quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O desassossego - em memória de Fernando Pessoa.

Tem uns cinco anos que a psicanálise serve para aplacar e reacender meu desassossego. Livros dessa marca já somam quase o mesmo número das obras de literatura, filosofia ou história na minha biblioteca.  Além de não caberem nas estantes, também se acumulam na fila de leituras. O último que comprei trata dos anos finais de Freud a partir da sua fuga para a Inglaterra. O autor, cujo nome não me recordo nesta lan house, é pouco conhecido por aqui - um professor universitário britânico, do tipo especializado.
Décadas atrás, procurava o sentido da vida e do mundo em outras plagas e pragas. Toda gente vive em busca desse sentido. Muitos se contentam com coisas mais tangíveis, um casamento, um trabalho, uma fortuna, um time, uma injeção de botox. Para mim e para os outros inconformistas, no entanto,  nada disso compensa. A solução é então viver na constante intranquilidade.
As religiões não me satisfazem, exceto no seu aspecto ritualístico. Gosto, por exemplo, do cheiro de incenso católico e ortodoxo, que embora não conduza a uma verdade suprema, é capaz de produzir um ecstasy agradável. Aprecio também as cerimônias de origem africana, sempre inebriantes e estimuladoras das manifestações instintivas. Mas detesto os espetáculos neopentacostais e carismáticos. Se para conversar com deus é preciso urrar grotescamente, prefiro falar comigo mesmo em silêncio. O budismo talvez fosse saudável para mim se o tivesse cultivado desde a infância. Na altura em que estou, não tenho mais paciência para levitações e meditações prolongadas.
É claro que sempre haverá um romance com o qual eu possa me identificar. Ultimamente, são poucos e raras vezes inspiradores. A História nunca foi minha fonte preferida, sobretudo agora, que se tornou uma espécie de metodologia aplicável a qualquer situação, até a mais insignificante. Descobri que gosto da História como exemplo de atos de grandeza, à maneira dos antigos, o que, obviamente, não se encontra com tanta facilidade nos tempos.
Gostaria de ter gostado das grandes especulações da Física, mas não tenho conexões neuronais suficientes para isso. Felizmente, meu filho realiza essa vontade por mim, ele que ama a física teórica. Acho as outras ciências chatas e inferiores, principalmente as ditas sociais, cuja pretensão me faz gargalhar. Quanto às técnicas - que segundo creio, abrangem todo os demais saberes -, não são capazes de me despertar qualquer curiosidade.
Me sinto também muito atraído pela Filosofia, contudo, dificilmente consigo acompanhar seus discursos. Tiro dela aquilo que é mais simples de entender e que faz algum sentido na busca de sentidos. Durante anos fiquei vidrado no existencialismo, com o qual iniciei contato por meio dos romances sartreanos e só depois alcancei no discurso filosófico. Ainda penso no indivíduo como alguém a sós com sua liberdade contingente.
Mas, como dizia no início deste post, nos últimos anos só encontro algum alívio nos livros de psicanálise. Não nos de psicologia do ego, que se disseminam barbaramente com receitas de melhora da autoestima, receitas retwitadas ao infinito pelas socialites e evangélicas da televisão. 
Falo da psicanálise em sentido estrito, exatamente aquela que se constituiu na frição entre a filosofia e a ciência, e não se reduz a um método nem a uma técnica. Aquela que deslocou o homem de todos os outros sentidos e o revelou também a sós - não com sua liberdade, como no existencialismo, mas com seu desejo - esse profundo desconhecido, também chamado de isso ou aquilo que nos escapa entre os dedos, deixando apenas o desassossego repetido.  

3 comentários:

  1. O desejo é um saco sem fundo.
    O que é a psicologia fora da prática médica?
    “neurótico já esse seu utilitarismo”
    Sim, mas não tão raso... antes de estarmos nessa enrascada que é “x disciplina” éramos o que? Talvez resistamos às “funções” que nos querem impor, porque a existência escapa a qualquer utilidade. Reprodução, logo o desejo? A resposta é sempre uma pergunta. Queremos escapar a qualquer definição... que nos definhe, que nos leve direto para o fim, finalidade. Porém, já nos impuseram algo: questões,duvidas, que nos levam adiante para todos os lados, mas também nos limitam. São o projeto de Outro, um estranho coletivo e anônimo, que não é sequer coerente. “Produzimos (somos) para os pares”, lembra de Certeau?
    Temos a priore a resposta de tudo, mas nos inundam obrigações para com o empirismo. Exigem que pensemos, mas nos proíbem pensar. No fundo o mestre guarda um terrível segredo: não saber. O dever para com sua incapacidade oprime. A humildade de quem é instruído é mascara para a arrogância. Penso no mestre instituição.
    Podemos tudo, mas tudo é inútil. Ou, tudo é útil... de uma utilidade misteriosa, que nunca nos retorna.
    Também não gosto – no meu caso projeto – de ser historiador. Isso parece sacrificar nossas melhores potencialidades. A possibilidade de tudo na jovem imaginação, a liberdade de especular. E parece ser desonesto fazer tanta concessão, fingir tanto não-saber, para unicamente escapar a escravidão do trabalho. No fundo é a mesma escravidão, o que produzimos nos escapa.
    ...também penso que a história pode ser tudo e tudo pode ser história. É só recuar um pouquinho, ignorar o que dizem os pós-modernos, que fazemos ficção (porque não há duvidas de que fazemos), de que procedemos recortes arbitrários obedecendo escolhas etc etc, de que não há nada menos empírico do que um livro de n paginas... e vamos encontrar lá, nesse quase nada que é a Historia antes de ser História, as questões relevantes. A instituição parecerá um pouco louca e ela é. Somos ainda o produto dessa História, que nos trouxe a esse presente de contrastes, de contradições. Já surgem idéias provocantes: o Outro, o desigual. O Outro no passado, que é aquela “falha no presente”, o que quer ser dito. Que importa que só encontremos a nós e a nosso desejo. Que feliz que o seja. Estar vivo é enquanto essa busca não termina. Pro nosso bem social e individual, ela nunca termina.

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  2. ... mas o texto era sobre desassossegos.
    Impossivel que alguma coisa do que ja não podemos pretender saber comunique a vida

    sim a psicanalise
    e todo texto que ainda produza uma sombra

    como em nossas vidas
    o mais importante fica por ser dito

    frequentemente me torno impertinente

    ansio ler a vida como um livro
    o conforto de uma ordem restauradora
    Como um Pausanias no banquete
    correndo o risco do imobilismo

    Desassosseguemos

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  3. Estou lendo “O lobo da estepe” e tenho sentido as agruras do desassossego tão explicitamente materializadas na escrita de Hermann Hesse. Aceitar essa condição como algo perene é trabalhar feito Sísifo: inventamos sentidos para a vida e, no momento seguinte, precisamos destruí-los. Desiludir-se de tudo é imprescindível, pois como Marx já antecipara “Tudo que é sólido desmancha no ar” ; mas é também perigoso, paralisador, para mim. A conclusão de tudo isso é uma espécie de condenação, pois os pequenos prazeres tornam-se estéreis. “Existirmos a que será que se destina?”
    Queria colocar uma imagem representando Sísifo que é de uma beleza aterradora...

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