quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Yes, nós (também) temos tragédias

Desde que voltei e senti o bafo do nosso calor tropical, estou como que paralisado. Minhas impertinências teimam em se manifestar, o blog me espera para isso, mas sou impedido por uma resistência do tipo "não vale a pena".
A coisa já começou quando saí do aeroporto de Guarulhos sob uma persistente chuva e percorri a imensa marginal do Tietê em obras para a construção de mais uma pista. Cacete, outra pista que não resolverá o problema do trânsito caótico, extermínirá os pequenos canteiros de grama sobreviventes, ampliará a impermeabilização do solo, incentivará ainda mais a circulação de carros e caminhões.
E a coisa continuou ao chegar na Rio Preto aturdida por uma enchente colossal que levantou calçadas das avenidas, inundou a baixada da rodoviária e matou gente.
Ainda sob o impacto do terremoto do Haiti, ao qual não ousei me referir para não acrescentar mais miséria à miséria demasiada, eis-me perante nossas pequenas tragédias cotidianas: enchentes, deslizamentos de morros e casas, afogamentos... Yes, nós também temos tragédias.
Não... não estou sob efeito de algum deslumbramento com as belezas do velho mundo a olhar o brazilzão de cima com nojo, conforme o elitismo tradicional. Nada disso, pois vi de perto por lá as agruras dos imigrantes ilegais e a falta de alternativa para a crise econômica crônica. 
O que me paraliza, o que me incomoda aqui é o horizonte limitado da nossa burguesiazinha imediatista, da nossa intelectualidadezinha puxa-saco, que sempre arrotam civilidades e modernidades, mas se negam a pensar a médio e longo prazo.
Debitar as enchentes na conta do aquecimento global é, no mínimo, tapar a vista para a falta de idéias, de planejamento, ou mascarar interesses vis e óbvios.
Desde que a terra é terra o Tietê periodicamente alaga suas margens e as continuará alagando  por séculos e séculos. E desde que se formaram estas terras do interior paulista, seus córregos necessitam de leitos largos para dar vazão às águas. Já por volta de 1967 uma grande chuva alagou as partes baixas de Rio Preto, então ocupadas por velhos casarios e armazéns decadentes, antes que fossem substituídos pela Praça Incívica da ditadura, torpeza e feíura que não serve a nada e a ninguém.
O que dizer das avenidas riopretenses, estabelecidas nos declives sobre córregos canalizados para o desfile dos carros de uns poucos abastados na cidade que tinha, no máximo, cem mil habitantes? Que ainda não ostentava os imensos bairros periféricos de agora, habitados por milhares de pessoas que também precisam circular para o trabalho em suas motos e carros baratos?
Se há algo da civilidade que não aprendemos e ainda demoraremos muito para aprender é planejar uma infraestrutura urbana para facilitar a vida dos cidadãos. Aquilo que volta e meia se diz nos jornais mas não se faz: transporte coletivo eficiente, trens, metrôs e ônibus que possam circular em faixas próprias, servindo todas as partes das cidades, da periferia ao centro e vice-versa. Sem luxo: os metrôs de Paris e Madri são antigos, simples e feios. As estações são cavernosas e têm poucas escadas rolantes. No entanto, os trens funcionam muito bem, cumprem o horário previsto e informam ao usuário exatamente quando chegam.
Para que isso fosse possível, porém, houve uma revolução (burguesa) que estabeleceu os princípios de cidadania hoje ainda vigentes, dos quais até os imigrantes se beneficiam e não abrem mão. Liberdade, igualdade, fraternidade - valores iniciados com a queda da Bastilha e expandidos com Napoleão pela Europa. Cidadãos são todos e têm os mesmos direitos.
Foi o que não tivemos, dai a permanência dessa burguesiazinha expoliadora e ostentatória com seu séquito de peruas e perus da classe média fresca e fútil, alimentada ainda pelas idéias de uma intelectualidadezinha arrivista. Burguesiazinha que gosta de mostrar seus belos e possantes carros conduzidos pelo som da música sertaneja quando vai ao shopping americanizado.
Não vale chorar o leite derramado. Para os que são contra, como eu, o que importa é ir às últimas consequências. Superar a paralisia. E não conciliar diante do ranger de dentes daqueles que querem manter essa ordem de coisas.
2010 será o ano do teste.    


Um comentário:

  1. "Cacete, outra pista que não resolverá o problema do trânsito caótico, extermínirá os pequenos canteiros de grama sobreviventes, ampliará a impermeabilização do solo, incentivará ainda mais a circulação de carros e caminhões.!
    SENSACIONAL!
    Não posso deixar de mencionar a tragédia de Alagoas, mais uma, das outras tantas que ainda virão. Não sou apática ao sofrimento alheio, muito pelo contrário inclusive, mas morar nas margens de rios, em encostas e esperar pelo milagre de que a água nunca iria levar o que tivesse pela frente é ingênuo...ou mesmo pretencioso demais. E vamos continuar a pagar muito caro pelas escolhas tortas de incompetentes que querem concretar todo o planeta, ignorando o fato de que a natureza pode mais, sempre, com ou sem aquecimento global!

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