sábado, 10 de abril de 2010

Janela indiscreta

Esta parada imprevista que a sorte me destinou tem sido providencial para reler um dos meus pensadores prediletos desde os anos 80: Paul Virilio, autor, dentre outros, do livro Guerra e cinema, que selecionei para discussão no curso em Assis. Teórico das conexões entre velocidade, tecnologia, política e guerra, este arquiteto, urbanista e pacifista francês, nascido em 1932, desvenda em sua obra a vertigem absurda da vida contemporânea. Vertigem desencadeada pela aceleração de todos os processos artificiais criados pelo homem.
E é engraçado perceber como a fratura de um simples tornozelo nos torna, por uns dias, inteiramente estranhos a esse mundo desenfreado. Inesperadamente, somos relegados à imobilidade, situação que, entretanto, não proporciona a quietude da contemplação do cosmo, como os gregos pregavam, nem a fuga eremita para o deserto, como aquela que os cristãos antigos empreendiam. Deserto e cosmos são hoje espaços saturados de máquinas e imagens invasoras, espiados pelos milhões de satélites espalhados na terra e nos ares. Eu mesmo sou um desses espiões. Estrategicamente postado neste laptop bélico, sou fadado a transformar minha meditação solitária numa viagem coletiva alucinada por lugares ininterruptamente devassados.
Resta apenas o estranhamento, a perplexidade, a ausência de uma resposta para o inevitável e daí. Sei que Virilio é um pensador cético em relação à tecnologia moderna, nela incluindo a internet. Sua aparição, segundo ele, é uma das mais eloquentes expressões da guerra total que nos move e mobiliza a uma espécie de precipício. Sei também que outros autores do curso verão na tecnologia moderna exatamente o contrário disso - um veículo para a reinstauração das utopias democráticas universais. Dirão ainda que o urbanista francês é apenas mais um dos apocalípticos na cena filosófica desde o final do século passado.
Caros alunos, se lerem este post, só posso dizer que não facilitarei o problema com alguma conclusão. A única coisa que consigo deduzir é que, pelo menos uma vez na vida, quebrar o tornozelo tem a vantagem de dar um tempo para leituras como a que ora faço, mesmo que elas não ofereçam qualquer resposta. Aconselho a todos. 


Um comentário:

  1. Celso, da tua reflexão penso chegar à conclusão de que devemos procurar ficar sempre com um pé fora desta vida. Esta vida do jeito que aí está, é sabidamente falsa. E a tecnologia foi vem reforçar isto. Daí esta atitude de dúvida e de não certeza. Creio que nos falta uma certa atitude de irresponsabilidade inocentemente crítica.

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