quarta-feira, 21 de abril de 2010

Um passarinho em Brasília

Tenho um carinho especial por Brasília, cidade onde vivi no início dos anos 70, quando ela tinha apenas dez anos e eu menos que o dobro disso. Brasília está impregnada na minha memória, e ainda que eu não goste de escrever memórias, senão ler as dos outros, abro aqui uma exceção.
Ali cheguei para cursar a universidade, quase por obra de um acaso que me proporcionou, talvez, a mais rica experiência da vida. Caipira do interior de São Paulo e pouco viajado, a capital federal me pareceu o mais estranho dos lugares. Suas construções monumentais, entremeadas por imensos espaços vazios, lembravam pirâmides inabitáveis do deserto. Gramados secos e pequenas árvores retorcidas, aqui e acolá, completavam a paisagem desoladora para o forasteiro jovem e inexperiente.
Brasília foi, porém, um dos lugares mais acolhedores pelos quais passei. Nem tanto a cidade, onde nos perdíamos em suas lonjuras intermináveis, mas a Universidade de Brasília, aquele empreendimento fantástico do visionário Darcy Ribeiro, a quem nunca o Brasil conseguirá render as homenagens devidas.
Foi na UnB que comecei a conhecer o Brasil e um pouco do mundo. Naquele campus tive contato com um ambiente verdadeiramente universitário, composto por estudantes do sul ao norte. De nenhuma outra universidade eu viria a guardar esse mesmo sentimento, das muitas que conheci desde então. E olha que eram os tempos da mais violenta ditadura - os tempos de Garrastazu Médici. Apesar dele - apesar de você, general -, valia a pena estudar naquela universidade. Ali nós fazíamos nosso próprio mundo, um mundo do contra.
Em Brasília aprendi e fiz política, fui preso e tive medo, mas também alguma coragem. Nos primeiros dias em que estive no alojamento dos estudantes já recebi algumas lições que carrego até hoje. Entre elas, a tarefa de recordar a memória da grande resistência à ditadura em 1968 e de um dos seus principais líderes, Honestino Guimarães, ainda hoje tratado eufemisticamente como desaparecido político. A esse herói, assassinado pelos militares, me curvo aqui. Aprendi bem a lição, companheiros!
Durante a época da graduação me chamavam de passarinho por causa dos cabelos finos e espetados que sobraram do trote universitário. Não gostava nenhum pouco dessa alcunha, já desaparecida como os desaparecidos, mas hoje posso dela me orgulhar. Ao menos por quatro anos também voei pelos céus de Brasília. 
(Homenagem à capital da esperança no seu cinquentenário)       

2 comentários:

  1. De todas as "Brasílias", fico com a sua!

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  2. É Antonio Celso, a Figura de Honestino Guimarães, para constar, passou alguns anos (semi) esquecida mesmo no movimento estudantil, recordo, já que estamos de alguma forma nas memórias, que se passaram anos sem haver eventos (se não esporádicos) em lembrança de sua militância.
    Foi de algum tempo para cá que os projetos de memória do movimento estudantil trouxeram com mais força a figura franzina, de óculos e meio descabelada de Honestino.
    Ele simboliza ao mesmo tempo a resistência e a derrota.
    A resistência de continuar lutando, mesmo sabendo que iria morrer, como declarou em carta, e a derrota que os militares conseguiram com torturas e assassinatos impor sobre o movimento estudantil e a esquerda quando as circunstâncias já empurravam os estudantes para as armas e a UNE se desarticulou de fato, sendo reconstruída a partir de 1977/1978.
    Dos simbolos de Brasília, ou das Brasílias, tenho como representante a Figura de Honestino (um brasileiro de guerra), e a idéia da UNB, que ele próprio colocou em prática sua defesa por um Brasil que um grupo social importante acreditava e morreu defendendo.

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