domingo, 16 de maio de 2010

Whatever works

Domingo passado fui ver Tudo pode dar certo, o mais novo filme de Woody Allen (Whatever works). Fui e me arrependi. Não porque o filme seja ruim. Ao contrário, Allen retoma ai, com maestria, suas comédias irônicas sobre o american way of life (no ambiente charmoso e liberal novayorkino), depois de uma breve passagem almodovariana em Vick, Cristina, Barcelona, exuberante, mas não tanto com sua cara. Então, qual a razão do arrependimento?
É que me identifiquei com o protagonista da estória, Boris Yellnikoff (Larry David), um velho rabugento, ex-professor de Física na Universidade de Columbia, que fala o tempo todo da insignificância das aspirações humanas e do caos do universo. Alterego de Woody Allen, Boris Yellnikoff é um cara que se acha gênio realista, mas é apenas neurótico hipocondríaco, suicida compulsivo para quem nada na vida tem sentido.  Um chato que caga discurso o tempo todo, dirigindo-se, aliás, direta e cruelmente ao expectador - ponto alto da narrativa. 
Enfim, a vida não tem jeito para esse ex-professor solitário ... até que ele conhece por acaso a jovem e encantadora Melodie (Evan Rachel Wood), tipo que Boris mais detesta entre os humanos: meio burra, cheia de frases clichês, romântica e sonhadora. Acontece que os dois vão se envolver emocionalmente, e novas personagens também entrarão em cena (os pais da garota), mudando inesperadamente o script, embora nem tanto.
Até ai, nada demais.  Parece outra estorinha escrota com um happy end (que não contarei), bem adequado para nossa sociedade expectadora de finais felizes. Quem quiser, pode entender literalmente esse desfecho. Não era absolutamente o caso de me incomodar com mais uma chatice alegre de Woody Allen.
Só que me incomodei com Bóris. Pois também sou professor universitário, e ainda que menos desiludido que ele, tenho lá meus momentos de profunda descrença no nosso modo de vida, justificado e potencializado pelas banais tecnociências, especialmente humanas, atuais. Além disso, assim como o protagonista, também ando mancando - espero que provisoriamente -, mas não como resultado de alguma tentativa malograda de suicídio (diga-se de passagem, detesto suicídio). Foi por isso que me identifiquei com o personagem e não gostei nem um pouco do que vi nesse espelho.
Ainda mais porque havia programado para o meu curso de pós-graduação, na semana que entrava, a leitura e discussão do livro A condição humana, de Hannah Arendt. Sei que esta pensadora não é pessimista como Bóris, apesar de criticar radicalmente nosso modo de vida do fazer e fazer alienado. No entanto, alguns colegas do ramo universitário já vinham zombando dessa minha idéia de propor reflexão aos alunos:
- Que nada! De muito pensar morreu um burro! Não seja como Bóris! Esses pensamentos são ingênuos, datados, passadistas, nostálgicos da filosofia grega! Deixe disso! Besteira, não têm utilidade! Em vez de refletir, faça, produza um artigo científico! Não importa o que seja ou para que seja, produza alguma coisa que funcione na engrenagem acadêmica.
Foi esse mal-estar que tomou conta de mim ao ver o filme. Me senti o próprio Bóris, neurótico e fora de lugar. Juntamente com a Hannah, uma bobinha ingênua e melodiosa, que perdeu tanto tempo para escrever uma obra sem utilidade. Afinal, tudo pode dar certo no mundo, tudo works. Basta que it works!



Nenhum comentário:

Postar um comentário