quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Carnavalecências

Nem bem as águas baixaram (podem até ter subido com o toró de hoje) e as urubucâmeras já estao atrás de novas carnes. Desta vez, sadias e frescas, como as da globeleza. Eu também quero entrar rápido nessa folia, antes que o assunto vire carne de vaca. 
Nao que eu seja propriamente um foliao, embora goste muito de carnaval. Como nao tenho samba no pé nem em qualquer outra parte do corpo, minha cota de participaçao na festa se restringe a ficar na frente da televisao. Pena que a cada ano eu durma ao som dos primeiros batuques na avenida. Tento até acordar para dar vazao ao meu entusiasmo, mas a batida do samba parece ativar ainda mais meus circuitos soníferos.
É claro que, entre um sonho e outro, também aproveito alguns flashes da alegria: mulatas e travecas deslumbrantes, celebridades brilhosas de formol e botox, gays machamente tatuados e toda parafernália de simulaçoes espetaculares, que deixam no chinelo os premiados com o Oscar de efeitos especiais.
Ao contrário de muitos críticos, em nada me incomodam as manifestaçoes populares desse tipo, nem mesmo a festinha junina da Granja do Torto, com Lula e Dona Marisa vestidos de chapéus de palha. O que detesto sao as comemoraçoes do halloween, do dia de açao de graças ou o desfile da rainha na velha carruagem cafona. Sou nacionalista e me orgulho da nossa indústria especializada em Carnaval, que só os brasileiros têm e podem exportar para o mundo.
Mas nao é por isso que espero do reinado de Momo alguma consciência popular virgem e intacta, ao gosto de vários intelectuais. De gente que pensa o Carnaval como inversao dos valores dominantes, questionamento das formas de exploraçao social e das hierarquias, riso rebelde e contestador ou coisas do tipo. Primeiro, porque a folia nao é mais (se é que um dia foi) popular. Ela é pop, nada mais. Segundo, em razao da sua alta flexibilidade ou capacidade de se adaptar a qualquer situaçao política, econômica, social ou cultural.
Já nos primórdios, as escolas de samba - cariocas e paulistas - criaram a tradiçao das homenagens e das louvaçoes. Caso se escarafunche, aliás, talvez se encontre lá no passado remoto aquele expediente adotado pelos escravos e homens pobres livres para conquistar a benevolência dos seus senhores. Tal atitude pouco mudou desde entao.
Personagens e eventos históricos, geralmente poderosos, foram sambatizados inúmeras vezes. Em 1951, a Império Serrano louvou os 61 anos da República, dois anos depois a Portela cantou as datas magnas da pátria, quatro anos à frente a Mangueira pôs o grande presidente nos seus carros alegóricos. A década seguinte começou com as homenagens a Dom Joao VI e Dom Pedro II, respectivamente, pelo mesmo Império citado e pela Portela.
De lá para cá, nenhum famoso ou poderoso, histórico ou contemporâneo, deixou de ser homenageado: D. Beja, os novos bárbaros, Tom Jobim, Chico, Dercy, jogadores de futebol ou do bicho. Sem falar das louvaçoes a outras regioes brasileiras ou a outros países, geralmente com o patrocínio dos seus governos.
Foi com a redemocratizaçao que os novos carnavalescos, mais intelectualizados e acadêmicos (no sentido universitário) que os de outrora, introduziram temas sociais e étnicos nos desfiles. Passou-se a falar da negritude a partir de exemplos míticos e célebres: Xica da Silva, Zumbi, Pixinguinha, Mae Menininha de Gantois e outros. A seca do nordeste também foi mote para o Carnaval, temática que culminou na magnífica ode aos mendigos, feita por Joaozinho Trinta. Nem por isso foram esquecidos os motivos clássicos das civilizaçoes antigas ou futuras, propícios à estilizaçao espetacular. Ou a moda ecológica de agora. 
Contudo, para os folioes - tanto os comunitários, quanto os midiáticos ou os socialites - pouco importa o tema a cantar. A moda passa e o Carnaval fica. E nao apenas nos quatro dias de festa.
Convém, portanto, entrar no espírito momesco o mais cedo possível. Mas nao cedam a Morfeu. É bom ficar acordado até o raiar do dia para ver a mangueira entrar!


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