quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Matriarcas executivas




Quando planejo uma reflexão meditativa mais longa, logo recebo novas tarefas das minhas amigas de trabalho. Tarefas sempre inesperadas, o mais das vezes sem remuneração, a não ser simbólica, de um simbolismo tendente a se desvalorizar pelo excesso de gratificação desse tipo no mercado atual.
Convidam-me (não é bem o termo) para bancas, pareceres, projetos ou relatórios, reuniões científicas e assim por diante. Aceito, afinal, por educação, coleguismo e, principalmente, por complexo de culpa. Como se visse o rosto da minha mãe (será do meu pai?) a me repreender e acusar!
Com o risco de cometer um sacrilégio, digo aqui que já retornamos ao matriarcado. Não ao primitivo, como sonhava Oswald, mas o moderno. As novas matriarcas estão ai, tudo a controlar. Contenham-se, porém, amigas! Não é preciso organizar nenhuma passeata. Refiro-me ao mundo acadêmico e, talvez, a algumas outras organizações empresariais congêneres, nas quais as executivas já chegaram ao topo.
Obviamente, não falo das mulheres das classes D e E, que além de receberem salários inferiores aos dos homens, ainda não alcançaram os postos de mando, afora o do lar, sobretuedo quando se libertam dos seus maridos machistas.
O universo acadêmico (melhor seria dizer microverso) e as organizações empresariais propriamente ditas, ressalto, são o laboratório para o teste das múltiplas habilidades femininas. Elas são vistas para lá e para cá, sempre extenuadas e sem tempo, mas sempre com a mesma eficiência na coordenação das mais diversas tarefas. No caso universitário, pululam entre congressos aqui e alhures, revezam-se na apresentação de mil papers, opinam, avaliam, organizam, captam recursos, diretrizam... E nesse cenário pressinto que o homem está encostando o corpo, com tranquilidade e segurança.
Não sei porque, mas acabei de me lembrar dos filmes de Almodovar. Sei que vão dizer que é daquele sobre as mulheres à beira de um ataque de nervos! Pode ser, mas a paisagem que descrevo se parece mais com a de outras películas. Na verdade, o que me veio à mente foi aquela personagem do filme Kika, com uma câmera na cabeça em busca de imagens para seu programa de tv "O pior do dia". Também as freiras drogradas e sádicas de Má educação, que se dedicavam a salvar mulheres decaídas e a alimentar um tigre em seu quintal. Lembrei-me ainda que nos seus filmes os homens cumprem papéis subalternos, e às vezes mal fazem parte dos enredos.
Assim também é em nosso microcosmo. Com isso não prego aqui nenhuma sublevação contra o matriarcado executivo daquelas que são, antes de tudo, minhas amigas. Até porque elas nunca leram e nunca lerão este blog, pois não perdem tempo com bobagens.
Nem julguem que ao expressar estas idéias manifesto algum ressentimento masculino. Simplesmente por uma impressão: o capitalismo, da qual elas se tornaram executivas, ainda não é feminino. Poderá ser um dia - aproveito para dizer que também votarei em Dilma, pelas mesmas razões da eficiência gerencial. Mas também não é andrógino ou assexuado. Por enquanto, continua masculino, o que digo sem qualquer júbilo e na esperança de ser perdoado pela blasfêmia.

 



5 comentários:

  1. ...eu tenho um patrão mulher...






    deixa o silencio falar

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  2. Igualdade é difícil mesmo... E o masculino, no geral, tem se acomodado... Hj somos "obrigadas" a tudo, e a tudo bem feito!... E se for mais ou menos em algo já nos vem alguma acusação... Enfim... séculos de subjugamento dificilmente se ajeitam em poucas décadas.

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  3. O seu texto descreve um fenômeno interessante e intrigante. Nas décadas de 1960 e 1970 a emancipação feminina, a conquista do direito a diversidade sexual e todos os combates das designadas minorias apontavam para um futuro mais democrático e com redução da busca do lucro, do sucesso tipicamente capitalista. A vitória das minorias e dos oprimidos tornaria o mundo melhor. E no século XXI as mulheres bem sucedidas o são por conferirem eficiência ao sistema. Considero fundamental a participação feminina em todas as instâncias sociais, mas até o momento as mulheres e outros grupos combatentes do passado não provocaram a transformação qualitativa do sistema social.

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  4. O texto é provocador. A princípio, dá vontade de dizer que é absurdo, mas não consegui me convencer disso também.
    Começo, concordando com a Ju Almeida: acho que em ambientes onde os homens sempre predominaram, quase todos, temos que ficar comprovando nossa capacidade de fazermos tão bem quanto – “Sou mais macho que muito homem”, como diz a canção. O mesmo se dá em relação ao lar doce lar – território das mulheres por excelência em que os homens estão se virando e estão sendo obrigados, em certa medida, a explorar e a dar conta do recado. Por outro lado, o próprio texto e o comentário de Moacir, colocam em cheque essa idéia dos gêneros. Não seria meio estranho imaginar que as mulheres fossem revolucionar o capitalismo? Como emancipar-se fora do sistema? Acho que essa luta, na qual acredito, é de todos! Talvez, nesse momento, para as mulheres emancipar-se signifique ocupar os espaços e “dar eficiência ao sistema” como diz Moacir ou “organizar, captar recursos, avaliar...”
    Agora também tem um negócio seu A. Celso aconselho mesmo a obedecer as suas amigas, sabe como é, além de mandonas, podemos nos tornar vingativas... kkkkkkk
    Termino com o resumo da música “Pagu” de Rita Lee e Zélia Duncan:

    “Mexo, remexo na inquisição
    Só quem já morreu na fogueira
    Sabe o que é ser carvão
    Eu sou pau prá toda obra
    Deus dá asas à minha cobra
    Minha força não é bruta
    Não sou freira
    Nem sou puta...
    Porque nem!
    Toda feiticeira é corcunda
    Nem!
    Toda brasileira é bunda
    Meu peito não é de silicone
    Sou mais macho
    Que muito homem


    Sou rainha do meu tanque
    Sou Pagu indignada no palanque
    Fama de porra louca
    Tudo bem!
    Minha mãe
    É Maria Ninguém
    Não sou atriz
    Modelo, dançarina
    Meu buraco é mais em cima ...”

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  5. Até pq (sobre o comentário do Moacir) o capitalismo transformou a luta feminista em mercadoria como o quis fazem com todas tentativas de revolução. Transformou essa força que a mulher tem, essa reivindicação, em força motora. Ele, com suas máscaras de sempre, "deu lugar à mulher". Apenas, e como tudo em seu sistema, lugar como trabalhadora, não para realizar-se por completo como ser humano, e isso ilude a muitos como se nós mulheres já tivessemos ocupado o espaço desejado...

    Além disso, acho complicado nos dividirmos assim, somos todos minorias (embora numericamente as mulheres já são maioria no mundo...), cada qual com sua complexidade. Um único grupo nada irá mudar significativamente. E cada luta, penso eu, é uma luta de todos.

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