Não é só um fantasma dos cinquentões. Por mais que se busque noutras direções, o fato é que os anos 60 e 70 foram um grande celeiro, cujos frutos ainda não desapareceram de todo na cultura morna dos nossos dias. Um celeiro marcado por experiências de ruptura política, comportamental e artística, muito faladas e hoje mais folclorizadas do que compreendidas. Certas figuras condensaram todas as extravagâncias daquela época, como Lennon, em sua busca ininterrupta por alguma transcendência através das drogas, das meditações, do útero de Yoko, do engajamento político, da psicanálise e, sobretudo, da música.
Mas nem bem terminei de ler a biografia deste último astro, e já estou atolado noutro livro sobre o mesmo período: Como a geração sexo-drogas-e-rock'n'roll salvou Hollywood: easy riders, raging bulls, escrito pelo jornalista nova-yorkino Peter Biskind. Como o título quilométrico anuncia, trata-se de um inventário do surgimento de uma geração de novos diretores nos Estados Unidos, àquela altura jovens e à margem do sistema cinematográfico, que invadiram a então obsoleta e conservadora Hollywood.
Comprei a obra numa livraria de rodoviária, ao perceber que ela seria bem apropriada para ler durante uma viagem (no sentido estrito da palavra). Mas não é só destas viagens geográficas que o livro fala, e sim das alucinógenas, sexuais e criativas, realizadas por muita gente já devidamente sacralizada hoje em dia, como Denis Hopper, Francis Ford Coppola, George Lucas, Jack Nicholson, Paul Schrader, Peter Bogdanovich, Peter Fonda, Robert Altman, De Niro, Polanski, Spielberg, Faye Dunaway, Julie Christie, Candice Bergen e Warren Beatty, dentre inúmeros outros diretores e estrelas.
Cada capítulo contém tudo aquilo que os escritores-jornalistas norte-americanos sabem fazer muito bem para satisfazer os leitores curiosos, como é meu caso: confidências extraídas de centenas de entrevistados; fofocas sobre casamentos e traições; confissões de bebedeiras e consumo de drogas; revelações bombásticas de brigas nos lares e nos estúdios, e assim por diante. Esta é só a parte apetitosa de um relato muito mais proveitoso para se entender como o cinema de Hollywood foi capaz de superar as produções água-com-açúcar protagonizadas por Doris Day ou as estórias moralistas de mocinhos e vilões, típicas do pós-guerra. E assim de se adaptar aos novos tempos da rebeldia jovem, da luta pelos direitos civis, dos panteras negras, dos hippies, das passeatas contra a Guerra do Vietnã, da nouvelle vague, de Godart, Felline ou outros europeus, sem falar do nosso Cinema Novo, que provavelmente eles ignorassem.
Novos tempos, aliás, que se traduziram numa sequência de filmes memoráveis, acompanhados passo a passo no livro, cujos enredos se mesclam ao próprio ambiente vivido naqueles tempos: entre os quais, Bonnie e Clyde - uma rajada de balas, A primeira noite de um homem, 2001: uma odisséia no espaço, O bebê de Rosemary, Perdidos na noite, Sem destino, A última sessão de cinema.
Ainda estou no começo da leitura, mas já fui fisgado pela narrativa de Biskind. Vou continuar, porque nossa longa sessão de cinema do império ocidental ainda não terminou, malgrado suas caretices recentes.
Toda revolução tem que ter altas doses de esbórnia. Coisa que estes tempos tão politicamente corretos parecem não entender.
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