quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Idéias fortes sob suspeita

Não é sobre o meu umbigo este post. É sobre um livro que ainda não acabei de ler e já me despertou algumas idéias. Recomendo-o, pois embora não seja uma obra-prima imprescindível, traz sabedoria em algumas das passagens: Diário de um ano ruim, de J. M. Coetzee, um romancista sul-africano branco, ganhador do Nobel em 2002, que vive hoje na Austrália.
É uma espécie de metaliteratura, característica dos tempos atuais, já que entrecruza três planos narrativos: ensaios do autor sobre questões diversas, em linguagem objetiva; pensamentos íntimos do autor e pensamentos íntimos de uma jovem filipina, contratada por ele como digitadora.
Os ensaios receberiam o título de Opiniões fortes e se destinariam a compor uma obra alemã heterodoxa sobre temas contemporâneos controversos. Ocorre que tais opiniões acabam por se chocar ao longo do livro com as reflexões cotidianas um tanto senso comum dele próprio e de sua secretária. Ele, um escritor já velho, que buscava contribuir para a humanidade com algum tipo de sabedoria, ela, portadora de um saber prático e apenas sensual. Idéia interessante e bem-resolvida, nada mais.
As suas opiniões fortes, ma non troppo, tentam dizer mais do que é dito pelo senso comum e pela subjetividade pura. Tratam de tudo um pouco: da origem do Estado, da democracia e da anarquia, de Maquiavel, do terrorismo, da Al-Qaeda, da universidade e da pedofilia, da política na Austrália e no mundo... Os ensaios da segunda parte são mais curtos e pessoais. O escritor fala do pai, de um sonho, do tédio, da vida erótica e dos livros clássicos.
Mas o que seriam tais opiniões fortes? Descobre-se no livro como é hoje difícil, senão improvável, tê-las, pois umas anulam as outras e todas devem ser objeto de dúvida. Num certo momento, Coetzee atribui à universidade a culpa da dissolvência dos valores associados à idéia de verdade: "em aulas de literatura nos Estados Unidos nos anos 1980 e 1990, nas quais eles aprenderam que a suspeita é um virtude importante da crítica, que o crítico não deve aceitar absolutamente nada por seu valor aparente. De sua exposição à teoria literária, esses graduados não muito inteligentes da academia de humanidades, em sua fase pós-modernista, depreenderam um conjunto de instrumentos analíticos que entendiam obscuramente como útil fora da sala de aula, e uma intuição de que a capacidade de afirmar que nada é o que parece ser pode levar a algum lugar".
Mesmo assim ele emite algumas idéias vigorosas, sobretudo a respeito do mundo acadêmico: "...o que as universidades sofreram durante os anos 1980 e 1990 foi bem vergonhoso, uma vez que, diante da ameaça de ver cortadas as suas verbas, elas se permitiram ser transformadas em empresas, nas quais os professores que antes conduziam suas pesquisas com soberana liberdade foram transformados em explorados funcionários obrigados a preencher cotas sob o olhar de gerentes profissionais. É muito duvidoso que os velhos poderes do professorado venham a ser restaurados". Coetzee se refere à universidade norte-americana, modelo para o mundo inteiro, e fala de cota para questionar o quinhão de pesquisa dirigida esperada de cada docente (não as cotas étnico-sociais brasileiras).
Não sei bem, mas acho que o escritor diz coisas pertinentes, malgrado expresse uma visão liberal de universidade já fora de lugar. Será que no Brasil também perdemos a capacidade de expor idéias fortes? E se isso for verdade, haverá alguma cota de "culpa" a atribuir à universidade? 

Um comentário:

  1. Hum... só sei que parecia que antes tudo começava lá (na Universidade...), digo, as formas de vanguardismo. Mas hj... parece que tudo acaba lá... ela é tão só instrumento... Será?... Tb tenho minhas dúvidas, mas acho q é mesmo por ai... Acho que o que ainda há de diferente está nos bate-papos de corridor, dificilmente de dentro da sala de aula, então depende do ponto-de-vista com o qual enxergamos Universidade, de universo mesmo, ou só de sala de aula (ou salões de congressos enfadonhos chovendo no molhado...). Se falamos de Acadêmia, ai sim, vejo bem pertinente essas opiniões do citado autor.

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