terça-feira, 2 de março de 2010

A escola pública paulista sob a tirania e a caridade

Lecionei apenas cinco anos na rede pública de ensino fundamental e médio do Estado de Sâo Paulo. Foi no final dos anos 70, época em que uma nova geraçâo de professores lutou até onde pode pela melhoria do sistema educacional paulista acreditando que tal luta era parte da batalha pela redemocratizaçâo e pelo desenvolvimento social do Brasil.
Participei da grande greve de 1979, o primeiro protesto significativo do professorado paulista durante o regime militar e talvez o seu derradeiro grito de esperança. A partir de entâo acompanhei a crescente agonia desse sistema pelas raras notícias da imprensa - geralmente em momentos de greve e, o mais das vezes, desfavoráveis aos movimentos docentes -, ou também por testemunhos diretos de amigos e ex-alunos da universidade.
Depois disso numerosas outras greves e manifestaçôes ainda ocorreriam, mas já destinadas ao fracasso diante de uma política de Estado deliberadamente contrária ao setor educacional público. Eram os tempos do longo reinado tucano (Covas, Alckmin, Serra), precedidos pelo indecoroso governo Fleury, do PMDB.
O que esteve em jogo nesses embates socioeducacionais? Desde meados dos anos 60 a escola pública paulista (e brasileira) teve de lidar com o fenômeno da massificaçâo do ensino, impulsionado pela enorme urbanizaçâo em todo o país. Lidou muito mal, tanto no que diz respeito aos (parcos) investimentos em infraestrutura, formaçâo e valorizaçâo docente, quanto naquilo que envolve a pedagogia, principalmente tendo em vista o enfraquecimento do papel ocupado pela escola num mundo velozmente mediado pela seduçâo do consumo cultural e tecnológico - fonte, inclusive, da criminalidade entre seus muros.
Os pobres, os recém-chegados à escola nâo queriam disciplinas enfadonhas, morosas e despregradas do mundo real, salas fechadas como prisôes, aulas de giz e cuspe. Sentiam-se no direito de ter o que viam na televisâo e nas ruas: tênis de griffe, roupas de marca, carros, as meninas queriam ser modelos, os jovens sonhavam com a celebridade das telas. Nada disso era e ainda é possível - para que servia e serve o ensino, perguntavam? Revolta inconsciente e utopia consumista, eis as razôes dos crimes, do desrespeito ao professor e da negaçâo escolar. Professores malremunerados e malformados nas faculdades de fundo de quintal, tâo pobres como eles nâo serviam como modelo. Nem mesmo, salvo poucos, acreditavam e acreditam na escola, na sua missâo. É claro que este breve parágrafo nem de longe explica o complexo processo de transformaçâo pelo qual passamos.
Os tucanos, idólatras do mercado e da competitividade, responderam a esses desafios com as receitas prontas do pensamento neoliberal. Ora com a tirania, ora com a caridade. Os professores sabem muito bem do que falo. Exemplos destas duas tendências opostas e complementares foram personificadas nas figuras de dois secretários da Educaçâo - Rose Neubauer, a ideóloga fria e calculista, a mulher-empresária implacável, e Gabriel Chalita, o cristâo humanista, o homem paternal. Fracasso de ambos.
A escola pública paulista suportará mais quatro ou oito anos dessa maldade bondosa? Creio que nâo. Que sobre Sâo Paulo desça Ciro, o esperado, com sua língua de fogo e sua musa inspiradora. Venha para nos salvar mas venha só, sem o irmâo Chalita e suas palavras consoladoras que nâo movem moinhos.
(peço desculpas ao leitor pelo acento circunflexo indevido em várias palavras: meu teclado espanhol nâo aceita o til a nâo ser de acordo com as normas telefónicas e santanderinas).

9 comentários:

  1. Caro Antônio,

    Concorde contigo, aliás. O cenário da educação no Estado é muito mais caótica que essa apresenta por ti.

    Muitos professores não estão aptos para dar aula hoje em dia, e os poucos que estão não recebem os devidos incentivos do Estado. Acabam por migrar para o setor privado.

    Falo isso na condição de companheiro de uma estudante de pedagogia, ao ver seus percalços na profissão. E também como ex-estudante de escola pública, pude sentir na pele a transformação da água pro vinho quando saiu a Erundina e entrou o Maluf.

    Na época de eleição distribuíam bolos e sucos aos alunos, após a eleição acabava o agrado.

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  2. Você desatou o nó da questão. Os pobres com seus desejos e perspectivas e as respostas de quem não tem respostas ou as tem falsas. A falência é notória. Resta a esperança de que um dia a Escola Pública possa encontrar o verdadeiro caminho.

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  3. Concordo com todas as suas observações. Experimentei a mesmas sensações, do engajamento ao sentimento de impotência frente a incompetência e tirania dos tucanos. Hoje acompanho a rede pública através dos amigos que lecionam e dos relatos de minha esposa. Acredito que os educadores não suportam mais a ineficiência tucana.O fracasso é escandaloso e os tucanos ainda querem vender a imagem de gestores!!!!

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  4. Vai trocar de teclado então ... ou fica por aí e não enche os daqui!
    Wilson SP

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  5. Não concordo! Sou Professora e na gestão CHALITA tivemos escola da família de tempo integral. Tivemos capacitação. Ele informatizou o sistema evitando fraudes na escolha de escolas. Nos defende na Câmara dos Vereadores. Sendo uma pessoa acima de qualquer partido. Você não conhece o que é dar aula no ESTADO!
    Professora Márcia /Santos-SP .

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  6. O que é isso companheira?!
    Que o Chalita seja um bom garoto propaganda (garoto de programa do PSDB) disso eu não duvido...
    os problemas da educação (dentro e fora do Estado de São Paulo, são profundos). Uma perfumariazinha qualquer não resolve.
    O "escola da família" por exemplo que foi citado, é um crime. Voltarei a ele.
    Começando pela formação dos professores: o Estado se exime de investir nos cursos de licenciatura, permitindo que esse "mercado" seja explorado da forma mais vil pela iniciativa privada. Existe uma lacuna entre a universidade pública e o ensino de base (fundamental e médio) que é onde as empresas privadas (escolas e universidades privadas e cursinhos) fazem a festa. Quem já não ouviu esse chavão absurdo? "a escola pública prepara pra vida". De fato, prepara a força de trabalho minimamente disciplinada para continuar a serviço da burguesia, enquanto uma outra escola (essa paga) prepara para o vestibular, para o acesso ao ensino superior público; privilegio. Enquanto isso se desregulamenta cada vez mais o ensino superior. São permitidos cursos a distancia, de três anos, sem que seja exigido o mínimo em quadro docente, em produção de pesquisa (e por ai vai). A qualidade de ensino nas universidades privadas é inversamente proporcional a economia imposta pelo mercado. Tendo um diploma ta baum. Você vai poder dar aula do mesmo jeito. Então, quanto mais barato o curso, melhor. Ele só precisa ser reconhecido pelo MEC (voltamos a questão das políticas públicas para a educação.... estão em conluio com os interesses privados).

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  7. Bom. O aluno de escola pública, muitas vezes, sabendo que não terá chance de entrar numa universidade pública, vai atrás do que o mercado pode oferecer. Se tiver o azar de ter inclinação para área de humanas e se cair em um curso de licenciatura... é provável que vá atrás de uma bolsa de estudos. É onde o Estado entra salvando as instituições privadas de ensino superior, preenchendo vagas ociosas, alimentando um mercado que pela própria demanda já não se conseguia suprir. Se o estudante da nossa estória continuar com azar, ele vai parar no “escola da família”. Ele provavelmente trabalha a semana inteira e deve ajudar em casa com a grana que recebe. Paga seus impostos (que sustentam os filhos dos ricos nas universidades públicas... sabemos que não existe só gente rica nas universidades públicas, mas uma boa parte, dependendo dos cursos etc) e daí, que acontece? Ele vai trabalhar gratuitamente para o Estado para usufruir de um direito (a educação, mesmo sendo privada, é uma concessão pública e deveria criar oportunidades – já que estamos em uma democracia – e não privilégios). Ele paga o imposto, ele trabalha de graça para o Estado e ele paga a universidade privada.
    Daí ele será condicionado a dar aula, já que as empresas não estão nem um pouco preocupadas em investir em pesquisa... você nunca ouve falar em pós-graduação. É formado um professor. O cara descobre que entrou numa roubada. O mercado cada vez mais inundado de profissionais faz pesar nos salários (lei da oferta e da procura). Tudo órbita as leis do mercado. O que é bom para o Estado e é bom para as instituições privadas de ensino: com os salários dos professores em baixa (isso é estatístico, qualquer pesquisa mostra) tanto as empresas de ensino lucram, como o Estado faz sua economia (investe ai em “escola da família”, “capacitação”...).

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  8. Existe um discurso em voga que culpabiliza o professor. Diz que professor é missão, quando na verdade é uma profissão... cada vez mais proletarizada.
    O professor é punido pela sociedade, pelo Estado, pela escola e por fim, pelos alunos (“educandos”). Existe toda uma linguagem para encobrir a realidade.
    Um primeiro passo para “melhorar” (teria que começar tudo de novo na verdade) a educação seria a revalorização do profissional da educação... material, simbólica e o car. a quatro. Quem melhor se qualifica, naturalmente, se afasta do ensino de base.
    Entendi (parte) do problema da educação em reuniões de pais e mestres. Lá se vê todo o cinismo da escola e toda realidade que a sociedade vomita na nossa cara o tempo todo “professor, como que você quer que meu filho venha todo dia a escola? Moramos longe, nossa rua não tem asfalto, quando chove...” etc etc etc etc etc etc
    Existem outros serviços (que não é a polícia) que deveriam acompanhar a escola. O mínimo que humanize... um esgoto por exemplo.

    Daí tem os alunos... você naquela sala com 40 montando eguinha pocotó na sua cabeça.
    Começa a dar razão pros reaça “olha, melhor mesmo era construir shopping ao invés de escola, dar uma grana pra essa galera consumir que assim que eles vão se sentir cidadãos, vai elevar a auto estima... e elevar a auto estima é só o que eles precisam...se sentirem parte do que é propagado a todo momento – consuma consuma consuma... ou então botem logo a policia em cima dessa gente, construam presídios (coisa que nosso governo do Estado faz bem, diga-se de passagem remunerando até bem seus profissionais. Muita gente abandona a escola pra ser policia e carcereiro... eu conheço um monte... o salário inicial de um agente penitenciário é 2.500$)...”

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  9. hellooooooooo professor, tudo bom? não me diga que estudei numa faculdade de fundo de quintal. assim me entristece. saudade.

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