segunda-feira, 12 de abril de 2010

O bruxo de Matrix

Outro dos meus pensadores prediletos, também escolhido para debater no curso, é o bruxo Jean Baudrillard, que já partiu para o inferno sideral (2007), mas enquanto vivo assustou muitas criancinhas ingênuas e bem-intencionadas do nosso mundo acadêmico.
Suas idéias são próximas às de Paul Virilio, embora o iconoclasta fosse ainda mais pessimista que o primeiro. Enquanto o teórico da velocidade aposta(va) no pacifismo como forma de deter a máquina tecnológica descontrolada, Baudrillard não oferecia qualquer alternativa de redenção ao mundo tecnocrático.
Sociólogo, poeta e fotógrafo, seu primeiro estudo foi O sistema dos objetos (1968), inspirado na obra de Roland Barthes. A partir desse livro ele ampliou sua reflexão sobre a a perda de referência do real na cultura contemporânea. Pensador eclético e profético, Baudrillard não deixou pedra sobre pedra. Demoliu tudo o que forma nossa vã filosofia fim de século XX: democracia representativa, comunismo, crença no social e na tecnociência, maravilhas da internet, espetáculos de guerra e do terrorismo. Reduziu as instituições e o imaginário moderno ao universo da pura simulação. Bem ou mal, sua obra gerou até Matrix, um dos nossos últimos cults cinematográficos, igualmente reduzido às cinzas do simulacro universal.
Prá que discutir sua obra, especialmente a que fala do fim do social, caraca? Ainda mais em ano eleitoral, quando eu mesmo estou mais que contraditoriamente engajado no debate político em curso? Que figura confusa sou? Ora, não me peçam coerência. Estarei sempre dividido entre o otimismo da vontade e o pessimismo da razão. É o que posso.

"Todo o confuso amontoado do social se move em torno desse referente esponjoso, dessa realidade ao mesmo tempo opaca e translúcida, desse nada: as massas. Bola de cristal das estatísticas, elas são ‘atravessadas por correntes e fluxos’, à semelhança da matéria e dos elementos naturais. Pelo menos é assim que elas nos são representadas. Elas podem ser ‘magnetizadas’, o social as rodeia como uma eletricidade estática, mas a maior parte do tempo se comportam precisamente como ‘massa’, o que quer dizer que elas absorvem toda a eletricidade do social e do político e as neutralizam, sem retorno. Não são boas condutoras do político, nem boas condutoras do social, nem boas condutoras do sentido em geral. Tudo as atravessa, tudo as magnetiza, mas nelas se dilui sem deixar traços. E na realidade o apelo às massas sempre ficou sem resposta. Elas não irradiam, ao contrário, absorvem toda a irradiação das constelações periféricas do Estado, da História, da Cultura, do Sentido. Elas são a inércia, a força da inércia, a força do neutro. É nesse sentido que a massa é característica da nossa modernidade, na qualidade de fenômeno altamente implosivo, irredutível a qualquer prática e teoria tradicionais, talvez mesmo irredutível a qualquer prática e a qualquer teoria simplesmente. Na representação imaginária, as massas flutuam em algum ponto entre a passividade e a espontaneidade selvagem, mas sempre como uma energia potencial, como um estoque de social e de energia social, hoje referente mudo, amanhã protagonista da história, quando elas tomarão a palavra e deixarão de ser a ‘maioria silenciosa’ – ora, justamente as massas não têm história a escrever, nem passado, nem futuro, elas não têm energias virtuais para liberar, nem desejo a realizar: sua força é atual, toda ela está aqui, e é a do seu silêncio. Força de absorção e de neutralização, desde já superior a todas as que se exercem sobre elas. Força de inércia especifica, cuja eficácia é diferente da de todos os esquemas de produção, de irradiação e de expansão sobre os quais funciona nosso imaginário, incluindo a vontade de destruí-los. Figura inaceitável e ininteligível da implosão (trata-se ainda de um processo?), base de todos os nossos sistemas de significações e contra a qual eles se armam com todas as suas resistências, ocultando o desabamento central do sentido com uma recrudescência de todas as significações e com uma dissipação de todos os significantes, O vácuo social é atravessado por objetos intersticiais e acumulações cristalinas que rodopiam e se cruzam num claro-escuro cerebral. Tal é a massa, um conjunto no vácuo de partículas individuais, de resíduos do social e de impulsos indiretos: opaca nebulosa cuja densidade crescente absorve todas as energias e os feixes luminosos circundantes, para finalmente desabar sob seu próprio peso. Buraco negro em que o social se precipita.”
Jean Baudrillard – À sombra das maiorias silenciosas

2 comentários:

  1. A massa, esta multidão de solitários, não é amorfa. É que tem como refúgio o mágico. Mexam com isto e verão as suas garras.

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  2. Cheguei ao seu blog por sugestão da singular pessoinha de um amigo que temos em comum, o Tauan. Gostei bastante de tudo o que li. Você me parecer ter uma visão muito sadia das coisas ao ser redor. Vou acompanhar o blog com alguma frequência. O Tauan descolou um ótimo orientador, sem dúvida.

    Um abraço.

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