Não fiquei sossegado desde o último post. O fato é que, depois de sair do cinema, corri na chuva pela avenida Paulista à procura da primeira lan house aberta. Procurava a tela brilhante da net por dois motivos, que talvez se resumam a um único.
Primeiro, para dizer aos amigos e amigas que acabei de ver Fados, o filme-documentário de Carlos Saura (o mesmo de Cria Cuervos, realizado ainda durante a ditadura franquista) em exibição na Mostra Internacional de Cinema. Magnífico, emocionante, daqueles aplaudidos pelo público ao final da sessão. Estão lá os mais importantes fadistas portugueses vivos, os jovens e os velhos, mas também os já mortos, justamente homenageados. Estão lá ainda os fados modernos, os fados de Moçambique e outras ex-colônias, nas maravilhosas vozes de intérpretes que desconhecemos, estão lá modinhas e lundus brasileiros. Estão lá músicos de primeira, cantores e cantoras de vozes lindas, ritmos e entonações que nos fazem desabar na poltrona. Estão lá, e não poderiam deixar de estar num filme de diretor espanhol, dançarinos que sangram música em seus corpos, trágicos e sublimes.
Segundo, para falar com orgulho, que entre os cantores e dançarinos do documentário, também estão três brasileiros enlevados na mesma paixão: Toni Garrido, que interpreta com ternura e alma uma modinha brasileira, contracenando com belíssimas mulatas a deslizar como anjos pelo salão; Chico Buarque e seu Fado tropical, numa apoteose celebrativa da Revolução dos Cravos que, junto com Grândola, vila morena, faz a platéia chorar; e Caetano Veloso a entoar - quase sussurrar -, com emoção e virtuose, a Estranha forma de vida, canção de Alfredo Duarte e Amália Rodrigues.
A presença desses dois brasileiros de uma mesma geração, ambos engajados até o pescoço na vida política e cultural brasileira dos anos 60 e 70, cada um com suas idiosincracias, me fez lembrar da velha rivalidade entre seus fãs. Eu, que sempre gostei dos dois, presto a eles aqui minha homenagem, porque bem sei que um artista não se julga apenas pelo que diz, mas sobretudo pela sua arte. Segue um trecho da canção interpretada por Veloso:
"coração independente
coração que eu não comando:
vive perdido entre a gente
teimosamente sangrando
coração independente.
eu não te acompanho mais:
para, deixa de bater
se não sabes aonde vais
por que teimas em correr
eu não te acompanho mais".
E assim deixo aqui uma palavra e um apelo a Caetano, caso ele pudesse ler esta página. Sei que o coração humano vive sempre uma vida à parte, especialmente no corpo do artista - o mais frágil de todos os seres. Mas sei também, Caetano, que é a tua língua que não te acompanha mais, e menos o teu coração. Não a tua língua poética, essa que ainda deve guardar alguma poesia, e sim a tua língua política, reacionária, que se não te compromete como artista, te degrada como homem. Vai, deixa de falar!
A relação entre a sensibilidade e as emoções provocadas por pessoas talentosas muitas vezes não tem equivalente no posicionamento político, caso de Caetano e do também baiano Glauber Rocha. Mas, em relação a falsa oposição entre Chico e Caetano é o momento de perceber as respectivas obras como complementares. Ouvir Caetano e Chico é experimentar sensibilidades diversas mas intimamente relacionadas, que expressam a riqueza da cultura brasileira.
ResponderExcluirEstive fazendo outras conexões na Bienal Sesc de Dança e vejo que o blogueiro está em erupção!
ResponderExcluir... otimismo demais... otimismo reaça... achar bonito o feio... idealizar e compensar. Sera essa mistificação o produto da liberdade, do estilo, da arte? algo que é incompativel com a estreiteza e o realismo da politica? Sera essa a unica possibilidade ao artista: pensar o Outro na sua estranheza, falar em seu lugar? ou é a politica algo mais impositivo que a cultura?
ResponderExcluirque derrepente acontece a coisa indesejado do objeto de arte ascender a condição de sujeito e consciente, sacudir as aparencias com a qual o compreendiam.
Eu não tinha ainda lido isso "Marina é Lula e é Obama ao mesmo tempo. Ela é meio preta, é uma cabocla, é inteligente como o Obama, não é analfabeta como o Lula que não sabe falar, é cafona falando, grosseiro". Ele enlouqueceu? Ou trata-se de uma ligeira inflexão moral, preservando a estetica. Quem souber explicar Caetano que se pronuncie... talvez possa tambem explicar Jabour.
ResponderExcluirE tem mais essa "O Serra foi um excelente ministro da Saúde. Agora, ele é o tipo do cara que, se tivesse ganho no lugar de Lula, em 2002, teria trazido mais problemas à economia brasileira. Ele teria feito um governo mais à esquerda e a economia talvez tivesse problemas que não está tendo porque o Lula fez a economia de direita. E ouve os conselhos de Delfim Neto, que o Serra não ouviria. O Lula foi mais realista que o rei. Foi bom, a economia deslanchou" que a politica economica do governo Lula foi meio pautada num certo pragmatismo eu até concordo... e mais essa, perguntado sobre a função do Estado no processo de desenvolvimento "Simpatizo muito com a tradição liberal inglesa e anglófona"
Cabeça pequeno-burguesa para politica, inglesa para a economia, antropologia francesa para a cultura e otimismo tropicalista individualista para o proprio umbigo. Que carreira! uma ascenção progressiva da rebeldia (comercial) ao conservadorismo de quem se agarra ao poder
Gosto do Caetano. é a prova viva de que nem toda contradição precisa ser resolvida... que boas ideias convivem com ausencia de auto-critica e escrupulos
Desculpem-me por ficar colando um monte de coisas, mas aqui ele se entrega (o Caetano): O mundo hoje é de gente pré-fabricada pelo marketing e meios de comunicação? Nada disso. Para Caetano, houve uma mudança tecnológica imensa e também desdobramentos históricos. "Fico me perguntando: aqueles pintores que ficaram famosos, foram mais sagazes em seduzir príncipes ou reis, ou eram mesmo os mais talentosos? Ou foram os que combinaram melhor as duas coisas? Ou os que tiveram a sorte de encontrar um príncipe que gostou deles? A diferença hoje passa por outros canais." E isso é bom ou é ruim? "Nem bom nem ruim, é o que é."
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