quinta-feira, 8 de abril de 2010

Filosofia de muletas

Dia 22 deste mês começo minha parte no curso de pós-graduação em História (Assis) sobre o ler, o escrever e o pensar no mundo da cibercultura (título que ficou meio bobo diante do que foi, posteriormente, proposto para debate). A primeira parte do programa foi dada pela minha colega Tania Regina de Luca, que optou por uma abordagem mais propriamente histórica da questão. Quanto a mim, que sou um tanto cético em relação à capacidade reflexiva do saber histórico, malgrado seja profissionalmente um historiador, escapei para uma ênfase filosófica, se é que se possa chamar por esta designação a filosofia de pés quebrados, precária e transitória, característica da atualidade. E para bem representar nossa condição humana no presente momento lecionarei também de muletas.
Por falar em condição humana, este é o nome da primeira obra a ser discutida no curso, pela qual Hannah Arendt trouxe à luz, de forma pioneira, uma reflexão decisiva sobre o mundo inteiramente artificial profuzido pelo homem moderno. Um mundo rebelde à própria existência humana, do qual o ciberespaço é uma das suas manifestações. Segundo a filósofa, "o mundo - artifício humano - separa o homem de todo ambiente meramente natural; mas a vida, em si, permanece fora desse mundo artificial, e através da vida o homem permanece ligado a todos os outros organismos vivos. Recentemente, a ciência vem se esforçando por tornar artificial a própria vida, por cortar o último laço que faz do próprio homem um filho da natureza".
Estas palavras proféticas foram escritas em 1958, quando o homem ainda não chegara à lua e nem os bebês de proveta à terra. De lá para cá, a tecnociência avançou de forma avassaladora na criação do mundo artificial, a ponto de se falar, nos dias de hoje, não mais da condição humana, mas da geração de uma pós-humanidade.
É isso que pretendemos sondar apelando à nossa atual filosofia de muletas, notoriamente aquém dos desafios da hiperrealidade presente. Teremos de ler vários outros textos, ora otimistas ora pessismistas quanto ao futuro/que já é, mas não sei aonde poderemos ir. Apesar disso, vamos juntos debater, ainda que apoiados em rudimentares aparelhos ortopédicos enquanto sonhamos com as próteses modernas dos cyborgs.
E embora este não seja, como tantas vezes tenho dito, um blog institucional ou acadêmico, divulgo excepcionalmente aqui a bibliografia do curso para quem quiser fazer bom uso dela no ciberespaço:

VIRILIO. Paul. Guerra e cinema. São Paulo: Scritta Editorial, 1993.
ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1983.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
BAUDRILLARD, Jean: À sombra das maiorias silenciosas: o fim do social e o surgimento das massas. São Paulo: Brasiliense, 1985.
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola, 1998
NOVAES, Adauto (org.). A condição humana: as aventuras do homem em tempos de mutações. Rio de Janeiro: Agir; São Paulo: Edições SESC SP, 2009.

5 comentários:

  1. Antonio Celso,

    Muito interessante o curso! Adorei a bibliografia: um título em particular me chamou muito atenção - o do Jean Baudrillard. Parece ser muito interessante! Vou procurá-lo!

    Parabéns pelo curso!

    Abraços!

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  2. Meu gentil professor, teu curso é muito oportuno. Que produza ótimas reflexões e, sobretudo, pelo amor dos nossos netinhos, ações afirmativas que possam nos devolver a Alegria do Viver, e mais ainda nos devolva à Vida, porque de redomas lustradinhas, cheirosinhas e bacaninhas estamos todos até a tampa.

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  3. Oportuna abordagem reflexiva acerca da filosofia de muletas. A minha, rasteja pelos meandros da poesia.

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  4. Olá, Professor Antônio Celso!

    Em seu blog encontra-se um verdadeiro curso. Cada um dos artigos, eu deu uma olhada em vários, obtém-se ensinamentos muito importantes. Eu irei deixá-lo em meus "favoritos" para sempre que puder visitá-lo.

    Abraços

    Francisco Castro

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  5. Que bonito meu caro!

    Bom saber que anda (mesmo de muletas) a atuar como sujeito-suposto-saber. O que queria dizer não é bem uma indicação bibliográfica, mas antes o compartilhar de algumas leituras que tenho feito no entorno dessa problemática, o humano e o inumano de nossa "vida?" contemporânea. Um livro que li recentemente é de Lúcia Santaella (acho que ela é daí de sampa), Cultura e Artes no Pós-Humano (estigante, semiologia, psicanálise e filosofia nessa nova configuração do silício com o carbono); o outro, é de um filosofo contemporâneo que anda arrancando os poucos neurônios que ainda restam, Giorgio Agamben, Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua, que dá continuidade aos trabalhos de Foucaul sobre o biopoder, só que por outro viés, mais proxímo de Heidegger, Benjamim e Arendt. Também muito instigante.
    Enfim, é só vontade de bater um papo mesmo.

    Um brine e
    Grande Abraço!

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