O centro paulistano se tornou o retrato sem botox do governo Kassado. Quem quiser conferir, basta optar por um circuito turístico exemplar: do Terminal Barra Funda do Metrô, onde desembarcam os viajantes vindos do interior do Estado, à Praça da Sé pelo roteiro que inclui o Minhocão, a Avenida São João, o Largo do Arouche, a Praça da República, o Anhangabaú, a Praça do Patriarca e adjacências. Concluirá que, para se espantar ou derramar lágrimas de crocodilo, não será preciso ver o Ensaio sobre a cegueira nem ir à beira do Ganges e ao Porto Príncipe. Nesse trecho, tão perto de nós, há também desolação, deterioração e abandono suficientes às almas sensíveis da classe média.
A começar pelo espetáculo das populações em situação de rua, que segue continuamente sob o monstruoso Elevado, estendendo-se sem trégua pelas calçadas das ruas e praças citadas. Drogaditos, traficantes, mendigos, adultos e crianças, perambulam como zumbis ou dormem com chuva e sol pela região. Amontoam-se ao lado dos sacos de lixo não recolhidos, deles retiram restos de comida e espalham os demais detritos pelo entorno. Exalam o cheiro nauseabundo dos corpos socialmente apartados e dos outros resíduos descartados pelos humanos.
Sujos e tenebrosos são também os edifícios que os rodeiam e repelem. De nada adiantou retirar deles as feias e poluidas fachadas de propaganda: ficaram apenas nus com suas tatuagens deformantes, sinais leprosos de um protesto inconsciente. São o abrigo do lumpencapitalismo, do comércio de plásticos e bugigangas baratas que serve de sustento ao povo do pedaço.
Em que gaveta estão arquivados os projetos de revitalização do centro? Ou seria exatamente este o projeto: desvalorizar a área de acordo com os propósitos especulativos das empresas apaniguadas? Incompetência administrativa, simplesmente? Inversão de prioridade, foco nos problemas da periferia, a crer na publicidade do prefeito? Não, este último argumento não cola, não coincide com o noticiário das catástrofes cotidianas nas grandes margens da cidade.
Mas há o Viva o Centro, dirão alguns. É certo, ele existe e bem-intencionado, sob a liderança de umas empresas de médio ou grande porte, que assumiram a responsabilidade de limpar e desinfectar algumas ilhas, como a zona bancária no triângulo central da paulicéia. Dali foram retirados o povo e o lixo malembalados, sem dúvida. Eu mesmo almoço por lá diariamente e nada tenho a reclamar desse oásis patrocinado, basicamente, pela iniciativa privada. Tenho dúvida, no entanto, se os subempresários das demais áreas terão fôlego semelhante para revitalizar suas redondezas.
O fato é que o prefeito Kassado, em prosseguimento às obras dos seus antecessores Pitta e Serra, deliberadamente ignora os problemas daquela parte que deveria ser o cartão de visitas da capital. O centro de São Paulo mereceria a mesma atenção que os europeus dedicam aos seus núcleos históricos, tão apreciados pelos turistas brasileiros. Mas desde o início da gestão demoníaca, diminuíram sensivelmente os investimentos públicos de cunho social, em constraste com o que sucedeu nos governos de Luisa Erundina e Marta Suplicy, prefeitas que colocaram em prática projetos urbanos inovadores - a exemplo da Oficina Boracéia, conforme vídeo abaixo. No lugar disso, ele se limitou a fechar albergues, a jogar mais gente no lixo e a culpar a população pelas calamidades sofridas.
Tal é a visão social da aliança partidária que pretende voltar ao centro do poder nacional. Esconjuro!
Celso, eu não nasci em Sampa mas aqui cheguei por volta dos anos 60 e me deslumbrei com os bondes e principalmente com a imensidade de cinemas existentes nesta cidade. Não havia domingo que não visitasse um diferente. Todos no centro da cidade. Dava gosto passear por São Paulo até aos final dos anos 70. Não sei o que aconteceu com esta cidade, mas aquela São Paulo que eu conheci, desapareceu, implodida pela especulação e pela desagregação gerada pela incompetência administrativa. Esta cidade está precisando de gente que a ame de verdade.
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