segunda-feira, 31 de maio de 2010

Carapuça com endereço certo



 Vou acender velas para São Jorge
A ele eu quero agradecer
E vou plantar comigo-ninguém-pode
Para que o mal não possa então vencer
Olho grande em mim não pega
Não pega não
Não pega em quem tem fé
No coração
Ogum com sua espada
Sua capa encarnada
Me dá sempre proteção
Quem vai pela boa estrada
No fim dessa caminhada
Encontra em Deus perdão

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Uma história da juventude

Dando sequência ao post anterior, reitero que o livro de Jon Savage demonstra, com inteligência e sobriedade, como a juventude, um aglomerado etário-populacional  heterogêneo - e até então destituído de identidade sociocultural particular, é revestido de suma importância no século XX. Embora seu estudo se limite aos casos da Inglaterra, dos Estados Unidos e da França entre 1880 a 1945, não resta dúvida de que o fenômeno também se estendeu por várias outros países do globo. Não necessariamente na mesma escala temporal, o que torna sua obra um estímulo para pesquisas sobre regiões diversas.
Tal circunstância resultou, segundo ele, da intensa urbanização (acrescida da imigração, no caso dos Estados Unidos) ocorrida à época, que deu ampla visibilidade ao cada vez maior contingente de jovens, antes disperso nas áreas rurais e subordinado ao universo das famílias. Nas ruas das metrópoles e relativamente libertos do controle dos pais, os jovens passarão a ser conhecidos, investigados, retratados e catalogados por profissionais ou diletantes de diferentes instituições: repórteres, policiais, políticos, assistentes sociais, médicos, psiquiatras, psicólogos, educadores, sociólogos, criminalistas, artistas, romancistas, militares, religiosos. E finalmente por empresários e publicitários, que logo descobrirão um novo potencial de consumo até então oculto naquela massa informe.
Não é à toa que tenham surgido examente nesse contexto alguns termos hoje extremamente conhecidos e usados em nosso cotidiano: adolescência, teens e similares. E não é também fortuito que tanto se tenha investido nesses segmentos etários e sociais, seja para assimilá-los à ordem, seja para moldá-los como força histórica transformadora.
Savage acompanha passo a passo esses distintos processos com base numa documentação que permite compreender tanto o ponto de vista dos próprios adolescentes quanto o daqueles profissionais citados. É ainda notável como o autor contextualiza as diversas faces da juventude em diferentes momentos: os delinquentes dos bairros periféricos e operários no final do século XIX, os poetas decadentistas da mesma época, os estudantes preparados para a fábrica ou para a guerra no início do seculo seguinte, os fascistas e nazistas, os adolescentes na crise de 29, os músicos e cantores populares, os rebeldes da resistência... até os triunfantes consumidores de modas.
O livro termina em 1945, mas foi justamente depois desta data que esse aglomerado populacional e etário seria considerado sinônimo de um poder jovem. A década de 1960, e particularmente o ano de 1968, expressaram muito bem tal sonho, afinal, corroído pela força do onipresente mercado capitalista. Foi assim na Europa, na América do Norte e também no Brasil.
Pena que falte um estudo de semelhante porte no que diz respeito ao nosso país. Mas, do jeito como andam as pesquisas acadêmicas, dia a dia mais nanicas e irrelevantes, talvez demore um longo tempo para que isso possa ser feito. 
  

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Apenas um bom livro de História

Pode parecer pouca coisa, mas ler um bom livro de História é reconfortante para quem, por força do ofício, participa com frequência de bancas de avaliação de textos acadêmicos (dissertações e teses) e emite pareceres sobre artigos científicos e projetos de pesquisa. E que, como eu, anda cada vez mais desencantado com o estado atual da arte historiográfica. Falo da brasileira, com a qual tenho mais contato, embora o mesmo sentimento também possa valer para a estrangeira que conheço.
Aliás, chamá-la de arte soa mesmo como um disparate. Não me aventuro em empregar outro termo (os que me vêm à mente são impublicáveis) para designar essa produção em série (pirataria, em muitos casos) de bagatelas, acelerada sobretudo desde os anos 90, quando o setor se profissionalizou sob a tutela dos orgãos oficiais de fomento à pesquisa.
Por isso tudo, é reconfortante ler um bom livro de História. Encontrei-o na livraria da Estação Barra Funda minutos antes de embarcar para mais uma longa viagem. Desconhecia o autor, não lera nenhuma resenha a respeito da obra. Foi o título - seguido de uma rápida folheada e da consulta ao sumário - que me chamou a atenção: A criaçao da juventude: como o conceito de teenage revolucionou o século XX, do jornalista inglês Jon Savage.
Não se trata de um trabalho acadêmico ou teórico com pretensão a revolucionar a historiografia, presunção que tantas vezes se encontra em teses. Nada disso. É simplesmente um livro escrito com elegância sóbria, sem sofisticação conceitual (o subtítulo pode ser enganoso) e documentado na medida certa. Tudo para contar a história da aparição dos vários segmentos de jovens urbanos - operários, delinquentes, rebeldes ou consumistas - na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos das últimas décadas do século XIX a 1945.
Nem cheguei à metade do volume, mas continuo bem-impressionado. Quando avançar na leitura, contarei os detalhes. Prometo.

domingo, 23 de maio de 2010

O descanso do blogueiro

Tirei uns dias de férias desta página, mas o blog continua na semana que vem. Os eventos e assuntos passam rápido demais, a maioria deles dispensa meus comentários. Preferi descansar.
Teve o acordo com o Irã, mediado pelo Brasil e pela Turquia. Até que pensei em dar um palpite, mas me calei porque não entendo quase nada de geopolítica. Nem por isso deixei de me indignar com a análise obtusa da nossa mídia local, especialmente, da Globo. Partidária da subserviência ao Império decadente, advertiu Lula que a tradição da diplomacia brasileira é o alinhamento com o Ocidente. Que Ocidente é esse? É demais, preferi descansar.
Teve a nova pesquisa eleitoral que demonstrou o empate técnico entre Dilma e Serra, contrariando a farsa antes intentada pelo Datafolha. Hoje cedo quase cedi à tentação de comprar um exemplar do mal-intencionado jornal para ver sua reação nas novas folhas diagramadas. Desisti, não paga a pena. Preferi descansar.
Teve a criação da célula semiartificial, um pequeno passo na vida de um cientista, um grande passo na vida da humanidade. Nada tenho a acrescentar a esse belo invento, ainda mais porque ultimamente estou muito contaminado pelas ingênuas e pessimistas idéias de Hannah Arendt sobre a condição humana. Preferi descansar.
Teve a Marcha da Maconha que, aliás, continua no momento em que escrevo estas linhas. Liderada, entre outros, por Soninha Francine, reúne umas trezentas pessoas no Parque do Ibirapuera, segundo cálculos oficiais. Se estivesse em São Paulo neste domingo, talvez fosse à passeata. Ainda bem que não estou para não ceder ao impulso. Não que eu seja contra o movimento, mas seguir essa fulana, nem morto! Preferi descansar.
Como esses, outros eventos e assuntos passam freneticamente por todas as telinhas do globo miniaturizado. Descobri que não preciso opinar sobre tudo. Enquanto isso, entro em contato com o silêncio do mundo.
E só volto depois.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

O negócio é a escultura de si

Em tempos de crescimento econômico, a superoferta de idéias encadernadas é um perigo para os desassossegados. Ainda mais quando se vive perto das seduções livreiras. A não ser que o cara seja um tipo fernando pessoa, capaz de criar escaninhos específicos para cada uma das suas inquietações. Como não tenho esse talento, fico constantemente exposto ao risco da desorganização mental.
Na época em que não havia tanta variedade de produtos espirituais, eu consumia uma safra de cada vez, explorando ao máximo suas vantagens. Foi o caso, por exemplo, da literatura russa, das biografias de rebeldes e das teorias revolucionárias. Estes foram substituídos, anos depois, pelas obras, já então meio fora de moda, daquele conhecido casal existencialista francês. Enjoado (ou melhor, nauseado) deles, parti para outros gurus- desmontadores da tradição, sem abandonar, contudo, a pátria de Sarkozy. Foucault e congêneres, of course.
Ai vieram os anos do profusão megastórica do pensamento - estes em que vivemos. Confesso que tenho lido um pouco do tudo disponível: norte-americanos, paquistaneses, alemães, espanhóis, brasileiros... modernos e pós-modernos... hards ou ligths... de Herman Hesse a Dalai Lama. Outro dia me receitaram Omar Kayam, cujos poemas encontrei na vitrine virtual e me entreteram por alguns minutos. Quinze dias atrás comprei um Corão numa loja de conveniência, que me pareceu um saco - peço aos talibans que não me crucifiquem por este sacrilégio!
Não gostaria, porém, que me tomassem como um leitor fútil. Na medida do possível, procuro temperar as novidades com teorias mais sólidas, se é que elas já não tenham desmanchado no ar, como tem sido alertado nos últimos duzentos anos. Dentre outras, não abro mão da psicanálise, nem de uma pitada de marxismo, sempre necessários para não flutuar como um fantasma pelo cosmo.
E foi nessa perambulação contemplativa que encontrei um novo filósofo: Michel Onfray. O título do seu livro, exposto no estande principal da livraria, logo me chamou a atenção: A potência de existir. Embora fácil demais (coisa que não faz bem para um acadêmico), a leitura me agradou. Onfray inicia sua reflexão com um relato autobiográfico sobre os anos em que ficou internado numa escola religiosa católica. Foi essa experiência traumática que o levou ao terreno filosófico, isto é, à criação de uma filosofia alternativa, buscada na tradição dos epicuristas e hedonistas. Página por página, de modo simples e convincente, o novo filósofo revê toda a história do pensamento ocidental, do platonismo ao cristianismo e seus herdeiros atuais. Vai demolindo tudo, com exceção de uns poucos soterrados pela historiografia dominante.
Olha que o cara não fica só na reflexão! Propõe coisas perfeitamente viáveis, nas quais embarquei de pronto: uma moral ateológica pós-cristã (baseada na moral da honra e não da falta, na ética aristocrática e não falsamente universal, na regra imanente do jogo e não num processo transcendente, na vitalidade e não nas paixões mortíferas, no contrato com o real e não submisso ao céu), uma ética estética, uma escultura de si, um adestramento neuronal (super em dia com as novas descobertas da ciência), uma dialética da polidez, uma libido libertária etc. De todas as propostas, gostei mais da escultura de si e da libido libertária. Eu mesmo ando me esculpindo internamente faz tempo, e garanto que isso dá certo (por favor, não confundam com as cirurgias plásticas de Demi Moore). No tocante à libido libertária, a saída é o eros leve e a máquina solteira (quer dizer, sem laços permanentes), procedimentos que também já adotei. 
Como se vê, sempre tem algo de novo entre o céu e a terra para além da vã filosofia! Onfray até fundou uma universidade livre (será paga?) para difundir seus ensinamentos sem o constrangimento oficial. Num momento de delírio, me deu uma vontade enorme de aposentar e fazer o mesmo.
Até que, ao visitar o Google em busca de referências adicionais sobre o autor, descobri que ele ele é o tal que provocou enorme polêmica recentemente na França, ao atacar Freud com violência, chamando-o de farsante (comeu a cunhada, desejou a mãe!) e de criador de uma fábula. Fato que despertou a ira, justamente, de psicanalistas merecedores do maior respeito intelectual, cujas obras sempre leio. Foi ai que o encanto se desfez como que por encanto. Ora, concluí: Onfray é só mais um desses ditos pensadores, na verdade, gente louca por fama e por sofás como os do Jô (vide vídeo abaixo).
Joguei o livro de lado. Mas que continuarei a seguir algumas daquelas receitas, não tenham dúvida!  

domingo, 16 de maio de 2010

Whatever works

Domingo passado fui ver Tudo pode dar certo, o mais novo filme de Woody Allen (Whatever works). Fui e me arrependi. Não porque o filme seja ruim. Ao contrário, Allen retoma ai, com maestria, suas comédias irônicas sobre o american way of life (no ambiente charmoso e liberal novayorkino), depois de uma breve passagem almodovariana em Vick, Cristina, Barcelona, exuberante, mas não tanto com sua cara. Então, qual a razão do arrependimento?
É que me identifiquei com o protagonista da estória, Boris Yellnikoff (Larry David), um velho rabugento, ex-professor de Física na Universidade de Columbia, que fala o tempo todo da insignificância das aspirações humanas e do caos do universo. Alterego de Woody Allen, Boris Yellnikoff é um cara que se acha gênio realista, mas é apenas neurótico hipocondríaco, suicida compulsivo para quem nada na vida tem sentido.  Um chato que caga discurso o tempo todo, dirigindo-se, aliás, direta e cruelmente ao expectador - ponto alto da narrativa. 
Enfim, a vida não tem jeito para esse ex-professor solitário ... até que ele conhece por acaso a jovem e encantadora Melodie (Evan Rachel Wood), tipo que Boris mais detesta entre os humanos: meio burra, cheia de frases clichês, romântica e sonhadora. Acontece que os dois vão se envolver emocionalmente, e novas personagens também entrarão em cena (os pais da garota), mudando inesperadamente o script, embora nem tanto.
Até ai, nada demais.  Parece outra estorinha escrota com um happy end (que não contarei), bem adequado para nossa sociedade expectadora de finais felizes. Quem quiser, pode entender literalmente esse desfecho. Não era absolutamente o caso de me incomodar com mais uma chatice alegre de Woody Allen.
Só que me incomodei com Bóris. Pois também sou professor universitário, e ainda que menos desiludido que ele, tenho lá meus momentos de profunda descrença no nosso modo de vida, justificado e potencializado pelas banais tecnociências, especialmente humanas, atuais. Além disso, assim como o protagonista, também ando mancando - espero que provisoriamente -, mas não como resultado de alguma tentativa malograda de suicídio (diga-se de passagem, detesto suicídio). Foi por isso que me identifiquei com o personagem e não gostei nem um pouco do que vi nesse espelho.
Ainda mais porque havia programado para o meu curso de pós-graduação, na semana que entrava, a leitura e discussão do livro A condição humana, de Hannah Arendt. Sei que esta pensadora não é pessimista como Bóris, apesar de criticar radicalmente nosso modo de vida do fazer e fazer alienado. No entanto, alguns colegas do ramo universitário já vinham zombando dessa minha idéia de propor reflexão aos alunos:
- Que nada! De muito pensar morreu um burro! Não seja como Bóris! Esses pensamentos são ingênuos, datados, passadistas, nostálgicos da filosofia grega! Deixe disso! Besteira, não têm utilidade! Em vez de refletir, faça, produza um artigo científico! Não importa o que seja ou para que seja, produza alguma coisa que funcione na engrenagem acadêmica.
Foi esse mal-estar que tomou conta de mim ao ver o filme. Me senti o próprio Bóris, neurótico e fora de lugar. Juntamente com a Hannah, uma bobinha ingênua e melodiosa, que perdeu tanto tempo para escrever uma obra sem utilidade. Afinal, tudo pode dar certo no mundo, tudo works. Basta que it works!



sexta-feira, 14 de maio de 2010

La vida es mas compleja de lo que parece

Nada a dizer hoje. A bocametralhadora deve calar. O fogo amigo crepita, seduz, atrai, mata. Nenhum antídoto será capaz de aplacá-lo, senão o afastamento. Essa dor se carrega em silêncio. Só posso vestir as palavras de quem já disse o essencial numa melodia. Fale por mim, Jorge Dextler:

quarta-feira, 12 de maio de 2010

O cantante Jorge Drexler e outros latino-americanos

Meu amigo Tauã me deu uma cópia do CD do compositor uruguaio Jorge Drexler, que ouvi de ponta a ponta. Juntei também outras informações obtidas na rede e já me tornei seu fã. 
Uma das suas canções mais famosas é O outro lado do rio, da trilha sonora do filme Diários de motocicleta, sobre o Che. Mas ele é ainda autor de várias outras, todas belíssimas. Faz um sucesso danado na Espanha e em outros países da Europa, sem falar da notoriedade que alcançou no México, Chile, Peru, Argentina e regiões vizinhas.
No entanto, é ainda pouco conhecido no Brasil, embora já tenha gravado com Maria Rita a suave Soledad, e tenha se apresentado em Porto Alegre ou em mais uns poucos lugares. O fato é que quase não temos contato com compositores e intérpretes das nossas fronteiras de origem hispânica. A não ser com tipos como Rick Martin e outros abençoados pelo Império - ou quando muito, pelo euro (nos seus tempos de solidez). Afora isso, a ignorância e o preconceito em relação à arte deles correm soltas. Coisas de provincianos.
Houve época, porém, em que havia um verdadeiro culto da música engajada latino-americana. Eu mesmo ouvi muito Mercedes Sosa, usei poncho e me imaginava em plena guerrilha rural ou urbana. Os sons chilenos e uruguaios, especialmente, pareciam sinais da revolução e por isso eram traficados com o maior esforço. Boa época do tráfico!
Me lembro até de um casal de amigos que cruzou os Andes num fusca, em 1971, com um punhado de discos de vinil (óbvio) de artistas chilenos, proibidos por aqui. Antes de chegarem à fronteira brasileira, esconderam o material no motor do carro. Só que se esqueceram, após a fiscalização, de libertar os artistas daquele forno infernal. Foi em Brasília, mais de mil quilômetros à frente, que descobriram o estado de seus preciosos albuns, evidentemente imprestáveis.
Hoje, a música latino-americana remanescente daqueles anos ficou reduzida aos índios de araque que se apresentam, caracterizados de maias e incas, nas praças de São Paulo e do mundo. Bah!
Mas nem tudo é simulacro. Fora nostalgia! Jorge Drexler, por exemplo, como eu disse no começo, é uruguaio, moderno e criativo. Suas letras são excelentes. A latino-américa existe. Basta ouvir suas vozes e guitarras:

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Literatura e Filosofia ebôokicas

Já faz tempo que eu queria comentar a polêmica sobre o livro eletrônico, o e-book - como o chamamos, americanófilos que somos. Mas sempre deixava o assunto de lado, sem saco para começá-lo. Quando tentava organizar as idéias e consultar algum material, logo me parecia que em torno do tema havia mais barulho do que experiências ou fatos concretos.
Li muita coisa a respeito, porém, nada que me contentasse. Os historiadores dedicados à história da leitura se limitam a mostrar que o livro, tal qual o conhecemos hoje, é um suporte material entre outros, inventado na Idade Média e aperfeiçoado nos tempos modernos. Dai concluírem que, como todos os suportes materiais da leitura, poderá um dia ser substituído por outro, o que certamente implicará novos modos de ler, escrever e pensar.
Os futurologistas desenham mil cenários novos a partir do e-book: outros tipos de textos e leitores, outras formas de biblioteca e assim por diante. As grandes corporações tecnológicas tentam criar e vender seus variados aparelhos leitores eletrônicos e disputam entre si como galos sangrentos.  Falta oferecer o cheiro do papel (sobretudo o velho) e o gostinho de virar a página com o dedo molhado na língua, o que absolutamente não será difícil inventar, por mais antihigiênico que seja tal gesto. Querem, é claro, ganhar muito dinheiro com a disseminação desses novos produtos e por isso supervalorizam suas modernidades.
Nós, brasileiros, loucos por novidades desde os tempos cabralinos, costumamos babar diante de espelhinhos e, principalmente, telinhas. Só que, até agora, nada garante que o tal do e-book venha a decolar, apesar de alguns ensaios editoriais ainda não avaliados. Por outro lado da página, não há notícias de que a coisa já tenha pegado nem mesmo na Europa ou nos States. Portanto, é o caso alertar: vamos com calma, menos, caros utopistas das bugigangas do futuro!
Pessoalmente, acho que algumas formas de textos eletrônicos poderão ganhar o gosto do público leitor pela facilidade de leitura, divulgação, acesso e download. Em geral, os textos curtos, mais objetivos, diretos e utilitários, como por exemplo: escritos técnicos, dicionários, artigos acadêmicos das áreas de tecnociências (e não das humanidades, ainda que elas pouco a pouco estejam se tornando tecnociências humanas - cruzes!). Vejo também grande possibilidade de difusão eletrônica de minicontos, poemas e outras criações literárias e artísticas. Ponto a favor da tecnologia.
Mas, por favor, pelo menos na década que iniciará, não creio que vingarão filosofias, histórias ou romances eboôkicos. E se vingarem, estou fora! Aliás, já nem estarei entre vós, herdeiros do futuro. Por isso gostei muito do vídeo abaixo, que a Tania de Luca me enviou. Vejam também e digam o que acharam.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Carta a um prefeito do interior paulista

Prezado prefeito

Talvez você não se lembre de mim, mas eu me lembro que o recebi em minha casa acompanhado de um amigo comum. Faz muito tempo, quando ainda éramos bastante jovens. Naquela época eu cursava o primeiro ano da graduação na Universidade de Brasília. Durante as férias, ao retornar à nossa terrinha, gostava de reunir os amigos para contar minhas peripécias na capital federal.
Você foi um dos que então estiveram num desses encontros em que falávamos do movimento estudantil e do combate à ditadura, líamos coisas consideradas subversivas e sonhávamos grandes bobagens. Nossa cidade, que mal somava uns cem mil habitantes, nos parecia muito provinciana para essas ousadias.
Ambos vínhamos de famílias muito antigas da região, mas a sua tinha uma marca a mais: carregava a distinção do nome do seu pai, ex-prefeito da cidade. Deste então, não tivemos outros encontros como esse e iríamos percorrer caminhos diametralmente opostos, principalmente políticos.
Nossos companheiros também seriam outros: enquanto eu andava em más companhias (ex ou pré-presos político e gente com tal figurino) você primava pelas boas. Tornou-se político profissional - vereador, deputado -, tendo passado por vários partidos da ordem, inclusive o da ordem malufista. O que explicará, creio eu, vários aspectos do seu futuro, que no presente integra a base centro-esquerda do governo federal.
Daqueles áureos anos para cá, muita coisa mudou no Brasil e no mundo. Caiu a ditadura, as cidades cresceram ainda mais, inclusive a nossa, ferida por problemas típicos das metrópoles, como as ruas entupidas de carros, o centro deteriorado, a periferia pobre e inchada. Os ideais de justiça social ficaram em segundo plano, mas, em muito países, foram bolados e até efetivados projetos de melhoria urbana pautados pela consciência ambiental e social.
Nesse interim, você seguiu na mesma toada da direita que o levou ao mesmo lugar outrora ocupado por seu pai. Azarão nas pesquisas eleitorais, acabou por vencer o candidato adversário - um jovem do PT - com uma margem mínima de votos obtidos na última hora e cabalados pelos grupos conservadores locais. Confesso que votei no outro candidato e não me arrependi.
Desconfiei desde o início dos seus projetos. Agora tenho a certeza de que são péssimos. Um dos principais, já aprovado a toque de caixa pela Câmara dos Vereadores, é a construção de uma uma imensa garagem subterrânea (com a inevitável plataforma de concreto na superfície) numa das principais (e poucas) praças centrais da cidade. Tudo para abrigar três centenas dos milhares de automóveis da nossa classe média cintilante e aumentar ainda mais o volume de tráfego na área. Mega-ultra-big projeto de concreto bem ao gosto do modernismo provinciano. 
Ao imaginar o que será essa obra-prima, a primeira paisagem que me vem à mente é a horrenda Praça Roosevelt paulistana, erguida naqueles tempos da nossa única reunião e que, segundo os melhores engenheiros, arquitetos e urbanistas, deverá urgentemente ser posta abaixo. O autor desse edifício do mal, que só poderia se converter em antro escuro da criminalidade, foi o seu velho amigo Maluf. Mas o seu projeto também vai ficar parecido com outras obras monstrego-monumentais realizadas na nossa cidade naqueles mesmos anos 70, como a claudicante Rodoviária e o anticultural prédio da Praça Cívica.
Um dos seus outros companheiros de jornada política, no entanto, o prefeito da capital de São Paulo, velho malufista hipocritamente arrependido, declarou ontem que pretende derrubar o Minhocão, obra de idêntica monstruosidade. Não sou fã desse prefeito demo, mas tenho de admitir que ele acertou no caso do elevado.
Prezado prefeito. Como ficamos muito tempo distanciados, não sei como você se preparou durante esses anos para o mais alto posto do nosso município. Por exemplo, que livros de urbanismo leu, que cidades visitou? Tenho curiosidade especial em saber por que gosta tanto da engenharia e da arquitetura do período da ditadura. Eu, particularmente, as detesto.
Até acho legítimo que você queira inscrever seu nome na história. Pena que seja com obras desse tipo, fatalmente destinadas à implosão ou à explosão.

Sem mais, 
Cordialmente
um seu conterrâneo 

terça-feira, 4 de maio de 2010

Volta ao mundo e à sala de aula

Depois de quarenta dias confinado no cibermundo, a sala de aula agora me parece muito mais prazerosa. Com isto não quero dizer que uma coisa deva excluir a outra. Nem que a sala de aula tenha de ser apenas um espaço prisional, como tem sido até hoje, ou o cibermundo um lugar de pura dispersão espacial. Mas a dupla experiência me faz pensar tanto no ensino tradicional quanto nas soluções fáceis oferecidas atualmente para uma pedagogia moderna, isto é, virtual.
O ciberespaço é algo recente para mim, como suponho que seja também para a maioria das pessoas da nossa época. E por isso mesmo, encantador, fascinante, vertiginoso, imprevisível. A pedagogia não poderia passar ilesa diante dele. Uma das tentativas de inová-la é a chamada educação a distância, ultimamente adotada em todas as bandas do planeta, inclusive nas bandas podres. No entanto, creio que alguns aspectos essenciais da arte de ensinar, aprender, orientar e compartilhar saberes só podem ser obtidos na relação cara a cara entre alunos e professores - aquilo que, de alguns anos para cá, é chamado de modalidade presencial, exclusiva ou complementar.
Maravilha das maravilhas, a educação a distância promete superar tal caretice em proveito de um ensino que além de moderno (palavra multiuso desde o século XIX), é muito mais produtivo - noutras palavras, custa menos e alcança mais resultados. Nas bandas podres citadas, por exemplo, das escolas privadas brasileiras, ensino a distância significa tão somente diminuir gastos com professores. Os bons propósitos das instituições públicas não levam a tanto, mas, honestamente, não tenho muita certeza de que permanecerão bons por muito tempo, tendo em vista a avassaladora predominância da lógica empresarial em seus quadros.
Não é só isso que me incomoda, infelizmente. O que me surpreende é o uso convencional e idiota dos meios virtuais no ensino. Pelo que conheço, ensino a distância tem sido até agora - nada mais nada menos - do que transmissão televisada dos tradicionais conteúdos da escola, com o suporte das antigas apostilas rejuvenescidas por botox e cirurgias plásticas. Inventaram também que se trata de um processo interativo. Pois bem: a interatividade parece se reduzir ao velho esquema de perguntas e respostas, só que respondidas em chats ou por e-mails. É claro, não se pode esquecer do complemento presencial dessa modalidade de ensino, exercido por monitores auxiliares, como nos antiquados modelos pedagógicos face to face. Numa palavra, ensino fechado, mesmo que por meios abertos.
Pode haver experiências mais interessantes que essas, mas ainda não as conheço. Querem saber? Prefiro ficar distante dessa modernidade velhusca e - muitas vezes - velhaca. O meu ciberespaço é o livre fluir das idéias, longe ou perto.

sábado, 1 de maio de 2010

Hora heróitica

O Ministro Temporão recomendou sexo para combater a hipertensão. Eu também tenho hipertensão e só posso concordar com seu conselho. Mas gostaria de ampliar essa terapêutica para várias outras doenças que têm tomado conta dos corpos e das mentes.
Entre elas, o marasmo, a chatice, o tecnicismo da política num ano eleitoral decisivo que pode trazer de volta (esconjuro) os caretas da ordem dominante. Para deter a força da sua contaminação o único remédio é muito tesão, como disse Roberto Freire: sem tesão não há revolução.
Então, vamos lá, estrategistas do PT. Não sufoquem a libido e a utopia. Não sucumbam ao discurso técnico capitalista ou ao tédio da realpolitik. Já basta o Serra, que com sua faca afiada, corta mais e mais o pouco do sonho restante da sua geração. Dilma, que é da mesma geração, deve representar, ao contrário, o fortalecimento da esperança, o aceno da utopia, o alargamento de um projeto. Não queremos apenas uma técnica.
Não acorrentem, liberem sua pulsão de vida. E para estimulá-los deixo aqui mais um vídeo de Ney Matogrosso: "A cor do desejo".