segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Águas de fevereiro

Praça do Patriarca, 16:30, 35 a 40º. Multidão em zorra. Gritos histéricos, empurra-empurra, flashes de celular, braços que sobem. De pernas de fora, a japonesa-loura e suas paniketes sorriem acossadas para a gravação. O calor do povo do centro vai comer a oriental.
No filme de Spike Lee, a alta temperatura incita a revolta da raça. No centro de São Paulo, a ejaculação espetacular alivia a tensão da massa.

Avenida São João, 17:00, ar condicionado. O pastor da graça lê passagens do apocalipse. Entre um trecho sagrado e outro, pede patrocínio para as obras de Jesus. Crentes cantam e estribucham para a televisão. Dores de cabeça se curam, cadeiras de rodas são abandonadas. Do fundo do poço, casais transformados saem para o universo microempresarial.
Lá fora o céu fica escuro. Cristo clareia no trovão e escorre pelas poças d'água.
Na tela da miniquitinete, 18:00, Datena comanda seu helicóptero pela noite paulistana. A torrente que cobre a rua. O morro descido no asfalto. A interminável fila de luzes dos carros parados. Os relâmpagos que abrem as trevas. O silêncio do dia de cão.
O cara acorda a tempo de ver a cena e ouvir o barulho cadenciado dos pingos que descem pelo teto.
Olha a janela e lembra do pau, da pedra, do fim do caminho, da peroba do campo, do passarinho, do sapo e da rã.
Enquanto paredes de casa, peças de automóveis, carcaças de computadores, sofás, sacos de lixo, caixas de pizza, pneus, mendigos e outros detritos se arrastam no dilúvio. 
 
 

Um comentário:

  1. A chuva não parou e o historiador ainda tem água nos sapatos. E sensibilidade no olhar.

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