quarta-feira, 17 de março de 2010

Sarney também dá arte

A figura de José Sarney é inseparável do mundo da política e das artes, ou melhor, das artes institucionais. Pouco se sabe das suas origens, a nâo ser que nada tinham de aristocráticas. Reza a lenda que o sobrenome Sarney, oficialmente incorporado por ele como homenagem a seu pai, deriva da pronúncia popular enviezada de Sir Ney - um inglês que teria deixado amplo ramo bastardo no Maranhâo, do qual o imortal descenderia. 
Assim como outros homens de berço humilde, José abriu seus caminhos rumo à notoriedade através das letras. Na década de 1950, fez parte de um grupo modernista que pretendia nâo só renovar a literatura local, equiparando-a à moderna literatura nacional, como também restaurar o prestígio intelectual de Sâo Luís do Maranhâo, que no final do século XIX fôra chamada de Atenas brasileira. Outro dos expoentes desse grupo foi Ferreira Gullar, poeta de inegável qualidade e hoje um conservador em matéria de política, como a maioria dos seus parceiros do antigo PCB, atualmente PPS.
A carreira política de Sarney confirma bem o ditado popular: em terra de cego quem tem um olho é rei. Com sua boa retórica em terra de iletrados, ele logo ganhou popularidade, tanto que, depois de algumas legislaturas, elegeu-se governador. Bem relacionado com artistas e intelectuais, contratou Glauber Rocha, um esquerdista insuspeito, para documentar sua posse no Palácio dos Leôes. Naquela época, seu nome ainda era associado à luta das novas geraçôes para destronar os velhos coronéis da política local - Vitorino Freire, no caso do Maranhâo.
Quem conta esta estória com detalhes e competência é meu amigo maranhense - ex-orientando - José Henrique de Paula Borralho, em sua tese Terra de céu e nostalgia. Seu trabalho vai até os anos 50, nâo acompanhando, portanto, os tempos em que Sarney passaria do PSD à UDN, desta à Arena até chegar ao PMDB. E que também o veriam na presidência da República, por sorte ou macumba, no Senado, no noticiário da corrupçâo, como imortal da AML e da ABL e mecenas cultuado por vários artistas populares, entre eles, Alcione. Triste ironia na estória de quem, sob a bandeira do anticoronelismo, se tornou um coronel.
Mas este nâo é um preâmbulo para uma análise de suas artes literárias (quanto às suas artes políticas, já sâo bastante conhecidas, o que dispensa a necessidade de qualquer comentário). Aliás, confesso que nem li seus romances e contos, os quais, segundo os críticos, nada inovam em relaçâo ao velho regionalismo dos anos 30.
Aqui, Sarney é só um mote para falar de uma outra arte que tem o poder de purificar essas mazelas do poder pelo simples exercício poético. Alguém já ouviu a cançâo Boi Dono do Mar, de Zeca Baleiro? Pois bem, ai está um bom exemplo disso e nem é necessário recorrer às sofisticadas metodologias de crítica literária para chegar a tal conclusâo. É tudo muito simples.
No poema do compositor maranhense, todo poder, toda riqueza e toda pretensâo beletrista que formam o retrato de Sarney se desmilinguam com humor, beleza e amor. Na letra de Zeca Baleiro, os leôes do palácio do governo de Sâo Luís, símbolos do poder que se quer monumental, se transformam em singelos presentes para a amada, tal como a língua e o sotaque regional, instrumentos tâo utilizados na literatura envelhecida do dono do mar - anhâo.
Nenhuma crítica política terá a contundência deste poema despretencioso: 

(pena que nâo haja na net o vídeo com a música para baixar neste blog): 

Morena toma o meu braço
minha dança meu passo
É tudo que eu posso te dar
Morena leva o meu beijo
Meu carinho meu desejo
Meu amor meu maracá
Se eu pudesse eu te dava toda a riqueza
Luxo glória e beleza remédio pra toda dor
Ah eu te dava os leôes do meu palácio
Tudo quanto é rima fácil meu jardim crivado de flor

Te dava a minha língua e o meu coraçâo
Se eu fosse dono do mar
Se eu fosse dono do maranhâo (...)


2 comentários:

  1. Zé Ribamar, vulgo Sir Ney, e seus marimbondos fumegantes é mais eloquente prova de que somos ainda uma província em matéria de nação.

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  2. Olá, cheguei, fui entrando e vou ficar, eu quero fazer parte da sua hstória da sua jornada.Sempre qu eu tiver um tempinho corro aqui te ler.
    com carinho
    Hana

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