sábado, 20 de fevereiro de 2010

De volta à questão republicana

A CartaCapital desta semana traz uma matéria elucidativa sobre o caráter plebiscitário da campanha presidencial de 2010, que até agora segue o curso previsto por Lula, Dilma e o PT. FHC, caído de vaidade e inveja diante do sucesso do presidente operário que o substituiu no Alvorada, se deixou prender nessa armadilha para desgosto do provável candidato do PSDB. O autor do artigo, Maurício Dias, argumenta corretamente que a disputa entre petistas e tucanos revela uma questão essencial: a visão sobre o papel do Estado.
As distinções entre um projeto e outro são bastante cristalinas nesse aspecto: os tucanos não conseguem se desvencilhar do projeto neoliberal que implantaram com FHC, cujos resultados foram o desmonte do Estado com privatizações escandalosas, o endividamento externo e a quebra financeira do país, além de uma política externa subserviente aos Estados Unidos. Mais do que nunca apoiados pela grande mídia, que acusa Dilma de estatólatra e coadjuvante da gastança pública, só têm a oferecer aos brasileiros a velha ladainha de sempre. 
O Estado de São Paulo, há mais de uma década nas mãos dos tucanos com a alma vendida aos demoníacos, é o exemplo mais cabal dos impactos dessa política que destruiu o ensino público fundamental e médio, foi incapaz de promover políticas sociais efetivas e exibe, além disso, números pouco expressivos nos investimentos em infra-estrutura.
O governo do PT, em contraponto, pode ostentar indicadores bem-sucedidos em todos esses quesitos. Se eleita, Dilma dará continuidade ao planejamento estratégico do Estado brasileiro e já adianta que a organização administrativa do governo passará pela ampliação das funções do Ministério do Planejamento, assim como por mudanças no arcabouço jurídico do país. Tudo com o objetivo de fortalecer o papel empresarial do Estado.
Pensando bem, tal polêmica, com as devidas conotações específicas em suas distintas épocas históricas, já vem de longe, na verdade, remonta aos tempos do primeiro republicanismo. Na origem do nosso regime, como demonstrou tão bem o historiador José Murilo de Carvalho, estiveram em jogo dois projetos: de um lado, aquele chamado de radical, inspirado na Revolução Francesa e esposado por positivistas e militares; e de outro, o conservador (nome que corre por minha conta), capitaneado pelos setores oligárquicos, sobretudo paulistas, sob  a bandeira do federalismo norte-americano. Os primeiros atribuíam ao Estado um papel central na condução da nação, o que incluía a restrição dos poderes das oligarquias estaduais. Perderam para estas últimas, que até 1930 submeteriam o aparato estatal aos seus propósitos.
Como Lula compreendeu acertadamente, foi a partir de Vargas, herdeiro de certo modo dos ideais republicanos positivistas, que o Estado brasileiro se fortaleceu e foi capaz de proporcionar bases sólidas para o desenvolvimento nacional. De 1889 até hoje, com Vargas, JK, ditadura militar anticomunista e Nova República, volta e meia a questão reaparece, e principalmente agora, quando já contamos com duas experiências opostas recentes: a do desmonte do Estado, promovido no reinado de FHC, e a da sua reconstrução sob o governo Lula.
O plebiscito será inevitável, resta saber, no entanto, se ele terá a virtude de politizar a população rumo à cidadania efetiva. O fato é que a batalha mal começou. Pela frente resta o desafio de realizar uma reforma política orientada pelo princípio de um republicanismo social, democrático e laico, cujas raízes podem ser buscadas no passado, mas devem ser renovadas, fortalecidas, até mesmo recriadas. Um republicanismo capaz de conter os impulsos vorazes, corruptores e mesquinhos das antigas e modernas oligarquias e seus aliados: as bancadas religiosas e ruralistas, entre outras. Haja forças para isso!

3 comentários:

  1. Caramba

    queremos crer que se trata mesmo de um plebiscito.
    e que decida a pebe
    que compreende se tratar de dois projetos em disputa.

    porque eu tenho a impressão de que a propaganda politica não corre nesse sentido. E a maioria das pessoas não compreende dessa forma.
    Trata-se da disputa de duas personalidades, dois candidatos, duas vedetes, não de dois partidos, dois projetos.
    O PT compreendeu bem isso. Não foi um partido militante que elegeu Lula, mas uma maquina publicitaria eleitoreira, dentro da qual uma de suas correntes (articulação de esquerda) comandada por Jose Dirceu operou um imenso "esquema"... e deu no que deu. Duda Mendonça elegeu Lula. O Lula paz e amor.
    Que virá dessa vez?
    até aqui, as campanhas eleitorais não politizam. Politizar, polemizar é perder votos. A que se agradar todo mundo. Mostrar resultados. tal candidato fez isso, fez aquilo, fará isso e aquilo... a politica passa a margem. Os debates são cada vez mais mornos... uma assepcia publicitaria tomou conta das disputas eleitorais. Prato cheio para a corrupção... os fins justificam os meios? os meios comprometem os fins.
    Veremos
    acho que a Dilma leva essa. Zé Dirceu previu "um paulista não se elege presidente"
    De qualquer maneira teremos mais do mesmo. Uma politica economica "responsavel", acanhadinha, pouco ousada. Le-se monetarista. Com a agonia dos seriços publicos, eternização da miseria via programas de assistencia social e tome desoneração nas folhas de pagamento das empresas, tome flexibilização das leis trabalhistas.
    Ainda assim, em passos de formiga se avança. Um passo pra frente é melhor do que um passo para traz. o ruim é melhor do que o pessimo...

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  2. Ótimo post, parabéns. A mídia quer fazer crer que Dilma é uma "estatizante" autoritária e que o estatismo seria um mal em si - uma dupla inverdade e uma herança do ideário neoliberal que fracassou como modelo-guia para políticas econômicas, ainda que a mídia, por razões óbvias, não o admita.

    A propósito, citei seu texto "O retorno do recalcado" em um post meu ("Por uma nova ideologia orientadora da política nacional"), vc viu?

    Um abraço,
    Maurício

    Um abraço,
    Maurício.

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  3. Boas obervações Antonio Celso. Os tucanos não aproveitaram as oportunidades propiciadas com a estabilidade econômica, ao contrário, preferiram demantelar o Estado e confiar na mão invisível do mercado. Contudo, a experiência histórica do século XX evidencia que desenvolvimento econômico com justiça social somente ocorreu quando o Estado passou a ser o indutor, articulador e participante da atividade econômica. E por sorte os tucanos não conseguiram vender todas as empresas estratégicas, vide o belo exemplo da Petrobrás. Falta aos tucanos uma perspectiva histórica mais aguda para perceber que o Estado brasileiro foi sucateado na década de 80 e que dilapidar o patrimônio nacional era aprofundar a estagnação econômica. Agora o país experimenta uma oportunidade importante e a incompetência tucana não deve ter mais oportunidades para desperdiçar.

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