sábado, 23 de janeiro de 2010

Últimas notícias da Europa

No avião, em viagem de volta, e antes de me defrontar outra vez com os nossos problemas essenciais, ainda tento sintetizar mentalmente as questões políticas que percebi como as cruciais vividas hoje na França e na Espanha. Talvez em boa parte da Europa.
Os jornais distribuídos na entrada da aeronave possibilitam essa reflexão, além de serem boa distração para as longas 12 horas de jornada pela frente. Leio A Vanguardia, um periódico que, de cara, se distingue da nossa grande imprensa (tema a ser tratado em breve). A cada página que se abre, dois ou três artigos de opinião sobre um mesmo assunto estratégico, todos assinados, densos, analíticos. Nada da ligeireza das matérias que vemos por aqui: a maioria apelativas e curtas, apócrifas, denuncistas, alarmistas, espetaculares.
O tema do momento é, como já disse noutras postagens, o impacto da imigração. Tahar ben Jelloun - o nome indica sua procedência - resume bem a atual paisagem humana européia:
Lo cierto es que el paisaje humano de la nueva Europa varía a diario. Basta mirar en las calles de Paris, Londres, Frankfurt o Turín. La mezcla es visible. El blanco ya no es el único representante de la civilización occidental. El efecto de numerosas y diversas inmigraciones, algunas delas cuales ya están estructuralmente instaladas en el país, es evidente. El mestizaje avanza, la cultura se enriquece com aportaciones nuevas, ya sea en la música, la literatura o la gastronomía. La imigración ha entrado en una nueva etapa. Ya no estamos en aquellos tiempos de la llegada de campesinos analfabetos de las montañas de Marruecos o da Argelia. En suelo europeu se han producido reagrupamentos familiares y nuevos nacimientos.
Tem razão o articulista. A mestiçagem avança rapidamente, pelo que se vê nas ruas e nos metrôs: vários casais formados por louras e negros, e não o contrário, grande número de europeus em restaurantes árabes, chineses e da África profunda. Descontada, é claro, a inconfiabilidade das informações baseadas em impressões, parece se tratar de uma tendência crescente.
Mas o que se passa espontaneamente na vida social - a integração - recebe respostas inteiramente contrárias nas políticas dos estados. O ministro francês para a Imigração e a Identidade Nacional, Eric Besson, lançou exatamente nesse contexto um grande debate nacional orientado por três perguntas:
Que significa ser francês?, O fato de pertencer a uma comunidade de língua, cultura e de religião? Ou bem ter nascido no mesmo país embora seja de pais estrangeiros?
Para que servirá isso? Como responde Tahar ben Jellou, trata-se de um debate inútil e estúpido, formulado a partir de conceitos anacrônicos de raça, que sequer encontra ressonância entre os franceses brancos.
Algo semelhante e até mais perigoso também ocorre em Vic, uma pequena cidade da região da Catalunha. O governo local pretende implantar uma medida que nega o padrón aos imigrantes sin papeles. Padrón é o registro obrigatório para residir nas cidades, até mesmo quando se muda de uma rua para outra. Obtido nas sedes das prefeituras, representa o que há de mais obsoleto no âmbito da burocracia, herdado da ditadura franquista.
Para os imigrantes ilegais (25% da população), muitos deles habitantes de Vic há décadas, quando a indústria local era florescente e eles contribuíam para o bem-estar econômico da cidade com seus baixos salários, a proibição equivale ao desterro. Por isso se mobilizam para derrubar a lei.
A crise econômica estimula debates e leis xenófobas e racistas como estas. As opiniões expressas nos jornais, assim como os depoimentos das pessoas comuns das cidades envolvidas, demonstram no entanto a ineficácia de tais iniciativas. A despeito de certo preconceito étnico presente na linguagem cotidiana e da rivalidade em torno dos postos de trabalho cada vez em menor número, a realidade social e cultural caminha em outra direção.

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