sábado, 24 de abril de 2010

O incêndio do ateneu

Raul Pompéia foi profético. Nas páginas finais do seu romance, consumiu em chamas o Ateneu, símbolo de um microcosmo fechado, violento e hipócrita. Era 1888 quando essa narrativa foi publicada no Rio de Janeiro. Mais de um século depois, as escolas ainda continuam a ser campos de internação para jovens viventes de um outro mundo.
O duro é que nossa vã pedagogia segue mais obsoleta do que nunca. Com pequenas atualizações e pretensas democratizações, teima em reproduzir o modelo escolar de duzentos anos atrás, que enfeixa três dispositivos disciplinares falidos: o religioso, herdado do catolicismo medieval; o cívico-militar, criado pelos estados nacionais; e o produtivista, nascido da revolução industrial. Nenhum deles faz hoje sentido para qualquer jovem de celular em punho, seja das favelas comunitárias, seja dos condomínios de luxo.
Alguém poderia objetar que ainda é preciso ampliar o sistema escolar conhecido para absorver contingentes que seguer alcançaram o direito à educação. É verdade, mas pena que seja de acordo com os velhos parâmetros atenêuticos, públicos ou privados.
Ninguém sabe a fórmula para acertar o passo da educação com as novas gerações. Há pouco tempo atrás falou-se de escolas do futuro. Já chegamos ao futuro e nada. Ainda mais no Brasil, terra arrasada por pedagogos que ainda pensam os computadores como máquinas de escrever apostilas supostamente interativas, e a formação de professores como treinamento digitaldatilográfico.
O MEC até que tenta sair do impasse. Em 2008, patrocinou o ciclo de conferências Mutações - A Condição Humana, idealizado por Adauto Novaes, com o objetivo de discutir os impactos da cibernética em nosso cotidiano. Um dos participantes do colóquio foi Pascal Dibie, antropólogo do Laboratório de Antropologia Visual e Sonora do Mundo Contemporâneo, ligado a Universidade de Paris 7 St. Denis Diderot - diga-se de passagem, um centro de estudos muito diferente dos nossos costumeiros cursos curricularmente retrógrados.
Pois bem: em suas pesquisas, Dibie vem acompanhando detidamente as mudanças percebidas nas novas gerações do século XXI. Um dos seus estudos como etnólogo é sobre as crianças de uma pequena cidade da Borgonha. Eis o que diz delas:
"Creio que as crianças não são mais nossas crianças, que elas não são nem mesmo mais crianças como nós imaginamos que devem ser as crianças. Parecem bebês precocemente crescidos para os quais a informática serve de mamadeira".
E é para essas crianças, nascidas num universo com outras escalas, outras inteligências, outras percepções espaciais e temporais, que continuam a ser formados as novas escolas e os novos Aristarcos. Professores e diretores que mal conseguem manusear os ainda poucos computadores distribuídos aos presídios escolares - único programa que os tecnopedagogos do poder parecem ter em mente.
Computadores que em breve também serão consumidos nas chamas do velho ateneu.

2 comentários:

  1. A escola pública brasileira, ainda tem como principal utensílio de trabalho, um giz. Na outra ponta do giz, um educador, já sem fala,(as cordas vocais, já não suportam), mal remunerado e sem atualização de conhecimentos, por uma gama de fatores extrínsecos a sua vontade.Parabéns pela abordagem de seu texto, simplesmente perfeito

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  2. Professor, não há como fazer perguntas novas com todas as respostas previamente escritas. Todos fingem estudar e ensinar, salvo raríssimas exceções. Temos que jogar mais lenha nesta fogueira.

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