sexta-feira, 7 de maio de 2010

Carta a um prefeito do interior paulista

Prezado prefeito

Talvez você não se lembre de mim, mas eu me lembro que o recebi em minha casa acompanhado de um amigo comum. Faz muito tempo, quando ainda éramos bastante jovens. Naquela época eu cursava o primeiro ano da graduação na Universidade de Brasília. Durante as férias, ao retornar à nossa terrinha, gostava de reunir os amigos para contar minhas peripécias na capital federal.
Você foi um dos que então estiveram num desses encontros em que falávamos do movimento estudantil e do combate à ditadura, líamos coisas consideradas subversivas e sonhávamos grandes bobagens. Nossa cidade, que mal somava uns cem mil habitantes, nos parecia muito provinciana para essas ousadias.
Ambos vínhamos de famílias muito antigas da região, mas a sua tinha uma marca a mais: carregava a distinção do nome do seu pai, ex-prefeito da cidade. Deste então, não tivemos outros encontros como esse e iríamos percorrer caminhos diametralmente opostos, principalmente políticos.
Nossos companheiros também seriam outros: enquanto eu andava em más companhias (ex ou pré-presos político e gente com tal figurino) você primava pelas boas. Tornou-se político profissional - vereador, deputado -, tendo passado por vários partidos da ordem, inclusive o da ordem malufista. O que explicará, creio eu, vários aspectos do seu futuro, que no presente integra a base centro-esquerda do governo federal.
Daqueles áureos anos para cá, muita coisa mudou no Brasil e no mundo. Caiu a ditadura, as cidades cresceram ainda mais, inclusive a nossa, ferida por problemas típicos das metrópoles, como as ruas entupidas de carros, o centro deteriorado, a periferia pobre e inchada. Os ideais de justiça social ficaram em segundo plano, mas, em muito países, foram bolados e até efetivados projetos de melhoria urbana pautados pela consciência ambiental e social.
Nesse interim, você seguiu na mesma toada da direita que o levou ao mesmo lugar outrora ocupado por seu pai. Azarão nas pesquisas eleitorais, acabou por vencer o candidato adversário - um jovem do PT - com uma margem mínima de votos obtidos na última hora e cabalados pelos grupos conservadores locais. Confesso que votei no outro candidato e não me arrependi.
Desconfiei desde o início dos seus projetos. Agora tenho a certeza de que são péssimos. Um dos principais, já aprovado a toque de caixa pela Câmara dos Vereadores, é a construção de uma uma imensa garagem subterrânea (com a inevitável plataforma de concreto na superfície) numa das principais (e poucas) praças centrais da cidade. Tudo para abrigar três centenas dos milhares de automóveis da nossa classe média cintilante e aumentar ainda mais o volume de tráfego na área. Mega-ultra-big projeto de concreto bem ao gosto do modernismo provinciano. 
Ao imaginar o que será essa obra-prima, a primeira paisagem que me vem à mente é a horrenda Praça Roosevelt paulistana, erguida naqueles tempos da nossa única reunião e que, segundo os melhores engenheiros, arquitetos e urbanistas, deverá urgentemente ser posta abaixo. O autor desse edifício do mal, que só poderia se converter em antro escuro da criminalidade, foi o seu velho amigo Maluf. Mas o seu projeto também vai ficar parecido com outras obras monstrego-monumentais realizadas na nossa cidade naqueles mesmos anos 70, como a claudicante Rodoviária e o anticultural prédio da Praça Cívica.
Um dos seus outros companheiros de jornada política, no entanto, o prefeito da capital de São Paulo, velho malufista hipocritamente arrependido, declarou ontem que pretende derrubar o Minhocão, obra de idêntica monstruosidade. Não sou fã desse prefeito demo, mas tenho de admitir que ele acertou no caso do elevado.
Prezado prefeito. Como ficamos muito tempo distanciados, não sei como você se preparou durante esses anos para o mais alto posto do nosso município. Por exemplo, que livros de urbanismo leu, que cidades visitou? Tenho curiosidade especial em saber por que gosta tanto da engenharia e da arquitetura do período da ditadura. Eu, particularmente, as detesto.
Até acho legítimo que você queira inscrever seu nome na história. Pena que seja com obras desse tipo, fatalmente destinadas à implosão ou à explosão.

Sem mais, 
Cordialmente
um seu conterrâneo 

3 comentários:

  1. A gestão pública das cidades brasileiras, no sentido literal do termo, não caracteriza a maioria das intervenções realizadas no Brasil. O desperdício de recursos impregna as ações urbanas. É lamentável que os prefeitos brasileiros não mirem exemplos bem sucedidos como Seul para que as cidades possam oferecer aos habitantes mais qualidade de vida, afinal o espaço urbano deve ser das pessoas e não dos carros.

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  2. Celso:
    Acho que nossa cidade se beneficiaria muitíssimo se vc enviasse esse texto para o Diário ou para o Bom Dia. "Se" ele fosse publicado (não sabemos em que pé está a orientação editorial daqueles impressos)penso que poderia surgir um bom debate entre os cidadãos.
    Ingenuidade minha?

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  3. Este prefeito também nunca me enganou... Ele também se aliou a Manuel Antunes, pouco antes de se candidatar. Escória da escória!

    Danilo Ferrari - seu aluno da pós-2010.

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