Dando sequência ao post anterior, reitero que o livro de Jon Savage demonstra, com inteligência e sobriedade, como a juventude, um aglomerado etário-populacional heterogêneo - e até então destituído de identidade sociocultural particular, é revestido de suma importância no século XX. Embora seu estudo se limite aos casos da Inglaterra, dos Estados Unidos e da França entre 1880 a 1945, não resta dúvida de que o fenômeno também se estendeu por várias outros países do globo. Não necessariamente na mesma escala temporal, o que torna sua obra um estímulo para pesquisas sobre regiões diversas.
Tal circunstância resultou, segundo ele, da intensa urbanização (acrescida da imigração, no caso dos Estados Unidos) ocorrida à época, que deu ampla visibilidade ao cada vez maior contingente de jovens, antes disperso nas áreas rurais e subordinado ao universo das famílias. Nas ruas das metrópoles e relativamente libertos do controle dos pais, os jovens passarão a ser conhecidos, investigados, retratados e catalogados por profissionais ou diletantes de diferentes instituições: repórteres, policiais, políticos, assistentes sociais, médicos, psiquiatras, psicólogos, educadores, sociólogos, criminalistas, artistas, romancistas, militares, religiosos. E finalmente por empresários e publicitários, que logo descobrirão um novo potencial de consumo até então oculto naquela massa informe.
Não é à toa que tenham surgido examente nesse contexto alguns termos hoje extremamente conhecidos e usados em nosso cotidiano: adolescência, teens e similares. E não é também fortuito que tanto se tenha investido nesses segmentos etários e sociais, seja para assimilá-los à ordem, seja para moldá-los como força histórica transformadora.
Savage acompanha passo a passo esses distintos processos com base numa documentação que permite compreender tanto o ponto de vista dos próprios adolescentes quanto o daqueles profissionais citados. É ainda notável como o autor contextualiza as diversas faces da juventude em diferentes momentos: os delinquentes dos bairros periféricos e operários no final do século XIX, os poetas decadentistas da mesma época, os estudantes preparados para a fábrica ou para a guerra no início do seculo seguinte, os fascistas e nazistas, os adolescentes na crise de 29, os músicos e cantores populares, os rebeldes da resistência... até os triunfantes consumidores de modas.
O livro termina em 1945, mas foi justamente depois desta data que esse aglomerado populacional e etário seria considerado sinônimo de um poder jovem. A década de 1960, e particularmente o ano de 1968, expressaram muito bem tal sonho, afinal, corroído pela força do onipresente mercado capitalista. Foi assim na Europa, na América do Norte e também no Brasil.
Pena que falte um estudo de semelhante porte no que diz respeito ao nosso país. Mas, do jeito como andam as pesquisas acadêmicas, dia a dia mais nanicas e irrelevantes, talvez demore um longo tempo para que isso possa ser feito.
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