de Roosevelt, que determinou "o andamento da política por um longo período". Dilma, não por acaso vinda do PDT brizolista que por sinal veio do PTB varguista, é a sucessora adequada para lhe dar prosseguimento. E não me venham com as histórias bobas da elite de nariz torcido para o que chamam de populismo!

O golpismo não é novidade: A história serve, pelo menos, para relembrar aquilo que fica debaixo do tapete. Por exemplo: a campanha do corvo lacerdista contra o suposto "mar de lama" no último governo Vargas, na verdade, uma aliança cada vez mais nítida com os segmentos populares e os grupos nacionalistas; a sublevação mal-sucedida de Jacareanga contra JK; a tentativa de impedir a posse de Jango e, afinal, o golpe vitorioso de 64, arquitetado pelos mesmos atores e as mesmas ideologias. A invenção do mensalão, quarenta anos depois, seguiu idêntico script, mas não deu resultado. Dias atrás atribíram ao PT os dossiês de invasão da receita federal criados no intestino do próprio PSDB, quando do embate Aécio-Serra. Ao fazê-lo, cobriram de véu a Verônica da semana santa, Eduardo Jorge e outros que, dizem as más línguas, estiveram nos navios da privataria fernandista. E agora jogam o último lance, espero que suicida, ao darem voz a um notório vigarista recem-saido da cadeia. Em 25 de agosto de 2005, no auge da escalada para derrubá-lo, Lula respondeu: "Nem farei o que fez o Getúlio Vargas, nem farei o que fez o Jânio Quadros, nem farei o que fez o João Goulart". Lula sairá outra vez por cima. Com o povo. É simples assim.

Que orgulho da nossa imprensa livre!: O governo tucano de São Paulo assina jornais e revistas da imprensa golpista e os distribui em todas as escolas públicas com o pretexto de promover o acesso das crianças e jovens à leitura. Nada disso. O que está em jogo nesse e em outros contratos milionários é a troca de favores políticos. Por isso as manchetes diárias do PIG contra Dilma e o PT. Por isso os factóides cotidianos. O que mais virá até 3 de outubro? Sempre haverá um coelho na cartola. Espero que morto, amigos ecologistas! De livre essa imprensa não tem nada. Se é para defender a liberdade de imprensa, que todas as cartas estejam na mesa. E não apenas às vésperas da eleição, quando não há tempo para formar a opinião verdadeiramente pública.

A santa evangélica de pau oco: Primeiro, Marina fez coro à Serra, foi sua coadjuvante. Agora, tenta caminho próprio e vai tirar uma parcela dos seus votos, mas poucos de Dilma. O seu eleitorado será a classe média reginaduartemente assustada ou envergonhada de Serra, que inclui também alguns componentes da elite dita intelectual. Qual é mesmo o projeto de Marina? Abrir nossas fronteiras para todas as bem(mal) intencionadas ONGS internacionais? Estimular o capitalismo-design-natura-virtual-moderno à moda do paulista Feldman? Quantos empregos vai gerar com esse pseudo-ecológico-evangélico capitalismo? Muitos dos meus colegas intelectuais historiadores acreditam nessa coisa. Sempre fora do mundo real!

Que saudade da Nara Leão!: Quando leio a coluna da Danuza Leão - o que faço só uma vez por ano e com o nariz tapado -, sinto enorme saudade da sua irmã. Daquela voz suave, daquela opinião generosa. Danuza, ao contrário, é reaça de mais e inteligente de menos. Por que não se limita a falar de etiqueta em vez de dar palpites políticos idiotas? Outro que me irrita, mas só esporadicamente quando decido perder tempo com suas crônicas, é Ferreira Gullar. Confesso que não gosto dos seus poemas, com exceção de uns poucos, como Luta corporalPoema sujo. Quanto às suas notas políticas, acho-as abomináveis. Expressão de puro ressentimento dos velhos comunostalinistas, atualmente liberais sempre às voltas com o passado recalcado, sob o manto do liberal PPS. Na coluna de hoje, Gullar foi longe demais ao acusar o PT do assassinato do prefeito Celso Daniel. Ex-stalinista é assim mesmo. Projeta nos outros os próprios crimes conscientes ou inconscientes. Que continue a escrever poemas, com o perdão da liberdade poética. Mas não me tenha entre seus leitores. Tou fora.  

7 comentários:

  1. Eu arrisco dizer que é um post impressionante e muito lúcido, principalmente quando sauda a Nara Leão.
    Beijos.

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  2. Alex Hagiwara (alexhistoria@usp.br)20 de setembro de 2010 às 00:27

    Celso, há qt tempo... Fui seu aluno na graduação em Assis. Hoje li estas suas "notas" sobre a política me deu saudades daquelas baitas aulas que dava na graduação. Consciente do tempo, forte, lírico e, sobretudo, lúcido foi o seu post como aquelas aulas em Assis. Abraços,
    Alex

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  3. É muito bom poder dizer o que se pensa e isto é a liberdade, mas se ainda não assistiu, assista o filme Víncere e reflita.
    cordiais saudações

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  4. Guaraciaba, dizer o que se pensa por si só não é liberdade, pois é necessário tb arcar com as reponsabilidades e consequências, como faz o AC, que certamente assume tudo o que escreveu no post. Dizer o que se pensa e não arcar com as responsabilidades é fazer o que a Veja faz! No Brasil a imprensa é livre pra agrilhoar os incautos como bem entende.

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  5. A.C., penso que vc atou muito bem os fios da trama política numa duração que vai bem além desses factóides rasos propagandeados pela PIG. O prurido pseudoético empunha pela tacanhez da classe média, que não suporta ver os pobres melhorando de vida uma vez que isso, aos olhos de nossos pequeno burgueses, significa diluir a barreira distintiva que delimitavam lugares claros a serem ocupados pelas camadas sociais é algo repulsivo.

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  6. Meu caro Antônio Celso,

    não sei quantos seguidores perdeu com esses comentários. Mas acaba de consolidar a conquista de mais um.

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  7. A. Celso,
    Parabéns pelo texto, no melhor estilo "homem revoltado" e, portanto, lúcido. Como isso faz falta nesses dias de tons pastéis das nossas consciências acomodadas...
    Só discordaria, humildemente, em relação à Marina. E, embora eu não seja da "classe média reginaduartemente assustada ou envergonhada de Serra", tampouco uma intelectual, acho que estou fora do mundo real mesmo...

    "podem ficar com a realidade
    esse baixo astral
    em que tudo entra pelo cano
    eu quero viver de verdade
    eu fico com o cinema americano"
    [Paulo Leminski]

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