terça-feira, 13 de outubro de 2009

Livros e homens mortais



(...)


Os livros são objetos transcendentes


Mas podemos amá-los do amor táctil


Domá-los, cultivá-los em aquários,


Em estantes, gaiolas, em fogueiras


Ou lançá-los pra fora das janelas


(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)


Ou o que é muito pior por odiarmo-los


Podemos simplesmente escrever um:






Encher de vãs palavras muitas páginas


E de mais confusão as prateleiras.


(...)


Livros (Caetano Veloso)





O leitor eletrônico de livros vem ai e logo que o preço baixar um pouco (ou o Paraguai oferecer produto similar em maior quantidade) veremos multidões saltitantes com esse aparelhinho à mão, como índios estupefatos diante dos espelhinhos do reino. É o que anuncia a revista Época, em seu último número, na matéria que trata do desembarque do Kindle no Brasil, vindo diretamente da Amazon – o conglomerado na última moda do turbocapitalismo. Paulo Coelho vem de quebra na capa do semanário como garoto propaganda da nova tecnologia e das suas próximas obras.


Caros leitores dos velhos livros em papel, mas já de mala e cuia prontas para viajar em blogs e twitteres, não vejam no parágrafo anterior qualquer crítica ou censura a esse novo avanço do mundo. Muito longe disso, já aderi completamente à onda, tanto que estou às voltas com a produção de cerca de 40 livros digitais pela nossa editora, a primeira a experimentar tal recurso no circuito das publicações acadêmicas – e mesmo das editoras privadas.


E nada também contra as inovações capitalistas (Marx disse, aliás, que esse era o sistema mais revolucionário da história), ou aos interesses econômicos que ditam o fim do livro impresso em papel. O velho papiro foi substituído pelo pergaminho quando se tornou cada vez mais difícil e caro comercializá-lo, assim como o papel barateou o custo de produção do antigo codex e gerou grandes lucros. Da invenção da imprensa até hoje se aceleraram as invenções e com elas o comércio e a acumulação de fortunas. Em nosso século será tudo ainda mais rápido, como bolhas que inflam e se esvaziam. O Kindle já nasce velho, diz o autor do texto da revista, comparando-o aos primeiros celulares. Por precaução, esperarei por um modelo mais moderno, ao invés de comprá-lo imediatamente.


E mudarão também as bibliotecas, as livrarias (há um ótimo filme sobre uma pequena livraria que tenta inutilmente sobreviver diante das grandes redes em Nova York, mas me esqueci seu título), as salas de aula (assim espero ansioso, neste caso). Ver-se-á surgir cada vez mais o leitor interativo, que anotará eletronicamente em rodapé, assinalará trechos, pesquisará automaticamente em outros links, verá ou introduzirá imagens nos textos, ouvirá música e até fará fundo sonoro para as obras. Faltará o cheiro, mas é só uma questão de tempo pois já andam rápidas as pesquisas para introduzir mais essa possibilidade nos novos artefatos. Seremos capazes de tudo simular, até o sexo, já previa Woody Allen em um dos seus filmes.


A autoria tenderá a se diluir, como era na antiguidade e na Idade Média. Todos terão acesso à cultura universal, a sociedade da informação a tudo democratizará. A população brasileira há de se aglomerar nas praças para comprar não só filmes de ação e sexo explícito ou ainda cds funkssertanejos, como também para disputar a tapas as obras de Cervantes e Dostoievsky. “A lua foi alcançada, afinal. Tudo bem. Estou contente também!”: (Lunik 9, quem ouviu?).


Confesso que, apesar de toda essa euforia, bateu uma tristezazinha lá no fundo do meu coração ao olhar minha pequena biblioteca, que tenho cultivado ao longo dos anos, e que é o meu bem maior. Tentei compreender o porquê de tal sentimento – ilusão de posse?, ambição de colecionador? ostentação e neorriquismo literário? – e acabei percebendo uma coisa bem simples: era apenas saudade de mim, a descoberta de que, assim como os livros físicos que guardei, eu também sou mortal.

3 comentários:

  1. Será que o apocalipse se dará qnd, por dias seguidos houver um blackout (que inviabilizará até a recarga das baterias)???...
    Conspiração, eu sei. Mas tenho um certo medo disso...

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  2. Como não lembrar do filme “Fahrenheit 451”, dirigido por François Truffaut, que embora trate de um regime totalitário que tem por princípio queimar todo e qualquer livro sob o pretexto de que eles fazem mal à sociedade, fala também do amor aos livros e da astúcia dos que conhecem sua importância - decorar as histórias e destruir os livros para que em momento oportuno pudessem voltar a publicá-los. Embora acredite que o “amor tátil” vá permanecer, convivendo com outros suportes que trarão novas práticas de leitura, não acho que seja tão simples assim. A gente sempre pensa que no final tudo acaba bem, de uma forma espontânea... Talvez, como no filme, tenhamos que ir para a “terra dos homens-livro”...

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  3. eu também li uma matéria sobre essa novidade, que não é tão novidade assim, mas só agora o mercado parece estar maduro pra esse produto.

    não me apego muito a tradições, mas confesso que vai ser difícil eu mudar meu hábito de ler meus livros de papel e usar um "aparelhinho" sem capa e sem páginas pra virar.

    no entanto, as árvores que deixarão de ser derrubadas agradecem.

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