Neste exílio para recuperaçâo da saúde, o mundo real parece absurdo e delirante. A começar pela tv, que se tornou a expressâo mais acabada e hiperbólica daquilo que Guy Debord chamou de sociedade do espetáculo. E nem me refiro ao BBB, aos pastores eletrônicos, ao noticiário político sob controle do PIG, ou à ausência de informaçôes a respeito da greve dos professores e da situaçâo da escola pública. O espetáculo do dia é o caso Nardoni, que demonstra cabalmente como uma tragédia é banalizada pelo bombardeio mercadológico, e assim esvaziada da sua funçâo catártica, necessária ao trabalho de luto e à reflexâo sobre a condiçâo humana - uma das bases constitutivas do Direito.
Mas nâo é hora de falar desse tipo de mídia. Minha cabeça prefere estar em outros lugares, ainda que integrantes do universo espetacular. Pois é: terminei de ler o livro Como a geraçâo sexo-drogas-e rock'n'roll salvou Hollywood, de Peter Biskind, anunciado em post anterior. Fiquei satisfeito com o trabalho, que mostra como um punhado de jovens talentosos, ousados e sonhadores tentaram criar uma nova cinematografia nos Estados Unidos, mas foram destruídos pelo sistema - velho jargâo esquerdista que, acredito, ainda vale como categoria de crítica.
O autor acompanha passo a passo a carreira, a vida e os filmes de diretores que, inspirados na melhor experiência européia, pretenderam desenvolver o cinema autoral na Hollywood dos anos 60 e 70. Deram, evidentemente, como os burros n'água, apesar dos antológicos filmes que deixaram e dos milhôes de dólares que, eventualmente, ganharam e investiram em cocaína e orgias. Os principais foram Robert Altman (M*A*S*H, Voar é com os pássaros, Nashville), Peter Bognadovich (A última sessâo de cinema, Lua de papel), Francis Ford Coppolla (Caminhos mal traçados, O poderoso chefâo, Apocalipse Now), Dennis Hopper (Sem destino, The last movie), Paul Schrader (Vivendo na corda bamba, Gigolô americano), Martin Scorsese (Caminhos perigosos, Alice nâo mora mais aqui, Taxi driver, Touro indomável), Warren Beatty (O céu pode esperar, Reds), Hal Ashby (Ensina-me a viver, Amargo regresso, Muito além do jardim). Desta lista ainda poderiam fazer parte amigos de uma mesma geraçâo sonhadora, como George Lucas e Steven Spielberg, que embora talentosos, sucumbiram mais facilmente, sobretudo o último, aos encantos do sistema.
Longe de mim a presunçâo de analisar o conteúdo e a forma dessas obras, ou ainda suas mensagens críticas, expressâo comum àquela época. De qualquer modo, e segundo Peter Biskind, elas participaram do esforço de rebeldia de toda uma geraçâo de artistas que se viram, nas décadas seguintes, atolados no cinema meramente comercial, outra vez triunfante até nossos dias.
Apocalipse Now talvez seja a obra emblemática dessa safra de criadores. Projetada como um registro surrealista - nas palavras do seu diretor -, realizada nas Filipinas com o dispêndio de cifras astronômicas e praticamente sem roteiro, o filme expressa o delírio de um diretor que buscou, a todo custo, deixar uma marca pessoal, mesmo que contraditória, da sua existência alucinada no universo alucinado dos espetáculos de alta reprodutibilidade técnica.
Os megalomaníacos Coppola, Coronel Kurt e Marlon Brando sâo os mesmos do espelho de um mundo delirante, maior que a tv e o caso Nardoni. Retiro-me ao exílio para rever este que ficou como o exemplo máximo da artística monstruosidade humana:
Apocalipse Now talvez seja a obra emblemática dessa safra de criadores. Projetada como um registro surrealista - nas palavras do seu diretor -, realizada nas Filipinas com o dispêndio de cifras astronômicas e praticamente sem roteiro, o filme expressa o delírio de um diretor que buscou, a todo custo, deixar uma marca pessoal, mesmo que contraditória, da sua existência alucinada no universo alucinado dos espetáculos de alta reprodutibilidade técnica.
Os megalomaníacos Coppola, Coronel Kurt e Marlon Brando sâo os mesmos do espelho de um mundo delirante, maior que a tv e o caso Nardoni. Retiro-me ao exílio para rever este que ficou como o exemplo máximo da artística monstruosidade humana:
É, meu caro, a vida real anda a passos largos em sentido contrário ao da Arte. Também com a Religião e a Política, com suas máquinas vorazes, nos deixando qual bagaços... quem aguenta? E a Ciência, que poderia nos salvar, é o esteio da Indústria a nos moer como carne de segunda. Só nos resta a Utopia, esta filha predileta da Arte e da Filosofia.
ResponderExcluirOi Paulo, a ciência não é um produto, e sim uma forma de entender com as coisas são e funcionam. Acho que o método científico aplicado no dia a dia sim pode nos ajudar a não cair em arapucas, sejam estas religiosas, políticas, místicas, mercadológicas, etc.
ResponderExcluirAbração a todos