sábado, 26 de dezembro de 2009

Observatório em trânsito

Este observatório se deslocará amanhã rumo às terras de Espanha e França. Só voltará no dia vinte do ano que vem, quando então estará em seu posto (fixo ?) na Praça da Sé. Promete, durante a permanência fora do lugar, remeter alguma coisa interessante ao leitor.
Claro que isto dependerá da sua capacidade de ajuste às circunstâncias, já que é um mecanismo meio enferrujado e com dificuldade de se adaptar às novas tecnologias. Seu modo de captação de imagens, por exemplo, anda fraco e demanda lentes adicionais. Até que elas sejam colocadas, o que leva tempo, corre o risco de perder instantâneos originais. Mas como, ultimamente, há pouca originalidade no mundo, o problema deixa de ter muita importância.
É bom, todavia, que não esperem furos de reportagem, recomendações úteis, retratos melosos ou comentários inteligentes sobre o exótico da vida. Este observatório não viaja com programação definida e nem trará souvenirs, a não ser aqueles que se encontram em qualquer camelódromo internacional. Sabe que em toda a praça do mundo sempre haverá a mesma oferta abundante de produtos "étnicos": bolivianos, brasileiros, nigerianos, mexicanos, romenos, hindus, chineses, turcos e por ai afora. Os pobres são exuberantes e já tem seu capitalismo próprio. Luxuriante e belo.
 Detesta viagens turísticas teleguiadas, com suas filas intermináveis de idiotas alegres. Odeia mais ainda excursões para adquirir Cultura, pois tal substantivo, se verdadeiro, não se presta à venda. Desejará, por certo, ver a Torre Eiffel, o Louvre ou revisitar o Prado, mas desde que não haja humanos babacas falantes com câmeras fotográficas por perto.
Impertinente como é, também evita viagens de trabalho, principalmente aquelas realizadas para participar de congressos acadêmicos redundantes. Não será o caso. Muito menos de jornada executiva terno-e-gravata com o objetivo de planejar ações empresariais ao som de papo técnico. Uó!
Rebelde como gostaria de ser, o observatório que vos fala, vestido com uma calça vermelha e um casaco de general, sonha regressivamente em pegar aquele velho navio e depois o Expresso 2222. Carcaça feita de peças românticas, se imagina como o personagem de Somerset Maugham numa jornada existencial em direção ao Oriente. Ou também como um Gatsby decadente, em meio aos derradeiros deleites da civilização.
Antes de embarcar (e não entende porque se usa este verbo para subir num avião), deixa aqui uma canção que descreve seus atuais movimentos d'alma:

2 comentários:

  1. leva um pouco de canibalismo pra essa gente cabeçuda

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  2. “O que se busca na viagem não é a descoberta nem a troca mas uma desterritorialização lenta, a responsabilidade pela própria viagem, logo, pela ausência. Nos vetores metálicos que transcendem os meridianos, os oceanos, os pólos, a ausência assume uma qualidade carnal. Ao segredo do estranhamento na vida privada sucede o aniquilamento pela longitude e pela latitude. Mas, no fim, o corpo fica cansado de não saber onde está, ao passo que o espírito se exalta dessa ausência como de uma qualidade que lhe é própria.
    No final das contas, o que procuramos nos outros talvez seja essa mesma desterritorialização lenta da viagem. O desejo próprio e a descoberta são substituídos pela tentação do exílio no desejo do outro, e de sua travessia”
    Jean Baudrillard

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