Muita água já passou debaixo da ponte desde que Marilena Chauí analisou a emergência da universidade operacional ou de resultados e o simultâneo desmantelamento da instituição universitária estabelecida de acordo com o princípio da autonomia do saber humanístico e científico. Desde então tal modelo se consolidou no Brasil, assim como em muitas outras partes do globo, tendo como diretrizes o incentivo às ciências aplicadas – ou tecnociências – e a gestão empresarial da universidade.
Se disso resultou a rápida subordinação das ciências da natureza aos ditames da tecnologia, cabe perguntar o que ocorreu no âmbito das ciências humanas? Isto porque vez ou outra ainda se ouvem os lamentos dos defensores destas últimas, sempre prontos a denunciar a inadequação das humanidades ao modelo de subordinação do saber ao mercado. Segundo tais expoentes, elas experimentam atualmente um flagrante mal-estar.
Tenho dúvidas a respeito dessa leitura algo generosa, que ainda atribui aos profissionais da área de humanidades, entre os quais me incluo, uma reserva crítica às tecnociências hegemônicas. O que acompanho não é bem isso, mas uma prática que revela a obstinada busca de inserção aos padrões de operacionalidade universitária. Seja nos domínios da História, das Ciências Sociais, da Filosofia, seja da Psicologia, da Geografia, das Letras ou das Artes, o que está hoje em jogo é apresentar a melhor perfomance de cada subárea específica, do que resulta uma competição desenfreada intra e inter-áreas.
À sombra desse processo permanece, é claro, um discurso que transforma a gente das humanidades em vítimas, compelidas a produzir incansavelmente sem refletir. A realidade não é bem essa. À frente da implantação das novas medidas estiveram os comitês de avaliação da CAPES, constituídos por profissionais das humanidades, que conhecemos muito bem e cujas ações endossamos; as associações de historiadores, sociólogos, geógrafos e afins; além dos nossos pares nos colegiados e postos administrativos da universidade.
O sentimento de mal-estar não decorre do deslocamento em relação ao o paradigma vigente, aliás, muito confortável para tantos. O que se lamenta é o fato de produzirmos pouquíssimas mercadorias absorvíveis pelo conjunto do mercado, o que nos coloca em situação de inferioridade diante daqueles que possuem (pelo menos em tese) a capacidade de fabricar coisas para amplo leque de consumidores: robôs, medicamentos, fórmulas alimentares, programas computacionais e de multimídia. Nossos artigos e livros, ao contrário, dificilmente ultrapassam o pequeno mercado acadêmico, sendo apropriados numa escala que não excede a casa do milhar. Para conquistar o grande público será necessário ampliar a (até agora incipiente) oferta de mercadorias para o entretenimento e o fortalecimento dos egos: filósofos e psicólogos poderiam dedicar-se mais à auto-ajuda, historiadores e sociólogos ganhariam projeção se pesquisassem mais casos exóticos e de alcova, o que vale também para os estudiosos de letras.
Entre esta alternativa pragmática, bastante aceitável pela comunidade acadêmica, e a estratégia de resistência ao sistema de produção tecnocientífica, contraproducente e inviável, talvez haja outra possibilidade, mas não sei se há interesse em procurá-la.
... parece um filho se voltando contra a mãe...
ResponderExcluirOi tauanmgg, pela segunda vez talvez vc pode tenha matado a charada. No caso da celebridade, ainda falta escrever e vou escrever. No presente caso, não deixa de ser uma revolta do filho contra a mãe, isso é da condição humana, aliás, como ensinou Freud e todos os que vieram depois dele, talvez mais uma revolta mal resolvida contra o pai. Mas isso não se aplicaria um pouco tb a vc, meu caro aluno? O que um professor representa senão o pai, a lei, a autoridade - o nome a ser superado?
ResponderExcluirTumem
ResponderExcluirSou aquele que busca o seu lugar ao sol, ao mesmo tempo em que tenta superar o pai.
Por que usei “mãe”?
Li em algum lugar que o verdadeiro pensamento crítico é aquele que se apresenta como uma alternativa. Será possível ser verdadeiramente crítico sem poder (ou querer) transformar o que se critica? “O que é um Suêtonio no tempo dos Césares?” (essa eu vi num filme do Fellini).
Pensei em “mãe” porque, nascendo dela, se nutrindo dela, não se poderá muito contra ela. A universidade (a “mãe” da imagem mítica que estou abusando) também é a mulher que se pretende conquistar. As disputas com o pai geram apenas falsas polêmicas que são provas da nossa impotência.
Fora todo o veneno de falsos sentimentos de escrúpulo que carrego (por ser jovem e estar vendo as coisas debaixo) me identifico com sua perplexidade.
Resta ao impertinente debater-se dentro de sua camisa-de-força
É a “barbárie das especializações”... dessa contemporaneidade fragmentada... um mesmo pragmatismo oprime outros “ofícios”, o político (exemplo).
Mas por que não a política? Por que não um partido?
Já antecipo seus golpes: porque do divorcio entre o intelectual e o político e porque nunca nada deixa de ser política etc. etc.
ps: é que meu marxismo relutante me faz desconfiar das idéias... idéias sem a práxis... e no entanto eu só tenho as idéias. Contradições congelando no Paradoxo