terça-feira, 22 de setembro de 2009

Interessantes tempos virtuais

Tauamg me provoca com suas tiradas inteligentes, irônicas e quase céticas. Me desvia do caminho, eu que tenho o vício didático, que me comunico como se estivesse numa sala de aula. Planejo meus assuntos de cabeça, recorrendo à lógica mental de um normalista: primeiro vou escrever sobre isso, depois sobre aquilo, ao final pretendo concluir do seguinte modo... Mas a vida não é linear, muito menos a comunicação da nossa época. Portanto, deixo mais uma vez de lado a continuidade dos exorcismos historiográficos para falar de coisa paralela, embora urgente: a autoria nos meios virtuais.
Não tenho dúvida de que as formas de autoria já estão mudando desde o impacto da rede. As possibilidades de apropriação, modificação e difusão do pensamento alheio ampliam-se cada vez mais. Não se assiste apenas a uma pirataria de idéias, imagens, sons e textos como também a progressiva desintegração das obras. Os especialistas, principalmente editores e negociantes de livros, já debatem o assunto e sabem que acontece no domínio da escrita (sobretudo com os livros) algo semelhante ao que se deu no mercado musical, cujas obras são hoje vendidas a céu aberto por todos os camelôs do vasto mundão de deus.
Isso é bom ou ruim? Não devemos responder com juízos morais imaginados fora do tempo. Foucault já demonstrou, se não me engano em 1966, que as noções de autor e obra são tardias na história. O modo atual de conceituar uma obra é parente das hagiografias católicas que tinham o objetivo de circunscrever a vida e a obra dos santos, distinguindo-os dos homens comuns pecadores. A noção de autor emerge plenamente como direito de propriedade intelectual no início da era moderna em substituição às práticas e aos conceitos de autoria da época clássica e medieval. Quem foi o autor de Ilíada e de Odisséia? Ou dos Antigos e Novos Testamentos? E dos romances medievais? Ou mesmo dos textos filosóficos gregos, transmitidos por discípulos num mundo em que predominava a oralidade? Quem conta um conto, acrescenta um ponto, diz o ditado.
Democratização da cultura? Nem tanto. Como você mesmo diz, Tauamg, as hierarquias permanecem ou se debatem tenazmente pela sobrevivência. Uma rápida olhadela no twitter revela quem são os twiteiros mais seguidos: os jornalistas já conhecidos da televisão ou da grande imprensa escrita. Por enquanto, para firmar-se na web continua valendo o velho capital simbólico obtido nos meios "tradicionais". E antes que você me provoque outra vez, tenho consciência de que meu pequeno público também é garantido pelo capital simbólico da universidade (argh, Bourdieu, gosto das suas idéias, mas não gosto de seguí-las ortodoxamente, de citar seu nome ou de outros, esse vício horripilante da academia, que leio diariamente nas teses).
Outro dos seus argumentos lembra o meu autor preferido por tanto tempo: Baudrillard (mas, chega de franceses, pensemos antropofagicamente como Oswald de Andrade). Nenhuma potência de vida poderá surgir do excesso de palavras, de imagens e de sons lançados vertiginosamente pelos satélites planetários. A profusão de matérias simbólicas leva e levará ao vazio de sentido, dizia o filósofo inaceitável. Iludem-se os narcisos anônimos ou públicos.
Apesar disso, sonho que há e haverá a possiblidade de algo escapar desse vazio onipresente: uma frase lapidar, um poema leve, belo e despretencioso, uma fotografia sensível, um deslize da alma... Como li um dia num livro de Terry Eagleton: viver em tempos interessantes não é apenas uma dádiva ... No centro do nosso pensar há sempre um vórtice que o tira do prumo.

4 comentários:

  1. Mas claro! Meu blog tem quase um ano e só tenho 2 seguidores!!! rs...
    Faltam-me amigos???...
    Claro que não quero traçar uma comparação com A. Celso, até pq o perfil do meu é completamento outro; mas, o queria dizer é que na Academia também temos o status e nossas estrelas.
    Haja visto uma palestrs com um desses grandes nomes da nossa área, tem lotação completa e até gente tentando tirar foto junto no final!!!...

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  2. Gente, desculpem, mas às vezes acho essa mania de ficar justificando cada passo meio maçante, para não dizer desnecessária! “ Te perdôo por fazeres mil perguntas que em vidas que andam juntas ninguém faz”
    As teorias são importantes, mas vá lá, “olha a cama de gato”! Será democrático? Será que as pessoas querem aparecer? Será que é só quem tem capital simbólico? Será que eu devo usar? Será que eu também quero aparecer? Será que é bacana? O que vão dizer de mim? Será que devo dizer algo? Será que é hierárquico? Será que acabou a obra? Será que é bom eu usar , mas dizer que não me sinto muito à vontade, porque aí fica aquela sensação de contradição, timbre da inteligência intelectual? Ò vida, ó céus! “O que será que será”?!
    O mundo virtual não é uma entidade que baixa na gente! Por que as pessoas se agregam? Por causa do capital simbólico do outro? Por que outro representa o pai? Por que ele se parece com a minha irmã? Por que tá carente? Façam suas apostas! Se estamos no Blog do A. Celso que nos atraiu graças ao capital simbólico que angariou na qualidade de professor universitário, dentro de uma instância de consagração, e aí? Ou será melhor dizer, me recuso a participar desse blog, porque se não serei mais uma a reforçar a teoria do capital simbólico do Bourdieu, se for para ser consequente, esse é o próximo passo. “Sonho com a possibilidade de algo escapar desse vazio onipresente”, isso é uma realidade! Se decido seguir famosos no twitter, sigo, cismei, vou seguir! Ao mesmo tempo que posso discutir com vocês, e entrar no Orkut da minha mãe, alguma coisa contra?! Se alguém quiser usar um garfo para costurar, bom, é sempre possível, vale tentar! Ou vamos juntos, os críticos que não se deixam influenciar pelas coisas menores, tolas, como o mundo virtual, as músicas bregas, as leituras fáceis, lutar por uma Internet apolínea?! “Vai indo que eu não vou...”

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  3. Interessantes tempos virtuais mas a análise mais acertada foi realizada há décadas por Umberto Eco. É preciso ocupar espaço e usar os novos recursos a nossa diposição. A crítica decorre do contato e do enfretamento. Onde Marx estudou o capita? Na Inglaterra, berço do capitalismo industrial. E ocupar espaço significa erodir as estruturas anteriores que servem de modelo para organizar o novo mas nunca são repetidas integralmente. Sem as restrições academicas o debate flui e talvez volte para o espaço acadêmico com efeito transformador.

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  4. Acho que dessa bagunça tanto comentada por A. Celso quando da Camila, há de vir o simples. Tudo indica para isso. Vejamos por exemplo as teses de doutoramento que eram uns CATATAUS de 500 pág. Meu Deus! E agora? Basta umas 200 no máximo, quando se publica. Ser o mais simples suscintos mesmo quando o assunto exige muito mais de nós.

    Acho o modelo da unicamp perfeito quando eles colocam no ar suas teses. Sabe-se lá quantas daquelas centenas de teses poderiam ser um dia publicadas!
    E olha que uso exaustivamente aquele banco de dados!

    Estamos evoluindo!?

    Quanto aos Twitteiros.. Jesus teve muitos seguidores e ouvintes, mas quem realmente o entendeu?
    Assim como Buda, Maomé, Moisés, só para mencionar os mais "pop's".

    Acho que a única coisa que consigo seguir sem pesos morais e sem nunca falhar é a minha própria sombra, hehe.

    abraços

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