Depois de quarenta dias confinado no cibermundo, a sala de aula agora me parece muito mais prazerosa. Com isto não quero dizer que uma coisa deva excluir a outra. Nem que a sala de aula tenha de ser apenas um espaço prisional, como tem sido até hoje, ou o cibermundo um lugar de pura dispersão espacial. Mas a dupla experiência me faz pensar tanto no ensino tradicional quanto nas soluções fáceis oferecidas atualmente para uma pedagogia moderna, isto é, virtual.
O ciberespaço é algo recente para mim, como suponho que seja também para a maioria das pessoas da nossa época. E por isso mesmo, encantador, fascinante, vertiginoso, imprevisível. A pedagogia não poderia passar ilesa diante dele. Uma das tentativas de inová-la é a chamada educação a distância, ultimamente adotada em todas as bandas do planeta, inclusive nas bandas podres. No entanto, creio que alguns aspectos essenciais da arte de ensinar, aprender, orientar e compartilhar saberes só podem ser obtidos na relação cara a cara entre alunos e professores - aquilo que, de alguns anos para cá, é chamado de modalidade presencial, exclusiva ou complementar.
Maravilha das maravilhas, a educação a distância promete superar tal caretice em proveito de um ensino que além de moderno (palavra multiuso desde o século XIX), é muito mais produtivo - noutras palavras, custa menos e alcança mais resultados. Nas bandas podres citadas, por exemplo, das escolas privadas brasileiras, ensino a distância significa tão somente diminuir gastos com professores. Os bons propósitos das instituições públicas não levam a tanto, mas, honestamente, não tenho muita certeza de que permanecerão bons por muito tempo, tendo em vista a avassaladora predominância da lógica empresarial em seus quadros.
Não é só isso que me incomoda, infelizmente. O que me surpreende é o uso convencional e idiota dos meios virtuais no ensino. Pelo que conheço, ensino a distância tem sido até agora - nada mais nada menos - do que transmissão televisada dos tradicionais conteúdos da escola, com o suporte das antigas apostilas rejuvenescidas por botox e cirurgias plásticas. Inventaram também que se trata de um processo interativo. Pois bem: a interatividade parece se reduzir ao velho esquema de perguntas e respostas, só que respondidas em chats ou por e-mails. É claro, não se pode esquecer do complemento presencial dessa modalidade de ensino, exercido por monitores auxiliares, como nos antiquados modelos pedagógicos face to face. Numa palavra, ensino fechado, mesmo que por meios abertos.
Pode haver experiências mais interessantes que essas, mas ainda não as conheço. Querem saber? Prefiro ficar distante dessa modernidade velhusca e - muitas vezes - velhaca. O meu ciberespaço é o livre fluir das idéias, longe ou perto.
Sem nada para acrescentar, eu canto:
ResponderExcluirCérebro Eletrônico
(Gilberto Gil )
O cérebro eletrônico faz tudo
Faz quase tudo
Faz quase tudo
Mas ele é mudo
O cérebro eletrônico comanda
Manda e desmanda
Ele é quem manda
Mas ele não anda
Só eu posso pensar
Se Deus existe
Só eu
Só eu posso chorar
Quando estou triste
Só eu
Eu cá com meus botões
De carne e osso
Eu falo e ouço.
Eu penso e posso
Eu posso decidir
Se vivo ou morro por que
Porque sou vivo
Vivo pra cachorro e sei
Que cérebro eletrônico nenhum me dá socorro
No meu caminho inevitável para a morte
Porque sou vivo
Sou muito vivo e sei
Que a morte é nosso impulso primitivo e sei
Que cérebro eletrônico nenhum me dá socorro
Com seus botões de ferro e seus olhos de vidro
Apesar de concordar com todas as suas opiniões a respeito, receio que o ensino à distância talvez seja a única solução para uma educação decadente em nível mundial, visto que a escola foi a única que não mudou dentro de um maremoto de mudanças, e continua a mesma de cem ou mais anos atrás, correndo o risco de desapar, tendo a EAD como algoz.
ResponderExcluirDanilo Ferrari, seu aluno da pós-2010.
O uso das novas tecnologias tende a recorrer a receitas e conteúdos desgastados mas que propiciam segurança. Compartilho da sua desconfiança em relação a inovação das novas mídias. O meio é inovador mas a modernidade anunciada reifica práticas do passado. A temporalidade ultra-rápida do ensino a distância não alterou a relação estreita entre os agentes sociais.
ResponderExcluirBurke e Chartier discutem esta característica da implantação das novas tecnologias da comunicação quando avaliam a expansão da leitura e da alfabetização, entre os séculos XVI e XVIII, como resultado de fatores diversos, especialmente a imprensa. Formas anteriores de produção, reprodução e circulação da informação passaram a orientar os conteúdos impressos. Um longo período foi necessário para o desenvolvimento de novas formas de expressão, próprias do impresso, como o romance.
Creio que a elaboração de novas formas de produção e transmissão de idéias e experiências tem produção caótica e indeterminada, o que não depende exclusivamente de novas mídias.
Percebo que a tendência atual é, citando Marx, a ampliação da extração da mais-valia produzida com aumento do número de alunos mediante mensalidades mais baratas e professores saturados com mais compromissos.
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ResponderExcluirEu não tenho (ainda) o que falar do ensino a distância (é muito pouco o que conheço). Mas você tocou num ponto (a meu ver) crítico da direção que a educação pública parece estar tomando (ao menos em alguns estados e municípios)... "Os bons propósitos das instituições públicas [...] não tenho muita certeza de que permanecerão bons por muito tempo, tendo em vista a avassaladora predominância da lógica empresarial em seus quadros"!
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